Aldrey Riechel
Apesar de sua data ainda não estar confirmada, o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade do Decreto que regulamenta a titulação de terras quilombolas preocupa organizações sociais e movimentos quilombolas. Caso o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha o parecer favorável à ADIN, novas demarcações de territórios de remanescentes de quilombos estariam praticamente inviabilizados.
Fernando Prioste, assessor jurídico da organização Terra de Direitos, afirma que caso a ação seja aprovada “as comunidades vão ficar sem o marco legal para que o Estado possa fazer o trabalho que lhe é dado de titulação das comunidades”, além disso, “dependendo do efeito do julgamento, se declarado a inconstitucionalidade é que mesmo os territórios já titulados hoje, e ainda que sejam poucos, também podem ser anulados”.
Para tentar reverter a situação, diversas organizações divulgaram no dia 21 uma carta pedindo a realização de audiências públicas, antes da votação. “Só quem não quer esse debate, as audiências públicas, são aqueles que se opõem a titulação do decreto, que são: CNA (Confederação Nacional da Agricultura), CNI (Confederação Nacional da Indústria), o partido Democratas, entre outros que estão lá e, inclusive, o Estado de Santa Catarina.”, explica Prioste. Confira a entrevista:
Amazônia.org.br – O que essa Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) significa para os quilombolas, principalmente para os que ainda não tiveram suas terras reconhecidas?
Fernando Prioste – A Adin, proposta pelo partido PFL, atual Democratas tem como objetivo declarar a inconstitucionalidade do Decreto Federal, que regula a atuação do Estado, no caso a União Federal nos procedimentos de titulação dos territórios quilombolas, para fazer aplicar o artigo 68 do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) da Constituição Federal.
O primeiro efeito negativo do julgamento dessa ação, se declarado a inconstitucionalidade é que as comunidades vão ficar sem o marco legal para que o Estado possa fazer o trabalho que lhe é dado de titulação das comunidades. O segundo problema, dependendo do efeito do julgamento, se declarado a inconstitucionalidade, é que mesmo os territórios já titulados hoje, e ainda que sejam poucos, também podem ser anulados. Um terceiro efeito negativo, e isso vai depender muito do que o Supremo vai dizer, são as interpretações que eles podem dar para o conceito de comunidade remanescente de quilombo. Por exemplo, o Partido Democratas diz que as comunidades quilombolas têm direito às terras que eles estivessem ocupando desde 1888 até 1988, dada da constituição federal e só terras que estivessem mesmo sob posse direta deles. Isso praticamente acabaria com a possibilidade de titulação de terras quilombolas no Brasil.
O que a gente defende, que é uma interpretação mais sistemática da constituição federal, é que as comunidades quilombolas tenham direito a titulação de territórios que sirvam para reproduzir o seu modo cultural, o seu modo de vida, questões de trabalhos, sociais, de lazer e de tudo que seja necessário para reproduzir a continuidade das comunidades quilombolas no Brasil.
Esses são três aspectos importantes do julgamento da Adin, caso ela seja o decreto seja declarado inconstitucional.
Amazônia.org.br – Vocês assinaram uma carta solicitando a realização de audiências públicas. Acredita que a realização de Audiências Públicas irá favorecer os movimentos sociais e os quilombolas nesta votação do STF?
Prioste – Na ação direta de inconstitucionalidade, isso em todas e não só nessa, há possibilidade de ser realizar audiências públicas para debater o tema que está sobre julgamento. As audiências públicas têm como principal objetivo discutir com a sociedade, o que a sociedade, o que as universidades, os setores produtivos e os movimentos sociais, pensam sobre alguns temas. A gente acha que esse é um tema importante para se fazer audiências públicas, porque até hoje o Supremo só julgou um caso relacionado ao decreto 4887, e não há um debate muito forte no Supremo sobre esse tema, por isso a importância da audiência pública.
E a audiência pública foi requerida para ser realizada nessa Adin por todos, pela Advocacia Geral da União (AGU), pelo Estado do Paraná, pelo Estado do Pará e por todos os outros amicus curiae, que são os amigos da corte, que também entram no processo e que defendem a titulação dos territórios quilombolas e a manutenção do decreto.
Só quem não quer esse debate, as audiências públicas, são aqueles que se opõem a titulação do decreto, que são: CNA (Confederação Nacional da Agricultura), CNI (Confederação Nacional da Indústria), o partido Democratas, entre outros que estão lá e, inclusive, o Estado de Santa Catarina.
Amazônia.org.br – Qual a expectativa com relação a votação? Existem possibilidades de que a ADIN inviabilize o decreto?
Prioste – O relator da ação é o ministro César Peluzo, que assumiu no mês passado a presidência do Supremo Tribunal. A gente não tem uma data certa, porque o Supremo ainda não indicou, mas sabemos que essa votação vai ocorrer logo. E é muito difícil conseguirmos prever o que vai ser votado, o que pensam os ministros, embora a gente já tenha conversado com alguns que se posicionaram de maneira a querer conhecer o tema, inclusive favoráveis as audiências públicas, que é o caso da ministra Carmen Lúcia e o ministro Ayres Britto.
Amazônia.org.br – A organização Terra de Direitos atua na promoção e defesa dos direitos humanos, nesse caso, vocês entendem a ADIN como uma ameaça aos direitos fundamentais?
Prioste – Eu não diria que a ação em si, mas dos efeitos que ela pode redundar sim. O que a gente vê, por exemplo, é que está ocorrendo uma judicialização de questões que deveriam ser discutidas ou no Congresso ou no âmbito do poder executivo.
O que o Democratas quer é tentar, por meio do Judiciário, inviabilizar a política pública de titulação de território quilombola. Porque antes desse decreto do Lula, havia um decreto do Luiz Fernando Henrique que regulamentava a mesma matéria: como o Estado deve proceder para fazer a titulação.
Aquele decreto do Fernando Henrique era muito complicado para as comunidades quilombolas e quase não se executou. Quando essa norma ainda estava vigente o Democratas não ajuizou a ação. Quando veio um decreto um pouco melhor, o partido Democratas ajuíza a ação. O que nos deixa nítida a impressão de que eles não são contra, na verdade, a forma de regulamentação da matéria via decretos. Eles são contra a política pública que possa favorecer um pouco as comunidades quilombolas.
ADIN
A titulação de terras quilombolas, atualmente, obedece ao Decreto 4887, de 2003, que foi considerada por antropólogos, juristas e especialistas como um avanço para o reconhecimento e valorização das comunidades remanescentes de quilombolas. A ADIN foi impetrada em 2004 pelo Partido da Frente Liberal (PFL, atual Democratas).
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