O Ministério Público Federal (MPF) em Rondônia recorreu da decisão da Justiça Federal de Rondônia em ação que trata da coleta não autorizada de sangue dos índios Karitiana. A ação teve início em outubro de 2002 e pedia a condenação de Hilton Pereira da Silva e Denise da Silva Hallak ao pagamento de indenização, por dano moral, à comunidade indígena Karitiana, no valor de quinhentos mil reais, além de obrigá-los a não usar o material biológico (sangue) retirado daquela comunidade indígena.
Na ação, o MPF argumentou que os réus coletaram sangue e dados antropométricos (medidas corporais) dos índios Karitiana em desacordo com as normas legais do Brasil. Para obter o material biológico, eles prometiam a realização de exames e fornecimento de medicamentos aos indígenas. No julgamento, a Justiça Federal entendeu que a retirada do sangue dos índios se deu no exercício regular da profissão do médico Hilton Pereira da Silva e em situações de emergência, afastando a hipótese de biopirataria e comercialização na internet do patrimônio genético Karitiana. Assim, o pedido de indenização à comunidade indígena foi negado.
Pedigree
Ao recorrer desta decisão, o MPF argumenta que o médico Hilton Pereira da Silva, em seu depoimento, “confirma que dentre seus propósitos estava a realização de testes genéticos e bioquímicos, bem como a possibilidade de pesquisa com o material biológico colhido”. O órgão menciona ainda que, segundo reportagens de veículos de comunicação, os povos indígenas da Amazônia são ideais para certos tipos de pesquisa genética, porque são populações isoladas e extremamente fechadas, permitindo aos geneticistas a construção de um ‘pedigree’ mais completo e rastreamento de transmissão de uma doença por gerações.
O MPF contesta em seu recurso a informação prestada pelo médico de que as coletas de sangue se deram em situações de emergência. Sobre este ponto, o MPF questiona se “por acaso toda a comunidade indígena necessitava de atendimento de emergência?”. Outro aspecto do caso é que o médico congelou e levou o sangue dos indígenas ao Laboratório de Genética Humana e Médica da Universidade Federal do Pará, para armazenamento. O congelamento do sangue destrói as células sanguíneas e impede a realização da maioria dos exames bioquímicos, mas não impede a realização de exames com base nas análises do DNA. O MPF argumenta que esta informação é de amplo conhecimento dos profissionais da área de saúde.
Mapinguari
O MPF também relembra que Hilton Pereira da Silva e Denise da Silva Hallak passaram-se por assistentes de uma equipe de televisão inglesa que faria filmagens na aldeia sobre o animal mítico da cultura indígena conhecido por Mapinguari, omitiram suas qualificações profissionais e portavam, na ocasião, material especializado para coleta de sangue humano e em quantidade suficiente para coletar sangue de todos os indígenas.
Da coleta realizada, cerca de 54 frascos de sangue que estavam depositados na Universidade Federal do Pará foram remetidos a Porto Velho, mas o MPF ressalta haver informações no processo de que o total coletado abrangia quantidade maior, variando entre 120 a 160 frascos.
O MPF também contesta que Hilton Pereira da Silva agiu em legítimo exercício da profissão, “dispensando conhecimentos médicos em benefício dos índios” porque não houve atendimento médico clínico, fornecimento de medicamentos ou realização de exames clínicos com o sangue coletado. O órgão esclarece também que, segundo as normas existentes no Brasil, os índios deveriam ser informados sobre o que seria feito com o sangue coletado e terem consentido expressamente em participar de qualquer tipo de pesquisa, seja genética ou de outro tipo. Além disto, os pesquisadores necessitariam de autorização específica da Funai e de aprovação do Comitê de Ética Médica do Conselho Nacional de Saúde.
Com estes argumentos, o MPF pede que a decisão da Justiça Federal de Rondônia seja reformada e que os réus sejam condenados ao pagamento de indenização por danos morais à comunidade indígena Karitiana.
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