Os funcionários do Planalto ainda não terão limpado os restos da festança que comemorará o retorno do Presidente da República ao seu Palácio nesta quarta, dia 25, e o governo federal assinará a sentença de morte do Xingu e a expulsão de milhares de cidadãos de suas casas, o pouco que ribeirinhos e pequenos agricultores das barrancas do rio podem chamar de seu.
Num ato de escandalosa afronta a convenções internacionais de direitos humanos, à legislação brasileira e à Constituição do país, o governo firmará, nesta quinta, 26, o Decreto de Outorga e o Contrato de Concessão da UHE Belo Monte com o Consórcio N/Morte Energia no Palácio do Planalto.
A assinatura ocorrerá antes do Ibama ter concedido a Licença de Instalação à obra, que, por lei, deve anteceder mesmo o processo de licitação (artigo 4 da resolução 006 do CONAMA), e enquanto ainda tramitam na Justiça 15 Ações Civis Públicas contra a Licença Prévia, contra o leilão e por violação de Direitos Humanos e Constitucionais das populações ameaçadas.
Neste ato, serão rasgados acordos internacionais como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e a Convenção sobre Diversidade Biológica, que exigem o consentimento livre, prévio e informado dos Povos Indígenas e Comunidades Locais em caso de empreendimentos que afetem suas vidas.
Será consolidado um procedimento que ressuscitou um autoritarismo aterrador por parte do governo, que instou o Tribunal Regional Federal a derrubar sem a mínima avaliação dos argumentos jurídicos três liminares concedidas pela Justiça Federal contra a obra e o leilão, constrangeu procuradores do Ministério Público Federal através de ameaças abertas por parte da Advocacia Geral da União, e avalizou um projeto que custará mais de 19 bilhões de reais – a maior parte advinda de fundos públicos como o BNDES e de fundos de pensão – sem a menor garantia de viabilidade econômica, representando uma grave ameaça ao erário público.
Há mais de um ano atrás, em julho de 2009, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu em audiência representantes da comunidade científica, lideranças indígenas e sociais e o bispo da Prelazia do Xingu, Dom Erwin Kräutler, e garantiu textualmente a seus interlocutores que não lhes “enfiaria Belo Monte goela abaixo”. Também se comprometeu a responder algumas questões, que lhe foram enviadas por carta posteriormente:
- O que diz Lula ao Brasil sobre a ineficiência energética da usina, que na maior parte do ano só produzirá 40% da energia prometida?
- Que garantias Lula dá às populações do Xingu de que não serão construídas outras três usinas – Altamira, Pombal e São Felix do Xingu – no rio?
- O que diz Lula sobre os impactos às populações indígenas?
- Qual o número de atingidos pela obra que serão deslocados de suas casas?
- O que será da população dos 100 km da Volta Grande do Xingu que secarão com Belo Monte?
- O que diz Lula sobre a pressão populacional que a região sofrerá com a migração de milhares de pessoas para Altamira, em busca de emprego e oportunidade?
- Qual é, afinal, o custo da usina?
- Qual será a tarifa cobrada da população brasileira pela energia produzida por Belo Monte?
Estas perguntas nunca foram respondidas pelo presidente. Não foram respondidas satisfatoriamente por ninguém. As populações ameaçadas, todos nós brasileiros, fomos escanteados, desrespeitados em nossos direitos, tivemos nossas leis pisadas na lama e nossos direitos ridicularizados.
A assinatura do Decreto de Outorga e do Contrato de Concessão da UHE Belo Monte, um dos primeiros atos oficiais no reluzente e recém-reinaugurado Palácio do Planalto, deixará uma mancha macabra e feia. Mas não extinguirá a resistência de indígenas, ribeirinhos e pequenos agricultores que lutam por suas vidas no Xingu, e por tudo que o rio e as matas são para eles e para nós: garantia de futuro.
Vergonha sobre o governo! Belo Monte não passará!
Assinam:
Dom Erwin Kräutler, bispo da Prelazia do Xingu
Movimento Xingu Vivo para Sempre – MXVPS
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB
Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo – Apoinme
Aty Guasu
Articulação dos Povos Indígenas do Pantanal – Arpipan
Articulação dos Povos Indígenas do Sul – Arpinsul
Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste – Arpinsudeste
Conselho Indigenista Missionário – CIMI
Rede Fórum da Amazônia Oriental – FAOR
Comitê Metropolitano Xingu Vivo para Sempre, Belém/PA
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH
Instituto Amazônia Solidária e Sustentável – IAMAS
Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé
Instituto Socioambiental – ISA
Society for Threatened Peoples International
Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC
Instituto Terramar
Justiça Global
Rede Brasileira de Justiça Ambiental
Instituto Humanitas
Associação Floresta Protegida – Mebengokré/Kayapó
Instituto Ambiental Vidágua
Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
IBASE
Centro Legal de Defensores do Meio Ambiente – EDLC
Survival International
FASE AMAZÔNIA
Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia – MAMA
Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense – FMAP
Articulação de Mulheres Brasileiras – AMB
Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará – CEDENPA
Terra de Direitos
Fundação Tocaia
Campa – Cooperação Associativo Ambiental Panamazônica
Fórum Carajás
Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais
Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul – PACS
COMITÊ-DOROTHY
OPERAÇÃO AMAZÔNIA NATIVA – OPAN
Associação Civil Alternativa Terrazul
REDE SOCIAL DE JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS
Centro de Defesa dos Direitos Humanos
Educação Popular do Acre-CDDHEP
Articulação de Mulheres Negras da Amazonia Brasileira – FULANAS
Rede Jubileu Sul Brasil
Rede Jubileu Sul Américas
Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul – PACS
Forum Mudanças Climáticas e Justiça Social
Assembléia Popular Nacional
Grito dos Excluídos
Sindicato dos professores de Nova Friburgo e região
GTA
Associação Civil Alternativa Terrazul
“Toda vez que nos unimos reforçamos nosso movimento. Temos que continuar lutando pela vida, pela cultura e biodiversidade e floresta; os velhos, os jovens e as gerações futuras não desistirão nunca da luta contra Belo Monte!” Cacique Raoni Metuktire, Altamira, agosto de 2008.