A pequena agricultura, de inspiração solidária e cooperativa, é o único caminho para garantir a soberania alimentar na América Latina, disseram especialistas e líderes camponeses e indígenas reunidos em Assunção. Enquanto a segurança alimentar se refere à disponibilidade suficiente de alimentos, a soberania alimentar – conceito introduzido por movimentos camponeses – ressalta a forma de produção desses alimentos e o poder de cada país em determinar suas
políticas agrícolas para garantir o desenvolvimento e o acesso de sua população à alimentação.
A reportagem é de Natalia Ruiz Díaz, da IPS, e publicada pela Agência Envolverde, 16-08-2010
Em uma das jornadas do IV Fórum Social das Américas, realizado entre os dias 11 e 15, na capital paraguaia, a atenção centrou-se no painel “Soberania alimentar, lutas pelo território e reforma agrária”, com participação de representantes deste país, do Brasil, Equador, Guatemala e Cuba. A análise proposta insistia em que a produção nas mãos dos camponeses assegura uma soberania alimentar saudável e sustentável, atendendo a disputa entre o modelo agroecológico e o agroindustrial.
Dolores Sales, da Coordenadoria Nacional Indígena e Camponesa da Guatemala, defendeu que a luta pela defesa da terra se instale como tema prioritário na agenda continental. “Esta deve ser uma luta de todos e de todas, além dos discursos”, disse Dolores. Muitas comunidades indígenas estão ameaçadas pelo avanço das monoculturas, colocando em risco o sustento humano, afirmou.
Para Roberto Baggio, dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Brasil, a reforma agrária, a soberania alimentar e a agroecologia são elementos que compõem a base de um projeto de agricultura popular e soberana. Para sustentar este processo é preciso a democratização do acesso à propriedade e à produção e o desenvolvimento de uma economia sustentável, solidária e cooperativa, disse.
“Quando falamos de reforma agrária, falamos em democratizar o acesso à propriedade, com leis que permitam as ações, porque não basta um bom programa se não há ações concretas”, disse Roberto. Outro ponto que destacou foi a importância da agroecologia, para gerar alimentos de forma autônoma e saudável, sem uso de fertilizantes ou pesticidas tóxicos.
O equatoriano Luis Andrango, presidente da Confederação Nacional de Organizações Camponesas, Indígenas e Negras, afirmou que, apesar das reformas agrárias tentadas em seu país em 1964 e 1973, nas últimas décadas apenas o modelo agroexportador recebeu apoio e o resultado foi a alta concentração da propriedade da terra. Das terras cultiváveis, 75% estão destinadas a cinco itens de exportação, disse, “que, supostamente, foram fonte de trabalho, mas só o que deixaram foram maiores níveis de concentração, de contaminação e de exploração no campo”.
Por outro lado, a pequena agricultura camponesa continua tendo papel protagonista nos produtos de maior consumo no mercado nacional, pois abastece 42% da demanda de leite, 64% da de batata, 46% da de milho e 48% da de arroz. Segundo o Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola, 80% dos alimentos consumidos no mundo em desenvolvimento são fornecidos pelos pequenos agricultores.
No entanto, o modelo agroexportador converteu os camponeses latino-americanos em assalariados agrícolas dependentes, explorados em condições irregulares e com baixa renda, disse Luis. “Continuam nos enganando, mas a realidade é outra, vão substituindo a mão-de-obra camponesa por máquinas”, disse, lembrando o caso do Chile, onde 60% da produção de frutas está nas mãos de três empresas multinacionais. Em sua opinião, é urgente uma reforma que não implique apenas a redistribuição da terra, mas também de outros elementos que foram privatizados, como sementes, água, créditos e seguros de produção.
O sociólogo e professor paraguaio Tomás Palau pediu que conste do debate político o problema da alimentação e a reforma agrária. A questão da insegurança alimentar é de perda de soberania territorial e cultural, afirmou. No Paraguai, 20% das terras estão em mãos estrangeiras para diferentes fins, um deles o grande agronegócio.
O Fórum Social das Américas faz parte das atividades regionais do Fórum Social Mundial, o maior encontro de organizações e movimentos contrários à globalização capitalista.
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