Adital – Além dos esforços de governos e movimentos sociais para combater e prevenir o tráfico de seres humanos, considerado a escravidão dos tempos modernos, estudiosos e pesquisadores, também têm se interessado em pesquisar sobre o assunto.Um exemplo é o da advogada Thalita Carneiro Ary, defensora dos Direitos Humanos, que resolveu investigar sobre a evolução e a realidade deste crime incorporado ao cenário internacional, em sua pesquisa de mestrado, para o Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais, da Universidade de Brasília (UnB), intitulada de “O Tráfico de pessoas em três dimensões: evolução, globalização e a rota Brasil-Europa”.
Uma das conclusões da pesquisadora é que “o crime do tráfico de pessoas se apresenta como parte de um contexto no qual a globalização propicia e facilita a ação da criminalidade transnacional, transformando-o num assunto de extrema relevância para a comunidade internacional”. Confira a entrevista.
Adital – Por que você resolveu dedicar um trabalho acadêmico ao tema do tráfico de seres humanos?
Thalita Ary – Eu sempre gostei da temática dos Direitos Humanos, tendo me dedicado a desenvolver projetos científicos nessa área durante a faculdade, além de ter estagiado na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Como minha trajetória acadêmica sempre abordou esse assunto, resolvi seguir a mesma linha no Mestrado. Escolhi o Tráfico de Seres Humanos porque, além da atualidade do tema, é uma questão que afeta diretamente minha cidade, Fortaleza (CE), e já tinha conhecido pessoas que trabalhavam e pesquisavam sobre a matéria.
Adital – Em sua pesquisa, você faz uma análise entre os anos 1990 e 2008. Quais documentos e fontes serviram de base para o trabalho?
Thalita Ary – As fontes primárias utilizadas foram os relatórios do Ministério da Justiça, dados fornecidos diretamente pela Polícia Federal, inquéritos e processos policiais; além de relatórios das Nações Unidas e UNODC; e dados obtidos nos sítios eletrônicos dos órgãos da União Europeia. Ademais, a pesquisa bibliográfica, através de livros e artigos científicos, foi vastamente utilizada.
Adital – Em seu trabalho você afirma que a globalização seria a grande facilitadora do tráfico de pessoas. De que forma a globalização pode ter impulsionado a ocorrência deste crime?
Thalita Ary – O processo conhecido como globalização modificou alguns parâmetros relativos à mobilidade de pessoas entre as fronteiras dos países. A livre circulação de capitais e mercadorias também foi acompanhada pela maior liberdade na circulação de pessoas. Com isso, a ação de grupos organizados transnacionais acabou sendo facilitada, uma vez que passou a ser mais simples a execução do segundo estágio do crime: o transporte das vítimas para sua posterior exploração.
Adital – A globalização não poderia ter alertado e tornado mais visível a ocorrência deste crime, ao invés de simplesmente ter estimulado a sua prática?
Thalita Ary – A globalização é um fenômeno que transformou uma realidade anterior e que foi propiciado pelos avanços tecnológicos advindos da Terceira Revolução Industrial. Nesse sentido, não se pode falar em globalização alertando a ocorrência de certos crimes que vieram a se tornar mais visíveis por conta dela.
O que acontece atualmente é um movimento que se desenvolve na contramão dessa plena liberalização das fronteiras a partir do recrudescimento de medidas migratórias, principalmente por parte de Estados Unidos e União Européia. Portanto, a resposta para se combater tanto o crime da migração ilegal quanto do tráfico de pessoas tem sido políticas de migração restritivas, o que, em minha opinião, não é a melhor solução para se enfrentar o problema.
Adital – De acordo com seu estudo, o número de inquéritos policiais para investigar o tráfico de pessoas era de apenas 1 em 1990, ultrapassando os 100 a partir de 2005. A que se deve esse crescimento no número de inquéritos sobre o tráfico humano?
Thalita Ary – Pelo fato de o Brasil figurar na desonrosa lista de um dos principais países de origem para as vítimas do tráfico de pessoas, as Nações Unidas firmaram parceria estratégica com o governo brasileiro para tratar da questão em três esferas: a repressiva, preventiva e de assistência às vítimas. Esse projeto foi a base para a política brasileira de combate ao tráfico de pessoas. Portanto, o aumento de inquéritos e o importante trabalho do Ministério Público, na seara repressiva do tráfico de seres humanos, se deve tanto à notoriedade do tema em âmbito internacional quanto aos esforços mencionados no cenário interno.
Adital – Você também compara a quantidade de inquéritos entre estados brasileiros, como Goiás e Ceará, e diz que a análise por estado aponta para uma forte desigualdade que é atribuída a fatores locais. Quais seriam estes fatores locais?
Thalita Ary – Apontar as razões pelas quais tais Estados são os principais pontos de origem das vítimas do tráfico perpassa razões atinentes apenas à desigualdade social. Quanto à Fortaleza, um importante fator impulsionador do crime é a proximidade ao continente europeu, principal destino das vítimas brasileiras. O que tem sido feito no cerne do Plano Brasileiro de Combate ao Tráfico de Pessoas é a criação de centros regionais, para que os objetivos contidos no plano sejam descentralizados e atinjam os Estados que apresentam os números mais alarmantes. A tendência é que esses centros venham a ser criados em todos os Estados da federação, pois colocaria em prática a vertente preventiva até mesmo nas localidades onde não exista a ocorrência do referido crime.
* Jornalista da Adital
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