Seminário Terra e Território: um informe da Dignitatis

O Seminário Terra e Território: Desafios políticos e jurídicos em movimento(s) foi realizado de 19 a 21 de agosto, em João Pessoa, reunindo quilombolas, movimentos sociais, CPT, advogados populares, acadêmicos e representantes do INCRA, que apoiou o evento, organizado por Dignitatis com o apoio de outros parceiros.

Dentre as demandas consideradas emergenciais pelos participantes, destacam-se: a ampliação das atuais e a construção de novas articulações entre esses e outros parceiros, a serem conquistados; ações junto aos órgãos do Estado, na defesa das comunidades tradicionais, e realização de mais reflexões acadêmicas sobre a questão; envio de cartas de apoio aos cursos do Pronera;, convergência política no sentido de aglutinar organizações, movimentos, instituições e pessoas contra as pressões do latifúndio, da mídia hegemônica e do modelo de sociedade individualista e capitalista que devasta as perspectivas de autonomia dos sujeitos coletivos, seja no campo ou na cidade.

A seguir, uma breve informação sobre as falas dos convidados e sobre as principais decisões dos quatro grupos de trabalho que se formaram no último dia.

Mesas e debates

Os desafios políticos e jurídicos para concretização do direito à terra, a partir da perspectiva provocadora do Pe. Hermínio Canova (CPT/NE 2) e dos dados apontados pelo Caderno Conflitos no Campo da CPT 2009, iniciaram e nortearam os temas do Seminário.

O advogado popular Gustavo Magnata fez um breve histórico do processo de construção da RENAP (Rede Nacional de advogados/as populares) no Nordeste, embasando o desejo da articulação “Confederação do Equador” de possibilitar uma ação ampla e articulada com movimentos do campo e da cidade, em prol dos Direitos Humanos.

Finalizando a primeira noite, Maria Ester Fortes (INCRA/PB) relatou as expectativas dos antropólogos diante do desafio institucional de dar cumprimento ao Decreto 4.887/03 e a vivência nas comunidades quilombolas. E a Coordenadora da mesa, Lúcia Silva (INCRA/PB), apresentou uma visão comprometida da instituição com as causas populares e as dificuldades da gerência no cotidiano.

Os debates iniciais, centralizados nas intervenções de estudantes de direito e advogados/as, demonstraram que era necessário alterar a metodologia do Seminário, de forma a propiciar uma maior participação coletiva dos movimentos sociais e das comunidades quilombolas.

No segundo dia, foram debatidos os temas geradores: A questão acadêmica, política e antropológica; O desafio jurídico na implementação dos direitos humanos; Reação conservadora frente às demandas do campo e os embates jurídicos atuais; Terra e Território `à luz do Mapa de injustiça ambiental e saúde no Brasil; e O Desafio do Desenvolvimento e do Meio Ambiente no Nordeste.

A Profa. Fátima Rodrigues (CDH-UFPB) avaliou o papel da universidade na atuação e articulação junto aos movimentos sociais e demais instituições e órgãos do poder público. Destacou o apoio de setores da UFPB aos cursos que são pleiteados pelos movimentos sociais do campo, como o de História.

A Profa. Érika Macedo (UFG) trouxe reflexões e fatos sobre a construção do curso de Direito para movimentos sociais no campo, provocando questionamentos sobre o modelo de ensino jurídico nas salas de aula: afinal, a matriz curricular tradicional serve aos interesses dos movimentos sociais? A palestrante apontou um cenário nacional de ampla discussão acadêmica sobre a temática.

A Profa. Maristela Andrade (UFMA) considerou as perspectivas postas em sua tese de doutoramento, na qual trabalha com a dimensão vinculada das identidades camponesa e quilombola. Apontou os “gargalos” na efetiva atuação dos antropólogos no cotidiano, questionando a sobrecarga de academicismo nas diretrizes políticas de ação na demarcação e titulação dos territórios.

No final da manhã, Givânia Maria (rriginária do Quilombo de Conceição das Crioulas e hoje na Coordenação Nacional da Política de Titulação dos Territórios – INCRA/BSB) fez uma convocação aos movimentos sociais, antropólogos, estudantes e advogados/as populares em prol da questão quilombola. Denunciou que representantes da Câmara dos Deputados se articulam com a bancada ruralista, para travar processos em todos os Ministérios e junto ao poder Judiciário. Disse ainda que a ação direta de inconstitucionalidade (ADIN) proposta pelo DEM no STF pode a qualquer momento vir à pauta de julgamento, cabendo às comunidades, associações, ONGs, INCRA, MPF e outros ficarem atentos e articulados para esse momento.

Rodrigo Medeiros (RENAP-CE) fez uma síntese das falas, levantando o debate sobre questões especificas no funcionamento das políticas de reforma agrária, titulação dos territórios quilombolas e o enfrentamento político no campo institucional da política.

Em seguida e respeitando a nova metodologia, os participantes foram convidados a formar grupos diversificados (quilombolas, agentes pastorais, estudantes, advogados/as populares, professores e antropólogos/as) para dialogar sobre os temas específicos, construindo novas questões, quer foram apresentadas à plenária e debatidos pelos/as expositores/as.

No período da tarde da sexta-feira, Noaldo Meireles (Dignitatis/RENAP) iniciou o debate lembrando o papel fundamental das organizações populares (da França Jacobina aos Cabanos do Nordeste), através de uma leitura histórico-jurídica. Fez uma relação entre mídia, política e direito no Estado da Paraíba, apontando violações de direitos humanos e decisões judiciais que remontam ao período da ditadura militar, mas que ainda ocorrem na Paraíba.

Jaime Amorim (MST/PE) fez uma análise de conjuntura do cenário nacional, apontando que o modelo posto para a Reforma Agrária é apenas parte de um processo maior de mudança da sociedade. Criticou as instituições do Estado, demonstrando que o viés desenvolvimentista ilude grande parte da sociedade no que tange à garantia de direitos, que são violados sistematicamente, sejam dos/as sem-terra, dos/as quilombolas ou dos/as indígenas.

O Procurador Ridalvo Arruda (INCRA/PB) problematizou a questão cartorial e da cadeia dominial nos processos de titulação nas comunidades quilombolas, incluindo questões relativas às associações, às funções dos cartórios e à defesa dos decretos de desapropriação nas instâncias do Poder Judiciário, realizada pela Procuradoria do INCRA.

Ainda falando pelo INCRA/PB, a antropóloga Fernanda Lucchesi fez uma abordagem das relações entre a causa quilombola e o papel da antropologia dentro do INCRA. Questionou a relação das comunidades com seus mediadores e a repercussão das ações nas comunidades ainda em processo de mobilização social e identitária.

Construindo outro ponto de observação, o advogado Luciano Falcão (SAP/RENAP – RN) falou sobre a assessoria jurídica à comunidade quilombola de Acauã/RN e os embates no judiciário diante da opressão econômica na região. Criticou também a falta de compromisso das instituições do Estado na defesa das comunidades quilombolas, apontando as incongruências de agentes públicos.

Aparecida Mendes (CONAQ/AQCC-PE) fez uma análise do movimento quilombola, apontando que o grande desafio é ampliar a base de articulação com outros movimentos sociais, mantendo, porém, a autonomia. Disse que as comunidades quilombolas e as movimentações políticas estão em uma crescente nas comunidades, que devem passar por um processo de formação política e jurídica para disputar e contra-argumentar. De acordo com Cida, o papel das assessorias deve ser “lado a lado” com os apoiadores e não fora de sintonia, pois isso gera muitas vezes novos conflitos por parte daqueles que não têm legitimidade para representar as comunidades ou não conseguem compreender a dinâmica do dia-dia nos quilombos.

A provocadora do debate, Francimar Fernandes (AACADE), apresentou números e dados sobre as dificuldades das comunidades quilombolas da Paraíba em suas lutas cotidianas. Disse que a Comissão Estadual está em processo crescente de articulação com novos parceiros, conhecendo as instâncias do Estado, mas que as comunidades devem ser sempre consultadas sobre obras, projetos e intervenções.

O debate foi aberto aos participantes, que fizeram contribuições a algumas falas, inclusive com críticas aos palestrantes e visões complementares e destoantes dos papéis ali desempenhados. Houve uma grande participação, que demonstrou que as pessoas estavam atentas aos debates.

Nas palestras de encerramento – Tania Pacheco (coordenadora executiva do Mapa e integrante do GT Combate ao Racismo Ambiental da RBJA) e o Prof Jeovah Meireles (UFC) -, apresentaram pesquisas que amplificaram o entendimento dos desafios no que tange ao Racismo Ambiental e ao crescimento do empreendedorismo especulativo no litoral do Nordeste.

Com dados irrefutáveis e argumentação compreensível pelos participantes da plenária, as duas palestras mostraram que as articulações entre a academia e a advocacia popular, integrando comunidades e movimentos sociais, são um dos caminhos para o embate sobre o modelo de desenvolvimento e de pressão diante de um judiciário conservador.

Grupos de Trabalho

A manhã de sábado foi dedicada aos os Grupos de Trabalho: Reforma Agrária, Território, Universidade e Advocacia Popular. Momento considerado o mais importante do Seminário, no qual os participantes trocaram suas dúvidas, informes, agendas e perspectivas de uma articulação ampliada com outros Grupos Temáticos. Dentre as diretrizes/reflexões gerais dos GTs, destacamos as seguintes:

GT Território:

– apresentar a demanda quilombola no STF, articulando mais associações para enviar cartas, documentos jurídicos e outros;
– importância de novos momentos de formação, com mais tempo, menos palestras e maior participação de outros movimentos sociais;
– articulação maior entre os estados do Nordeste na questão quilombola;
– apoiar a Comissão Estadual Quilombola da Paraíba, que vai passar por um momento de nova composição da sua diretoria;
– articular as representações quilombolas com a Via Campesina;
– articular a presença dos estudantes nas comunidades, porém com acompanhamento de pessoas, articulações e instituições que trabalham nas comunidades, para que não existam desencontros e duplicação do trabalho.

GT Reforma Agrária:

– investir no Plebiscito sobre o limite da Propriedade Privada:
– investir no combate à criminalização, articulando os movimentos (respeitadas as diferentes características de cada um) e unificando as lutas no combate ao inimigo-maior: o latifúndio ou agronegócio;
– desafios jurídicos e políticos para os movimentos:  (a) papel dos estudantes e representação estudantil: ingenuidade dentro do movimento estudantil de pensar que a direita também não se organiza; (b) estratégias de inovação e criatividade para captar o interesse das pessoas: teatro do oprimido; (c) movimentos estudantis preocupados com os movimentos sociais são focos de resistência, promovendo uma luta contra-hegemônica que é difícil; (d) formar juízes, desembargadores etc para mudar o Estado, para inserir pessoas pensantes dentro dos espaços de poder; (e) o judiciário é um espaço de disputa política: precisamos disputar; (f)    universidade deve fazer o contato dos estudantes com os movimentos sociais e com a realidade social, para que se formem profissionais mais completos, pensantes e sabendo o que se passa na sociedade, sempre com retorno para as comunidades; – vivemos o clímax do individualismo: reflexão sobre a realização do próprio seminário que, apesar de ter tido uma intenção muito boa, reproduziu a centralização da fala nas mesas e pouca participação da coletividade.

GT Universidade:

– há um magistério indígena; porque não magistério quilombola?
– apoiar os Cursos do Pronera (começando por carta de apoio à UFG) e abertura para outros movimentos;
– pensar agendas em comum no campo das pesquisas e extensões;
– democratização da universidade, em apoio às ações afirmativas;
– pesquisa-ação; extensão popular (para a comunidade e para os estudantes),vcomo caminho para a formação crítica dos estudantes;
– construir uma pauta para Cursos de Direito para movimento(s) no NE;
– publicação conjunta para o encontro do Centro de Referência em Direitos Humanos, com produção de artigos e relatos.
– relatoria sistematizada do encontro Terra e Território (e outros), para uma publicação conjunta com movimentos sociais, assessorias, professores e estudantes;
– quebra da centralidade dos artigos científicos, acatando outras possibilidades, como o audiovisual; pensar em vídeos para formação e divulgação;
– participar do ERED (Natal) e se encontrar no GT de criminalização dos movimentos sociais;
– pensar em um calendário sistematizado de ações na Universidade com movimentos socais para 2011, nas IES do Nordeste. GT Advocacia Popular:
– produção de um “Mapa de conflitos” dos casos trabalhados no NEP: Catálogo de sistematização de casos emblemáticos.
– criação uma turma para trabalhar com indígenas, quilombolas, sem-terra etc;
– estratégias de participação nas agendas dos eventos colocados;
– avaliar a assinatura de ofício que será encaminhado ao presidente do CNJ, pleiteando financiamento para participação da sociedade civil e dos movimentos sociais no II Encontro do Fórum de Conflitos Fundiários do CNJ, que será realizado de 9 a 11 de setembro em Belém (PA);
– integrar os GTs do Seminário com o GT de criminalização dos movimentos sociais no ERED.

Outros dados sobre o Seminário

Organização: DIGNITATIS – ASSESSORIA TÉCNICA POPULAR e INCRA – PB/ SERVIÇO DE REGULARIZAÇÃO QUILOMBOLA INCRA.
Financiamento: COORDENAÇÃO GERAL DE REGULARIZAÇÃO DE TERRITÓRIOS QUILOMBOLAS (DFQ).
Comissão Executiva:  AACADE – Associação de Apoio aos assentamentos e Comunidades Afrodescendentes; CDH/UFPB – Comissão de Direitos Humanos da Universidade Federal da Paraíba; CECNEQ – Coordenação Estadual das Comunidades Negras e Quilombolas da Paraíba; Confederação do Equador – Articulação Nordestina de assessoria jurídica popular (RENAP/NE); NEP – Núcleo de Extensão Popular Flor de Mandacaru – UFPB; RENAP – Rede Nacional de Advogados/as Populares.  Apoio: AQCC – Associação Quilombola de Conceição das Crioulas– Pernambuco; CEDHOR – Centro de Direitos Humanos Dom Oscar Romero; CPT / NE 02 – Comissão Pastoral da Terra Regional Nordeste 02 (RN, PE, PB e AL);  UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA: CCJ – Centro de Ciências Jurídicas. DCJ – Departamento de Ciências Jurídicas – Santa Rita. NCDH – Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos.

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