Por: Juliano Gonçalves Pereira*
Na calmaria desse dia em que a cultura ocidental cristã enraizada no Brasil, pára o capitalismo, nos obrigando a pensar em nossos entes queridos levados pela ordem natural da existência humana, trago reflexões de sentimentos de inquietação, indignação, tristeza e impotência que se confrontam em meu âmago negro juvenil. O feriado de finados nos deixa vulneráveis à realidade latente da morte, e é na sensibilidade que essa data nos proporciona, que trago uma rápida análise de duas importantes personalidades sociais que são cotidianamente injustiçadas pela realidade da vida, o da falta dela. Todos os dias este sentimento de perda que hoje se evidencia na mentalidade brasileira, se expande nas favelas e guetos desse país, nos corações aflitos e mentes angustiadas de mães que perderam precocemente seus filhos, bem como dos jovens que vivem cotidianamente na linha tênue entre a vida e morte, no modelo de juventude do medo que se espalha entre a juventude pobre e viciada brasileira, cuja maioria é negra.
A chuva de novembro, práxis nessa data aqui no norte de Minas Gerais, da um triste tom, ao sedentário dia desse feriado que possui uma característica dissonante dos demais feriados prolongados de nosso calendário. O dia de finados, para culturas como a Banto, (base da cultura afrobrasileira) é comemorado com grandes banquetes e festas, pois é lembrada como uma data que completa o complexo e misterioso ciclo da vida, porém hoje, nos possibilita navegar na realidade nua e crua de um dia comum para a Juventude Negra brasileira, e de seus familiares e amigos, que diariamente acendem velas pela perda de seus semelhantes nessa guerra silenciosa que tem exterminado parte significativa dessa juventude.
Visitas a túmulos, cenas recordadas de tempos que se passaram, arrancam lágrimas de felicidade ou tristeza, que levam milhares a acenderem velas ao pé da cruz em todos os cemitérios espalhados do país. Para muitos que trazem nas lembranças, entes que morreram por velhice, a alegrias e contentamento do tempo que se foi, e a realização da missão cumprida. Para outros, que foram surpreendidos por alguma doença mortal ou acidente, resta a compreensão da fragilidade que é o sopro da vida. Há uma parcela em especial, resta à indignação, incompreensão e luta, por trazerem neste dia lembranças da interrupção precoce e evitável da vida de seu ente querido.
A violência urbana tem sido uma arma letal a juventude pobre no Brasil. As inúmeras pesquisas como “O Mapa da Violência 2010 – Anatomia dos Homicídios no Brasil, no período de 2002 a 2007”, produzida pelo Instituto Sangri, diagnostica o aumento significativo de homicídios entre jovens. Nos percentuais percebemos o diferencial de evolução das mortes e a vulnerabilidade da juventude negra comparada a juventude branca. A brecha histórica de vitimização negra se incentiva drasticamente no qüinqüênio: em 2002 morriam proporcionalmente 58,7% mais negros do que brancos. Em 2004 esse indicador sobe para 85,3% e em 2007 o índice atinge 130,4%, o que nos exige debates e ações mais qualificadas sobre esse assunto, pois se trata do direito a vida. Importante também citar, a pesquisa realizada em agosto de 2008 pela UNICEF e Observatório de Favelas do Rio de Janeiro, que fez uma projeção afirmando que de 2006 a 2012 o número de adolescentes assassinados no Brasil antes de completar 19 anos ultrapassará 33 mil mortes. Na faixa etária de 0 a 18 anos a taxa de homicídios é de 9,15 por cem mil, o que significa que cerca de 16 crianças e adolescentes são assassinadas por dia no Brasil, sendo que 70% dessas mortes são de negros (pretos e pardos). Os números do Sistema de Informações sobre a Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, registram que a quase duas mortes de pretos e pardos para cada homicídio praticado entre não negros. Somente em 2000, por exemplo, morreram 3mil negros para 1,8 mil indivíduos da cor branca com idade entre 15 e 18 anos.
Quero, neste texto, denunciar que a vida da juventude está perdendo valor no comércio das necessidades humanas e sociais, bem como demonstrar que dependendo da cor da carne como nos diz Elza Soares na canção e confirmado nos números de homicídios, essa se torna mais barata e sem valor. Importante ressaltar, que neste país de contrastes e contradições étnicas, onde a população negra é majoritária, e tende reafirmar a superioridade do seu contingente populacional no censo 2010, temos no Brasil a maior nação negra fora da África. Isso possibilita termos tratamento diferenciado e prioritário para os jovens negros quando se refere aos números referentes a homicídios, taxas de desempregos, índices de analfabetos ou de condenados pela lei, mas proibidos quando se é, para ingresso em universidades públicas, direitos especiais a créditos ou vagas em cargos, sobretudo de chefia.
Neste dia de finados, quero deixar evidente a reflexão da necessidade de mudança das orientações que tem ceifado a vidas da juventude, sobretudo no tratamento dado pelos agentes de segurança pública a juventude negra, bem como peço atenção a população dessa nação que invisibiliza quem em sua maioria aprece morto nos jornais sensacionalistas, violadores dos direitos humanos universais. Por meio deste texto, chamo a atenção para todas as mães brasileiras que hoje choram a morte precoce de seus filhos e muitos jovens negros que acendem velas para seus semelhantes e se defrontam com sua frágil condição social, que agravada pela cor escura de sua pele são condenados a viverem menos.
Provoco essa população que demonstrou nas urnas no último dia 31 de outubro, seu amadurecimento político, rompendo com o machismo ainda tão forte e presente entre nós, escolhendo para presidente uma Mulher, a reproduzir ações semelhantes agora se conscientizando da necessidade pela Promoção do Direto da Igualdade Étnica e do Direito a Vida dos Jovens nesse país, acabando com o racismo que ainda impede-nos de crescermos econômico e democraticamente, construindo conjuntamente uma nova mentalidade racial por meio de uma ação que combata a mortalidade das juventudes brasileiras em especial a Negra.
*Juliano Gonçalves Pereira é Negro; Graduado em Educação Física pela Universidade Estadual de Montes Claros/UNIMONTES;Graduando em História pelo Instituto de Educação Superior Ibituruna – ISEIB, Pós Graduando em Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG; Membro do Centro Cultural Capoeirando, Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial de Montes Claros/MG – COMPIR; Conselheiro Nacional de Juventude – CONJUVE; Bailarino do Grupo de Dança Contemporânea Compasso da UNIMONTES; Escritor, Pesquisador; Compositor e membro da Coordenação Nacional do Fórum de Juventude Negra – FONAJUNE.