Reportagem especial de Andreh Jonathas – “A Disputa por Terra no Ceará” – 6

O doutor em educação indígena, Babi Fonteles, explica o que é a identidade indígena, as relações com a vida material e a necessidade de acesso à políticas públicas

O doutor em educação indígena pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Babi Fonteles, falou sobre a identidade indígena. Ele explica que as relações dessas comunidades passam, necessariamente, pela terra.

“A ligação do índio com a terra é a que foi sempre. A identidade, o modo como ele se percebe no mundo, o que ele diz que é como pessoa no mundo passa pela terra. Ou seja, a terra é a mediação fundamental no processo de constituição da identidade do índio, seja como pessoa, seja como coletividade”, comenta.

Fonteles diz que não se trata somente da questão produtiva, das condições de sobrevivência material. “É o aspecto simbólico, espiritual, que diz respeito às suas práticas de medicina, suas relações de gênero, de faixa etária, tudo isso está mediado pela terra”, defende. (Andreh Jonathas)

O POVO – O que é ser índio?

Babi Fonteles – A identidade social e individual é sempre uma possibilidade circunstancial. Se hoje fosse decretado no Brasil uma perseguição a quem é jornalista, a primeira coisa que você faria seria se esconder, seria negar sua identidade de jornalista, porque você saberia que se afirmar jornalista seria correr risco de vida e provavelmente você não quisesse morrer. Talvez um ou outro se tornasse herói. Políticas públicas, inclusive dispositivos legais, obrigaram a esses povos a negarem sua identidade. Hoje, há uma circunstância favorável para que esses povos retornem à cena social. Isso aconteceu em 1988, com a primeira Constituição que reconhece o direito de ser índio. Nesse contexto, esses povos vão poder se afirmar índios e vão poder reelaborar suas identidades, recuperar elementos.

O POVO – Mas o conceito de índio mudou, não é?

Babi Fonteles – Esses índios vivem hoje. Querer que eles funcionem como se estivessem no ano de 1.500 é falta de compreensão nossa. Para que eles possam ter um diálogo mais simétrico com a sociedade, têm que dominar algumas ferramentas que não eram tradicionais da cultura deles, como a leitura e a escrita. Isso não significa que o índio se civilizou, no sentido de que ele deixou sua identidade. Agora, ele incorpora outros elementos de outras identidades. Você gostar de coca-cola? Você come hambúrguer? Você fala inglês? O senhor é americano? Não! O que existe é uma mentalidade conservadora, arcaica e pouco informada desse processo.

O POVO – Há quem se aproveite das lutas indígenas para conseguir terra?

Babi Fonteles – Individualmente, ninguém que se afirme sozinho ser índio tem qualquer credibilidade sem que esse reconhecimento passe por uma comunidade. A identidade indígena, se ela tem, e tem de fato, uma autoafirmação é respaldada por uma autoafirmação coletiva, comunitária. Essa identidade é testada, é checada, se aquela pessoa que se afirma de fato com o que naquele momento se considera ser índio, sobretudo hoje, está engajado na luta indígena. Não existe essa possibilidade.

O POVO – Como o senhor avalia a atuação da Funai no Ceará?

Babi Fonteles – A atuação da Funai no Ceará é igual a do resto do Brasil. É uma atuação de um lado, para os povos indígenas, importante; do outro lado, historicamente, a Funai, tem tido limites nessa atuação. Tem sido objeto de interesse de poderosos, tem sido tímida, e também não tem sido dado a Funai todas as condições ideais que pelo menos os povos indígenas queriam que ela tivesse. Muitas vezes o limite de atuação da Funai é relativo ao investimento que o Estado tem feito nesse órgão. Diante de tantos interesses que circundam o Estado, muitas vezes alguns órgãos comprometidos, ou que deveriam ser comprometidos, em representar os povos indígenas não fazem isso a contento. É o caso da Funai no Ceará.

O POVO – Quais as principais dificuldades para a demarcação das terras indígenas no Ceará?

Babi Fonteles – A principal é que, no Estado, falta uma política pública realmente comprometida com a causa da demarcação das terras indígenas. Por outro lado, historicamente, o Estado brasileiro tem sido objeto de disputa de interesses, muitas vezes, poderosos, de certas elites econômicas e políticas. Isso também ajuda a entender o porque da situação do Ceará estar assim, se você entender que quem está na gestão do Estado, muitas vezes tem estado comprometido com interesses que não são interesses dos povos indígenas.

http://opovo.uol.com.br/app/o-povo/economia/2010/06/19/Internaeconomia,2011894/autoafirmacao-coletiva.shtml

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.