A burocracia em diferentes momentos e lugares está atrapalhando e atrasando o desenvolvimento do programa federal Caminhos da Escola. Pela primeira vez, um projeto foi além dos ônibus escolares e resolveu atender a população que não precisa de rodas, mas de outro tipo de transporte para chegar à escola. Das 12 primeiras lanchas do programa doadas oficialmente entre maio e julho para sete cidades do Amazonas, Pará e Rondônia, contudo, apenas três estão em operação.
A reportagem é de Luciano Máximo e publicada pelo jornal Valor, 20-08-2010.
Pelo cronograma original, 180 lanchas seriam entregues este ano, dentro de um programa que prevê distribuir 660 embarcações escolares até 2012, totalizando R$ 120 milhões em investimentos. O Brasil tem hoje 300 mil alunos que vão à escola de lancha, 180 mil deles na região Norte.
Os municípios, que abrigam escolas em comunidades ribeirinhas e precisam das embarcações para o transporte escolar, enfrentam problemas de desinformação e burocracia com a Marinha, responsável pela fabricação e pelo fornecimento da documentação, ou com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão do Ministério da Educação (MEC) coordenador do projeto.
Banhada pelos rios Negro e Solimões, Iranduba foi uma das cidades que comemoraram a doação de duas lanchas. No fim de junho, o FNDE organizou uma solenidade que marcou a entrega dos barcos, com presença de autoridades e alunos em um porto da Marinha, em Manaus. Passados quase dois meses, a prefeitura ainda não conseguiu retirar as embarcações. Rose Ebling Guaraldi, secretária de Educação de Iranduba, que fica a 30 quilômetros da capital amazonense, conta que enviou os documentos para a Marinha e espera uma resposta. “Sempre nos pedem mais tempo”, relata.
Iranduba tem cerca de 12 mil alunos distribuídos em 67 escolas, das quais 54 estão na zona rural. O rio e os lagos formados em tempo de seca são os principais acessos. Lá as lanchas são aguardadas ansiosamente. “É uma conquista, mas seria preciso uma frota muito maior”, diz Clemilda da Silva Martins, coordenadora de transporte escolar do município. Sem contar com embarcações próprias, a prefeitura contrata um prestador de serviços para fazer o transporte escolar. Mais conhecido como “o empresário”, o vencedor da licitação anual de R$ 69 mil paga para donos de canoas fazer as 62 rotas escolares dos três turnos de aula.
Natalia Vale da Silva, gestora da Escola Municipal 7 de Setembro, a dez quilômetros da sede de Iranduba, diz que os barqueiros são mal remunerados, o que impede que eles ofereçam embarcações “confiáveis”. A reportagem do Valor verificou que nem todos os barcos são de ferro ou tem cobertura; nenhum tinha equipamentos de segurança. “Quando chove, os alunos chegam molhados, molham o material, ou nem vêm para a escola. E quando o rio está cheio fica muito perigoso, as ondas são grandes e corre o risco de virar se passa algum barco maior”, diz Natália.
As embarcações escolares projetadas pela Marinha a pedido do FNDE são baseadas em lanchas militares de ação rápida (LAR), projetadas para missões de patrulhamento. Elas são construídas em alumínio naval, tem pouco mais de 7 metros de comprimento e cobertura, podem transportar até 20 alunos, inclusive portadores de deficiência física, e são equipadas com dois motores (um mais potente e um “rabeta”, usado em canoas nos igarapés, onde a profundidade é inferior a um metro), coletes salva-vidas, extintor de incêndio, luzes de navegação e sirene.
O prefeito de São Paulo de Olivença, a quase mil quilômetros de Manaus, considera as lanchas uma “grande solução” para a falta e o baixo rendimento escolar dos 14 mil alunos do município. Raimundo Nonato Martins (PT) conta que a cidade, cortada pelo rio Solimões, é dividida em 71 comunidades ribeirinhas – 50% delas compostas por indígenas. “Esses dias eu tive que pedir paciência para um cacique. Ele veio dizer que uma das canoas da comunidade usada para levar as crianças não aguenta mais e precisa ser trocada.” Um representante da cidade, com procuração do prefeito, está em Manaus e a documentação está em vias de ser liberada pela Marinha.
Em Porto Velho, que recebeu duas embarcações do programa Caminho da Escola, as lanchas já estão em poder da prefeitura há mais de um mês, mas falta o termo de doação que deveria ser enviado pelo FNDE. “Temos as chaves, mas não o documento que prova que o município é o proprietário”, explica Edmar Oliveira, coordenador municipal de transportes. Santarém e Aveiro, no Pará, já receberam as lanchas e se organizam para operá-las, enquanto Abaetetuba, beneficiada com duas embarcações, recebeu apenas uma e espera que a outra seja entregue até a próxima semana.
O FNDE diz que tomou conhecimento dos problemas pela reportagem do Valor e promete ajudar os municípios a resolver a situação. “As notas fiscais e todos os termos de doação, que dão ao município o título de propriedade do produto, foram enviados”, argumenta José Maria Rodrigues, coordenador de transporte escolar do FNDE.
Para as próximas doações, o órgão pretende emitir um documento que explica passo a passo o procedimento a ser adotado pelos municípios. O comandante César Leal Ferreira, chefe do departamento industrial da Marinha na base de Val-de-Cães, em Belém, onde a maioria das lanchas são fabricadas, disse que iria estudar a possibilidade de, além da doação, licitar serviços de transportadoras para entregar as embarcações diretamente às prefeituras beneficiadas, o que poderia aumentar o custo do projeto.
Diante do problema, Odilon Leite Andrade Neto, capitão dos portos da Amazônia Ocidental, em Manaus, explicou que a liberação das embarcações segue leis e normas de segurança e de trânsito aquaviário e que as lanchas estão prontas para serem retiradas, mas é preciso da documentação do FNDE para que se faça a transferência de propriedade. Ele insistiu que as prefeituras não apresentaram documentos completos.
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