O racismo é prática criminosa e se fundamenta na idéia de que é possível hierarquizar grupos humanos com base na etnicidade. No Brasil, o racismo é dos poucos crimes que mereceram tipificação no texto constitucional. Segundo o Artigo 5º, XLII da Constituição Federal, a prática do racismo constitui crime inafiançável imprescritível, sujeito a pena de reclusão nos termos da lei.
A realidade social brasileira, no entanto, ainda não acompanha o avanço do quadro jurídico pátrio. O racismo continua sendo disseminado no Brasil ao ponto de produzir efeitos estruturais na sociedade brasileira.
No Brasil, as raízes mais profundas do racismo podem ser traçadas ao regime escravocrata. A escravidão em território brasileiro foi, durante séculos, uma política de estado que lançou bases tão amplas quanto permanentes, seja pelo número de escravos trazidos, seja pela intimidade do sistema econômico com o regime escravista, seja pelo alcance nacional da escravidão como política e ideologia.
Apesar do alto grau de mestiçagem, que, durante muito tempo permitiu a imagem de um mito da democracia racial, pode-se afirmar que o preconceito racial no Brasil é, na prática, proporcional à tez da pele: os mais negros entre os negros são passíveis de maior discriminação. A cor negra ainda remete – em si, isolada de quaisquer outros fatores – aos espaços simbólicos da segregação e da subordinação: o navio negreiro e a senzala.
Como reverso da moeda, por qualquer ótica que se veja (tempo de duração, número de pessoas atingidas, grau de exclusão), poucas causas são tão avassaladoramente justas, desde o descobrimento do Brasil aos nossos dias, como a da população negra brasileira.
Hoje, posto em cheque o mito da democracia racial e feito o reconhecimento pelo próprio Estado brasileiro de um racismo estrutural, chega-se à delicada fase de mexer na espinha dorsal do País por meio do uso pontual da ação afirmativa em um contexto de políticas corretivas estruturais de maior prazo de implementação.
As ações afirmativas são medidas tomadas ou determinadas pelos Estados para corrigir desigualdades provocadas por discriminações no passado. Cabe salientar que a ação afirmativa é uma ênfase política temporária. Para ter efeitos, portanto, no curto espaço de tempo de vida útil, ou dentro do “prazo de validade”, precisa ser radical nos intentos, profunda no alcance e rápida na cura e prevenção de novo ciclo de mazelas sociais.
Recomendado pelas Nações Unidas, o uso das ações afirmativas é feito em diversos países do mundo. No Brasil, tais medidas ganharam chancela estatal com o lançamento do Plano Nacional de Ações Afirmativas em 2002 e, já no governo do Presidente Lula, são objeto de previsão legal orçamentária no Plano Plurianual de 2004-2007.
Apesar desses avanços, a reversão do quadro racial no Brasil demandará mais que boas intenções. Tendo em vista todas as considerações acima feitas, o aproveitamento das ações afirmativas como instrumentos de democracia, capacitação e inclusão, torna indispensável tanto o dínamo político institucional quanto a vigilância dos movimentos organizados da sociedade civil. Para nós brasileiros, manter o foco do que é verdadeiramente nacional em escopo quando se trata de debater ações afirmativas significará poder trazer, um dia, mais do que o braço armado do Estado a dezenas de milhões de brasileiros.
A face negra do Brasil: do mito ao esboço de uma nova realidade