Thais Iervolino
Na semana passada, índios de diversas etnias protestaram contra a construção da Pequena Central Hidrelétrica de Dardanelos, que já está sendo construída no rio Aripuanã, noroeste no Mato Grosso. Para aprofundar o tema e saber um pouco mais sobre o projeto da usina e seu processo de licenciamento, o Amazonia.org.br fez uma entrevista exclusiva com Telma Monteiro, coordenadora Energia e Infra-Estrutura Amazônia da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé.
De acordo com Telma, que acompanhou de perto o licenciamento da usina, bem como analisou os estudos relacionados ao projeto, a usina de Dardanelos e a de Belo Monte possuem muitas características semelhantes. “O projeto de Dardanelos tem as mesmas características que o de Belo Monte, com uma escala diferente. Eles são similares no sentido do desvio da vazão da água do rio por meio de canais”, diz. Veja a entrevista na íntegra.
Amazonia.org.br – Na semana passada, indígenas ocuparam o local onde está sendo construída a usina hidrelétrica de Dardanelos, no rio Aripuanã (MT), para protestar contra as obras da hidrelétrica. Qual o motivo do conflito?
Telma Monteiro – A região já é, ao longo do tempo, palco de muitos conflitos com os indígenas. A usina de Dardanelos está sendo construída no rio Aripuanã, cujo município possui o mesmo nome e se localiza no noroeste do Mato Grosso.
O município foi criado em 1944, mas por causa do difícil acesso, ele acabou sendo administrado em Cuiabá. Só em 1966 criou-se a sede do município no local atual, na margem direita do rio, justamente à frente de dois maravilhosos saltos: o Salto de Andorinhas e o de Dardanelos. São dois dos mais belos do Brasil.
Cerca de 30% de seu território é ocupado por duas terras indígenas (TIs): a TI Aripuanã e a TI Arara Rio Branco, já demarcadas e atualmente ocupadas por 475 índios das etnias Cinta-larga e Arara.
A pouca quantidade de indígenas nessa área é devida aos muitos conflitos existentes ao longo do tempo que resultaram na morte de índios, por questões de disputa de terras, garimpo, a redução do parque indígena em 1974, entre outros motivos.
Os conflitos eram tantos na região – rica em madeira, minérios e destino de muitos migrantes, que chegavam ao local via um programa de colonização agrícola promovido pelo governo da época – que em 1968 o município foi declarado como de Segurança Nacional.
Com a construção da usina, houve alguns problemas: o rio e as cachoeiras ficaram turvos, os peixes desapareceram, as compensações não são suficientes para mitigar todos os estragos ambientais que estão acontecendo e a cicatriz é terrível naquele lugar maravilhoso.
Com esse contexto, aliado aos impactos trazidos pela hidrelétrica, chega-se à conclusão que com as obras, com os desvios e com os problemas todos que estão acontecendo, os índios começaram a sentir os impactos.
Amazonia.org.br – Como é o projeto da usina de Dardanelos?
Telma – O projeto [de construção da usina] data de 2004. Em 2005, a Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica] aprova os estudos de viabilidade, desenvolvidos pela Eletronorte e Odebrecht, e o projeto foi levado para a Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Mato Grosso a fim de se fazer o licenciamento.
O EIA-Rima [Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental] foi inclusive contestado pelo Ministério Público Federal (MPF) e do Estadual (MPE) com duas ações civis públicas contra o licenciamento. Apesar disso, os responsáveis pelo projeto conseguiram convencer as autoridades do município que a obra geraria desenvolvimento em Aripuanã, com melhor infraestrutura e maior oferta de emprego.
Porém, esqueceram de contar [para as autoridades e a população] o drama do rio Aripuanã, que nas cheias possui uma vazão alta e uma vazão muito baixa na seca.
As cheias do rio Aripuanã podem chegar a mais de 2 mil m³ por segundo e as secas chegam a cerca de 18 m³/s. A alta diferença de vazão do rio com a usina instalada vai decretar o fim das cachoeiras. Durante sete meses do ano eles vão reduzir a vazão do rio para as cachoeiras de 30m³/s para 6m³ por segundo.
O projeto de Dardanelos possui as mesmas características que o de Belo Monte, com uma escala diferente. Ele é uma cópia de Belo Monte. A única diferença é que a escala de Dardanelos é muito menor. Estamos falando em 261 MW de capacidade instalada, com cinco máquinas geradoras e 127 MW que eles dizem serem energia firmes, mas que podem não ser nem 127.
Em Dardanelos foi projetado um canal que desvia a água da montante das cachoeiras, de aproximadamente 2 mil metros de canal e que deságua depois dessas quedas d’água, que vão desaparecer. É um projeto tecnicamente ultrapassado. É uma concepção tecnicamente ultrapassada e, além disso, o custo da energia será muito mais alto e, claro, não há viabilidade econômica.
Amazonia.org.br – Como foi o processo de diálogo com a sociedade e os povos indígenas para a aprovação da obra?
Telma – Foi mais ou menos o que ocorreu com as audiências públicas de outros projetos hidrelétricos, como o de Belo Monte. A diferença é que as pessoas na época não tinham tanta informação, os projetos não eram tão divulgados na mídia.
As pessoas foram novamente enganadas por todo esse aparato dos empreendedores. As duas terras indígenas estão conceituadas como áreas de influência indireta, ou seja, não foi necessária a consulta.
No EIA, percebe-se que a área de influência direta é mínima, apenas condiz com o local exato das instalações, de 3 quilômetros. Mais uma vez temos os estudos ambientais que não revelam exatamente a extensão dos impactos, que consideram terras indígenas e duas Unidades de Conservação (UCs) como áreas de influência indireta.
Amazonia.org.br – Além de não considerar efetivamente a extensão exata dos impactos, houve alguma outra irregularidade e/ou ineficiência no EIA-Rima?
Telma – Uma irregularidade importante é que não foi feita o licenciamento das linhas de transmissão.
A declaração de reserva da disponibilidade hídrica da Agência Nacional de Águas (ANA) foi desconsiderada. Eles [os responsáveis pelo projeto] fizeram outra declaração, não levaram em consideração a declaração da agência.
Além de não observarem as normas ambientais. O EIA-Rima, por exemplo, não questionou todos os aspectos, efeitos e impactos do empreendimento.
Amazonia.org.br – Quais foram os processos na Justiça contra a obra?
Telma – Uma ação foi ajuizada em dezembro de 2005 para impedir que fosse feito o leilão. A liminar foi concedida e o projeto acabou não entrando no leilão naquele ano.
A outra ação, baseada inclusive no despacho da liminar concedida em 2005, foi ajuizada em outubro de 2006 para impedir que o projeto fosse a leilão. Mas, infelizmente, o projeto acabou sendo leiloado.
Além disso, há duas ações civis que ainda tramitam na Justiça, uma desde 2005 e outra desde 2006, e pedem a anulação do projeto e a paralisação das obras por causa das irregularidades, por conta da falta do licenciamento das linhas de transmissão, inclusive os custos dessa linha foi desconsiderado.
Amazonia.org.br – Você compara Dardanelos a Belo Monte…
Telma – Em Belo Monte, projetou-se um reservatório que possui dois canais de adução que chegam para o chamado reservatório dos canais, que alimenta a casa de força principal. Isso significa que eles estão desviando uma parte da vazão do rio Xingu, da Volta Grande do Xingu, que vai sofrer com isso. São 100 km de impactos com a vazão que eles querem reduzida.
Em Dardanelos é a mesma coisa. O projeto também possui um canal para desviar uma parte da vazão do rio Aripuanã para alimentar a caixa de força. Os projetos são similares no sentido do desvio da vazão da água do rio por meio de canais. Dois canais no caso do Xingu e um canal no Aripuanã.
No caso do Aripuanã, as duas cachoeiras sofrerão com a redução da vazão. Podem ser até extintas. No caso do Xingu, a Volta Grande do Xingu, a região dos Pedrais, também vai sofrer com a falta da vazão que foi desviada.
São dois projetos malucos no meio da Amazônia para desvio de rios para a geração de energia, com consequências inimagináveis para a biodiversidade, para o ecossistema, a população.
http://www.amazonia.org.br/noticias/noticia.cfm?id=362484