“Temos esse direito; mas é um direito que não temos o direito de exercer” – Shakespeare
A interpretação jurídica deve ser totalizante. As partes e o todo interagem dialeticamente1. O juiz brasileiro deve enxergar o litígio que se lhe é apresentado, como algo inserto num País cheio de contradições sociais: visualizar a parte (o caso concreto), sem se esquecer do todo (as iníquas relações de distribuição de poder), e ver o todo, sem abandonar a parte.
Esse modo marxista de analisar os conflitos jurídicos adapta-se a uma visão pós-moderna, por intermédio da qual pensar o direito significa pensar a crise de eficácia do Direito, principalmente no tocante à não concretização dos direitos fundamentais da maior parte da população brasileira2.
Como, porém, adaptar-se esse modelo teórico à prática, no seio dos conflitos agrários que chegam ao colo dos juízes?3
O integrante do Judiciário brasileiro deve ter em mente que, neste País, prevalece o agronegócio – um modelo baseado numa modernização conservadora, em que se ajuntam o grande capital e o latifúndio, sem a superação da herança agrária estruturada no século XIX. É a modernização técnica, sem reformas, sob o patrocínio fiscal e patrimonial do Estado – o que gera maior concentração de riqueza fundiária, destruição do meio ambiente, expulsão dos trabalhadores no campo e intensificação do desemprego. Em 2003, as grandes propriedades, que representavam 1,6% dos imóveis (69.123), ocupavam 43,7% (183.463.319 ha), ao passo que as pequenas propriedades, que representavam 85,2% dos imóveis (3.611.429), ocupavam apenas 20,1% da área4. (mais…)