Conheça a história de Peter Hochegger, austríaco que ficou conhecido por causa de um escândalo financeiro envolvendo o governo e sua empresa. Investigado pelo Ministério Público de lá, foi acusado de sonegação fiscal, diz que negociou a dívida, e hoje investe no litoral cearense. Peter fala pela primeira vez sobre o tráfico de influência que abalou o governo de seu país
Localizada a 120 quilômetros de Fortaleza, a praia de Parajuru, distrito de Beberibe, encanta pelas belezas naturais e o jeito peculiar de seu povo, a maioria pequenos comerciantes e pescadores. Há alguns anos, essa condição tem atraído turistas nacionais e estrangeiros que se misturam com os moradores sem maiores tensões. A relação de proximidade, porém, tem gerado, nos últimos anos, um clima de animosidade entre nativos e representantes de um grupo empresarial austríaco chamado Estrela do Mar.
Comandado por Gisela Wisniewski e seu primo Peter Hochegger (foto), o Estrela do Mar chegou a região em 2004. Desde então tem investido pesado na compra de terrenos e construção de empreendimentos turísticos que têm desagradado a famílias nativas. No início de agosto a relação entre o Estrela do Mar e a comunidade de Parajuru foi abalada mais ainda com a informação veiculada por jornais da Áustria de que Peter Hochegger seria o pivô de um escândalo financeiro envolvendo o governo austríaco e parte do dinheiro teria sido investido em Parajuru.
O caso Buwog-Affare, como ficou conhecido o escândalo, foi em 2004 e envolve a obtenção de informações privilegiadas em uma concorrência governamental. Peter era consultor da empresa Immofinanz, que ganhou a disputa, recebendo como comissão o valor de 10 milhões de euros (R$ 22,5 milhões). Na última quarta-feira, Peter aceitou falar ao O POVO, na pousada Paraíso do Sol, em Parajuru, que faz parte dos empreendimentos da Estrela do Mar. Na primeira conversa com a imprensa depois do escândalo, ele admitiu que parte dos recursos da trama financeira foi investido em em negócios na praia de Parajuru. POVO – O que o senhor está fazendo no Brasil? Peter Hochegger – Gisela (Wisniewski) é minha prima. E ela sempre me falava sobre Parajuru. Que era bonito aqui, me falava sobre as coisas que fazia, tinha aqui a escola, né? E ela achou que era importante para mim vir para cá. Em 2006, meu pai morreu e a Gisela sugeriu que eu trouxesse minha mãe durante o período de inverno na Áustria. Vim com minha mãe em 2006. Ficamos na casa de Gisela e minha mãe gostou muito. Gisela disse que quando quisesse vir poderia ficar na casa dela. Mas minha mãe queria sua própria casa.
OP – Em que tipos de atividades o senhor atua?
Peter – Atuo no ramo de consultoria e também sou sócio em algumas empresas no segmento de alimentação, eólica e uma de veículos a eletricidade.
OP – O senhor tem alguma ligação com política na Áustria? Peter – No meu ramo de atividade eu trabalhei com pessoas da política, mas não diretamente com partidos.
OP – O senhor não chegou a ter mandato parlamentar?
Peter – Não.
OP – Qual a sua ligação com o escândalo Buwog-Affäre?
Peter – A empresa envolvida, a Immofinanz, era minha cliente há muito tempo e eu ajudei a essa empresa em um negócio, dizendo qual era o melhor preço que eles podiam pagar para ganhar uma concorrência do governo. A Immofinanz queria comprar esse negócio e nós lhe dissemos qual era o melhor preço. Só que tinha dois problemas nesse caso. O meu sócio (Walter Heischbergger) era amigo do ministro das Finanças da Áustria (Karl-Heinz Grasser). E por isso ganhou informações privilegiadas para vencer a concorrência. Quando o caso estourou, eu confessei que tínhamos passado a informação, mas meu sócio negou que tivesse repassado as informações privilegiadas.
OP – Mas o que era propriamente esse negócio?
Peter – Eram imóveis em consórcio que o estado quis vender. E duas empresas desse consórcio queriam comprar. Eu recebi a informação privilegiada sobre o melhor preço para comprar esses imóveis através de meu sócio. Ele me deu a informação de quanto a outra empresa iria pagar e nós repassamos para a nossa cliente esse valor, para que eles dessem uma oferta maior. Essa informação privilegiada era de que a outra empresa (Creditanstalt Real Estate – Caib) só podia chegar até determinado valor. Depois o meu sócio disse que nunca deu essa informação.
OP – Quem passou a informação privilegiada foi o ministro das Finanças?
Peter – O meu sócio nunca me falou sobre quem lhe passou a informação.
OP – Como se descobriu a fraude e se gerou o escândalo?
Peter – Com o tempo as ações da Immofinanz começaram a cair e as pessoas a desconfiar que havia alguma coisa errada com a empresa. Era na verdade um outro escândalo da empresa, mas que não tinha nada a ver com o que eu estava envolvido. Depois a Immofinanz foi submetida a uma investigação pelo Ministério Público e encontraram uma conta de aproximadamente 10 milhões de euros (R$ 22,5 milhões) de provisão que foram para minha empresa como comissão. Mas desse valor eu ganhei 20% e meu sócio os 80%.
OP – Mas isso é ilegal?
Peter – A comissão não é ilegal. A questão é que eu não paguei a taxa de imposto dessa comissão. O problema todo é esse.
OP – Mas por que não foi pago?
Peter – Esse dinheiro eu transferi para contas que mantenho em Chipre e não paguei as taxas em Viena.
OP – Paraíso fiscal?
Peter – Não, não. Eu já tinha uma empresa lá, porque se paga menos imposto.
OP – Qual a sua situação hoje na Áustria?
Peter – Eu expliquei tudo ao Ministério das Finanças, expliquei tudo, paguei uma parte do valor e tenho até setembro para pagar o resto.
OP – Como está a situação legal de Heischberger, seu sócio?
Peter – Ele está solto, mas está tendo que ressarcir o governo também.
OP – Veículos de comunicação na Áustria divulgaram que parte desse dinheiro foi usado pelo senhor para investimento no Brasil. Isso procede?
Peter – Uma parte fiz investimento aqui, no Ceará.
OP – Por exemplo?
Peter – Na casa que construi aqui. Tenho 20% de participação no hotel Paraíso do Sol e comprei terrenos.
OP – Hoje o senhor lida com o quê?
Peter – Eu sou proprietário de uma S/A e dono de várias empresas em sete países.
OP – Quais?
Peter – Bulgária, Holanda, Romênia, República Tcheca, Hungria, Brasil e Áustria.
OP – O Buwog-Affäre foi um escândalo de grande repercussão na Europa. A que o senhor credita isso?
Peter – O escândalo tornou-se grande porque se deu muito próximo da esfera política. Porque surgiu suspeita da participação do ministro das Finanças e as pessoas se aproveitam.
OP – E até hoje o senhor não sabe quem passou a informação privilegiada para o seu sócio.
Peter – Apesar de termos trabalhado juntos uns dez anos, nunca perguntei. O Heischbergger também trabalhou na política e achei que eram contatos dele.
OP – Na época do escândalo como o senhor enfrentou o caso?
Peter – Eu abri todas minhas contas ao Ministério Público, estou pagando todos os impostos e quando estiver tudo resolvido eu pretendo dar uma entrevista lá (na Áustraia) falando alguma coisa.
OP – Essa é a primeira entrevista que o senhor dá sobre o caso à imprensa?
Peter – Primeira vez. Mas tudo que eu falei para você, as pessoas já sabem na Áustria.
OP – O que o senhor pretende dizer ainda aos austríacos?
Peter – Eu vou ver.
OP – Tem alguma coisa que eles não sabem?
Peter – Não (risos).
OP – O senhor pretende investir em mais alguma coisa no Ceará?
Peter – Estou estudando alguma coisa em energia eólica.
OP – O Ceará é melhor para investir ou passear?
Peter – Os dois.
http://opovo.uol.com.br/app/o-povo/fortaleza/2010/08/20/interna_fortaleza,2032471/pivo-de-escandalo-na-austria-investe-no-litoral-do-ceara.shtml