Dentre outras, nossa principal preocupação com esta situação é em relação à Comunidade Quilombola de Mangueiras. O Núcleo de Estudos Sobre Quilombos e Populações Tradicionais da Universidade Federal de Minas Gerais (NuQ/UFMG) já fez o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) para compor o processo de regularização territorial da comunidade em curso na Superintendência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) de Minas Gerais, mas em todas as manifestações tanto da Prefeitura Municipal quanto da mídia não se vê nenhuma problematização a este respeito. Na matéria a seguir, por exemplo, os repórteres citam, de passagem, a existência da comunidade. Mas, como a mesma ficará frente a tudo que está sendo planejado para a região, tratada como um “vazio a ser preenchido” e como “última fronteira de expansão urbana dentro dos limites de Belo Horizonte”? Segue a matéria.
Conhecida como região do isidoro, área preservada de 10 quilômetros quadrados, maior que o perímetro da avenida do contorno, deve ser transformada em novo polo de expansão da cidade e pode ganhar população superior à de Uberaba
Flávia Ayer e Gustavo Werneck
Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press
A última fronteira verde de Belo Horizonte está prestes a perder um pouco de sua cor e ganhar toneladas de concreto. Cortada pelo Ribeirão Isidoro, integrante da Bacia do Rio das Velhas, a imensidão de mata na Região Norte da capital deve receber em breve 300 mil habitantes. Para efeitos comparativos, o contingente supera a população de Uberaba, no Triângulo. A Prefeitura de BH pretende transformar o território, conhecido como Isidoro, derradeira grande área não ocupada da cidade, na 10ª regional de BH, abrindo as portas para a construção de 72 mil apartamentos, shopping center, hipermercado, escolas, postos de saúde, entre outras estruturas. A proposta altera padrões de urbanização de 10 quilômetros quadrados, dimensão superior à da Avenida do Contorno, que tem 8,9. Também mexe no berço onde tributários límpidos do Velhas e da Bacia do Rio São Francisco repousam, em meio à selva de pedra chamada BH. Amanhã, às 9h, o Conselho Municipal de Políticas Urbanas (Compur) fará a primeira avaliação dos estudos de planejamento urbano da Região do Isidoro. Depois dessa etapa, o projeto ainda será encaminhado à apreciação da Câmara Municipal. Aberta ao público, a reunião será na sede da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, na Avenida Afonso Pena, 4.000.
Formado por propriedades particulares, por muito tempo o cinturão verde na divisa com o município de Santa Luzia ficou à mercê da ocupação irregular, sem qualquer intervenção do poder público. A implantação da Cidade Administrativa Presidente Tancredo Neves, a construção da Linha Verde, além da transformação do aeroporto de Confins em terminal industrial mudaram o perfil da região. De vazio circundado por bairros populares, como Ribeiro de Abreu, Tupi-Mirante e Zilah Spósito, sempre sob ameaça iminente de degradação ambiental, o Isidoro transformou-se em área cobiçada pelo mercado imobiliário. O motivo? A região está no Vetor Norte, novo eixo de desenvolvimento da região metropolitana.
A proposta da prefeitura leva em conta a nova realidade da área verde e põe toda a extensão sob o rótulo de operação urbana consorciada. Sob os termos de uma lei especial, o poder público coordenará, com a participação dos empreendedores, medidas para melhorar a infraestrutura, serviços básicos e a preservação ambiental. Em outras palavras, a prefeitura muda os parâmetros de ocupação: o Isidoro deixa de receber casas, em terrenos de até mil metros quadrados, para abrigar prédios em áreas de 5 mil metros quadrados. Já os proprietários se comprometem a dotar a área de infraestrutura e equipamentos públicos, num investimento total de R$ 1,07 bilhão.
O professor de planejamento urbano da Universidade Fumec, Maurity Sieiro, vê com entusiasmo o projeto. Segundo ele, a região é extremamente delicada por ser uma área particular e de grande importância ambiental. “Não tem jeito de a prefeitura transformar a área num grande parque, pois teria que desapropriar a terra e isso tem um custo elevado.” Mas o professor alerta que, sem a urbanização, há o risco de o Isidoro se transformar em uma grande favela. “É uma área muito suscetível a invasões, pois o Vetor Norte atrai população de baixa renda que não tem onde morar. O que a operação urbana faz é concentrar o coeficiente de aproveitamento (área construída em relação à área do terreno) nas áreas passíveis de parcelamento, já que a região é muito frágil do ponto de vista ambiental.”
Com as mudanças, a permissão para construir salta de 16,3 mil para 72 mil unidades habitacionais. Fala-se até no surgimento de um novo Belvedere III, em referência ao bairro da Região Centro-Sul que reúne edifícios de alto luxo. Os empreendedores serão obrigados a instalar 14 centros de saúde, 16 unidades de educação infantil, 21 escolas de ensino fundamental e oito do ensino médio, dois centros profissionalizantes, 17 terminais de ônibus, um de integração de transporte, dois auditórios, além da sede da administração regional, estrutura que atenderá uma população de 300 mil pessoas.
COPA 2014 Faz parte do acordo o empréstimo de 3 mil unidades habitacionais à prefeitura, durante a Copa do Mundo de 2014, para abrigar uma Vila Olímpica. Um décimo das construções também será destinado ao programa de habitação do governo federal Minha casa, minha vida. O sistema viário terá investimento de R$ 573 milhões, facilitando a circulação na região, cujos principais acessos são a Avenida Cristiano Machado e a MG-020. A Via 540, com 6,7 quilômetros, ligará os dois corredores viários. Já a Via Norte-Sul cortará a região, ligando a Via 540 aos bairros Jaqueline e Marize.
Outra condição é a implantação de dois parques. O Leste terá 2,3 milhões de metros quadrados, tornando-se o segundo maior de BH, atrás apenas do Parque das Mangabeiras, com 2,45 milhões de metros quadrados. Já o Oeste terá 500 mil metros quadrados, mais que o dobro da área do Parque Municipal. A proteção ambiental também está garantida em reservas particulares abertas ao público. O secretário municipal de Meio Ambiente, Ronaldo Vasconcellos, garante que nesse projeto não passará nada que não respeite o meio ambiente. “Sabemos que mais cedo ou mais tarde aquela área acabaria sendo ocupada. A solução menos traumática é a ocupação residencial com a proteção das áreas de preservação permanentes (APP) e a criação de parques.”, afirma.
Líder de governo na Câmara Municipal, o vereador Paulo Lamac (PT) espera convencer os vereadores da relevância do projeto. “Estamos tendo a oportunidade de planejar uma área grande em BH. A proposta mantém 44% da área totalmente preservada. A proposta possibilita que haja a verticalização das construções para aumentar a permeabilidade do terreno. Em vez de construir muitas casas, passa-se a construir menos prédios”, diz. Procuradas pelo Estado de Minas, as equipes das secretarias municipais de Políticas Urbanas e de Governo, que comandam o projeto, não comentaram o assunto.
Paraíso com Cidade por Todos os Lados
O lugar tem tudo para ser um belo mirante, não fosse o lixo espalhado e o cheiro de bichos mortos. Um dos pontos mais altos do Bairro Tupi, na Região Norte de Belo Horizonte, tem uma vista de quase 360 graus, permitindo enxergar parte de prédios da Cidade Administrativa Presidente Tancredo Neves, o trânsito frenético da Avenida Cristiano Machado e até o casario e as torres da igreja matriz do município vizinho de Santa Luzia. Mas o que domina mesmo a paisagem é a exuberância da Granja Werneck, com seus 400 hectares, área equivalente a 70% do perímetro da Avenida do Contorno, na capital. A região é propriedade das mais relevantes da Região do Isidoro, que está perto de se transformar na 10ª regional de BH.
No início do século passado, quando foi adquirida pelo médico Hugo Furquim Werneck (1878-1935), a gleba tinha 638 hectares. Portanto, bem maior do que o perímetro da Avenida do Contorno. Olhando a imensidão verde cortada pelo Ribeirão Isidoro, integrante da Bacia do Rio das Velhas, o engenheiro Fernando Vianna Werneck, um dos proprietários da Sociedade Anônima Granja Werneck, formada por herdeiros, ressalta que se trata de um terreno particular. “Não há qualquer restrição legal aqui, pois não configura área de preservação ambiental ou reserva, embora tenhamos todos os cuidados para manter intacto esse patrimônio natural, que é protegido há anos pela nossa família”, diz. Ele lembra que o espaço está cercado por bairros de grande densidade populacional. E afirma que o Bairro Solimões foi construído em parte desmembrada da Granja.
“Esta é a última área vazia, sem prédios, de Belo Horizonte e também das últimas com grande cobertura vegetal. A capital está totalmente construída, sobrando apenas 4% de áreas desocupadas. A Granja Werneck e demais regiões do Ribeirão Isidoro representam 90% dessas áreas que restam”, diz Fernando, com uma ponta de orgulho. Morador de um sítio na região, que abriga também o Recanto Nossa Senhora da Boa Viagem, para idosos, cujo prédio foi inaugurado em 1928, ele lembra que o terreno era um típico cerradão. “As árvores foram plantadas ao longo dos anos pelo meu avô Hugo e depois pelos filhos e netos”, explica.
MACACOS Conhecedor de cada palmo daquele chão, Fernando mostra, entre arbustos, o Córrego dos Macacos, considerado o último curso d’água limpo de BH. A urbanização anima o engenheiro, que, em outras épocas, nas décadas de 1980 e 1990, ao lado dos herdeiros, tentou levá-la adiante, sem sucesso. “A ideia atual é tão boa que a prefeitura se tornou nossa parceira, pois haverá equipamentos nas áreas de educação, meio ambiente e outros. O empreendimento será conduzido por nós, proprietários, em parceria com um consórcio formado por duas construtoras.” O investimento deverá ser dar ordem de R$ 2 bilhões só na área da Granja. De acordo com o projeto urbanístico, apenas 32% da Granja Werneck serão ocupados pelas construções, ficando 68% de área verde preservada, informa Fernando. Nesse terreno, serão 20 mil apartamentos de classe média a serem construído num prazo de 10 anos. De imediato, serão 2 mil unidades. (GW)
História Marcada Pelo Idealismo de um Médico
A história da Granja Werneck começou no início do século 20, quando o médico carioca Hugo Werneck veio do Rio de Janeiro para morar em BH, a fim de se tratar de tuberculose. Antes disso, seu pai, que foi médico da princesa Isabel, enviara o jovem para a localidade de Arosa, perto de Davos, na Suíça, com a mesma finalidade. “Quando ele voltou, disseram que a nova capital de Minas tinha ótimo clima e podia fazer muito bem à sua saúde”, conta o neto Fernando Vianna Werneck,.
Mas o destino reservava boas surpresas para o jovem médico, que foi um dos fundadores da Escola de Medicina, da Santa Casa, dos hospitais Madre Tereza e São Lucas. Belo Horizonte, explica Fernando, dispunha apenas de um posto de saúde. Um dia, estando lá, Hugo Werneck socorreu uma parturiente, que apresentava complicações, e conseguiu salvar a mãe e a criança. A partir desse episódio, voltou a clinicar, pois sua fama de bom médico correu longe. Animado, acabou comprando o terreno de então 638 hectares, que apresentava a média anual climática semelhante à de Arosa. E, curiosamente, não morreu de tuberculose, mas de câncer, aos 57 anos.
Em 1928, Hugo Werneck inaugurou um sanatório para tuberculosos, que foi erguido com seus próprios recursos. “Alguns o criticaram. Ele respondeu que ‘uns plantam couve e outros plantam carvalho”, diz Fernando. Na década de 1970, o prédio de mais de 8 mil metros quadrados, que fica numa área de 250 mil metros quadrados, se tornou o Recanto Nossa Senhora da Boa Viagem, vinculado à Fundação de Obras Sociais da Paróquia da Boa Viagem. Nessa instituição de longa permanência vivem 75 idosos, que recebem tratamento psicológico e acompanhamento médico e de enfermagem. (GW)
Uma Escola Ambiental em Meio a Trilhas e Água
Uma imensidão de 10 quilômetros quadrados de área verde cabe nas mãos de Thomaz Francisco de Oliveira, de 70 anos. Há quatro décadas ele mora no Bairro Ribeiro de Abreu, na Região Nordeste da capital, vizinho da última fronteira verde da capital, a Região do Isidoro, cortada pelo ribeirão de mesmo nome. Desde então, “seu” Thomaz faz expedições pela mata e, há 20 anos, passou a se aventurar na companhia de grupos de crianças da comunidade. As trilhas ecológicas abrem caminho para que os pequenos conheçam de micos-estrela a tatus, além de uma infinidade de plantas medicinais. “O barbatimão é bom para curar hemorragia; o pau-magro, para emagrecer. A congonhas-do-campo trata dor de cabeça”, conta. As trilhas são uma aula de ecologia, mas há também lições de história, já que o Quilombo Mangueiras, na região, é símbolo da resistência negra na época da escravidão.
Depois que recebeu a notícia da chegada de um grande empreendimento imobiliário, “seu” Thomaz, que é presidente do Núcleo do Córrego Santinha, um dos afluentes limpos do Ribeirão Isidoro, foi tomado pela apreensão. “É uma coisa de louco, uma mudança muito rápida. Estão desconsiderando as pessoas que sempre cuidaram disso aqui. Esse impacto socioambiental tem que ser discutido com a população”, afirma, com a preocupação de quem conhece a fundo as nascentes e cursos d’água que cortam a vegetação, composta por floresta estacional, brejo e cerrado.
Em toda a Bacia Hidrográfica do Isidoro, principal contribuinte do Ribeirão do Onça, importante afluente da Bacia do Rio das Velhas, são 64 córregos e 280 nascentes, sendo 66 drenadas ou aterradas. A área da bacia corresponde a cerca de 20% de BH e está situada, em grande parte, na Região do Isidoro. Também presidente do Conselho Comunitário Unidos pelo Ribeiro de Abreu (Comupra), “seu” Thomaz questiona os planos para a área. “Estamos falando de um último remanescente de cerrado, com algumas espécies de mata atlântica na cidade. Vemos a necessidade de ocupação da área, pois está sofrendo uma pressão grande pela procura de moradia”, diz. Mas ele sugere que a região abrigue o câmpus de uma universidade, por exemplo, que usasse a área para pesquisa. “Lugar de morar é para morar. Lugar de preservar é para preservar. Caso contrário, a sociedade vai pagar caro por isso”, enfatiza, temendo que o Córrego Santinha seja um dos que pague o preço da urbanização.
Marcus Vinícius Polignano, um dos coordenadores do Projeto Manuelzão, da Faculdade de Medicina da UFMG, que trabalha pela revitalização da Bacia do Rio das Velhas, afirma que o projeto de urbanização traz muita dor de cabeça. “A região já tem um grande passivo ambiental, com muito esgoto clandestino lançado diretamente nos córregos, fora os problemas sociais de habitação e violência. Qualquer outro empreendimento seria extremamente trágico e agravaria esses passivos.” Polignano acrescenta que a expectativa era a de implantação de uma grande área verde. “A cidade não pode ser apenas um amontoado de concreto. BH tem que discutir melhor essa proposta”, ressalta.
Para o coordenador-geral do Manuelzão, o médico Apolo Heringer Lisboa, diante da Região do Isidoro está a oportunidade de a prefeitura aplicar toda a experiência acumulada no que diz respeito a bacias hidrográficas e sistemas de drenagem. “A prefeitura tem que ter uma nova postura. Já era para ter aprendido a incorporar os rios e córregos à vida urbana, implantando parques lineares nas margens dos cursos d’águas e transformando-as em grandes corredores ecológicos”, diz. (FA)
As informações são do Jornal Estado de Minas.
Parabéns pelo trabalho!!!
Bonito trabalho, mas não faz sozinho……e os outros, não aparecem?