Para além da Copa Mundial, o mês de junho marcou um acontecimento importante para a história do Brasil. No dia 16, foi aprovado no Senado o Estatuto da Igualdade Racial. O Estatuto, projeto original do senador Paulo Paim (PT), já tem uma história de sete anos. Há dois aguardava ser votado pelos senadores. O documento agora aguarda sanção do presidente Lula, mas sofreu mudanças ao longo desses sete anos.
O texto original do projeto garantia maior presença dos negros nos meios de comunicação e partidos políticos e facilitava sua entrada no mercado de trabalho e nas universidades e repartições públicas. O documento aprovado, sugerido pelo senador Demóstenes Torres (DEM), não traz nenhum desses elementos.
Além disso, o termo “raça” foi substituído por “etnia” no documento. Para Frei David, diretor executivo da rede Educafro, esta mudança foi um atestado da falta de inteligência do partido Democratas. “O próprio Tribunal Superior Federal já reconheceu que raça no Brasil não é um termo biológico, mas sociológico”. O religioso afirma que todos aqueles que pertencem à etnia negra no Brasil são amplamente desfavorecidos em diversos setores que estavam sendo contemplados no Estatuto, como educação, trabalho e comunicação.
Para o ministro da Igualdade Racial, Elói Ferreira de Araújo, a demora na divulgação do texto final do Estatuto, que só foi liberado recentemente, causou uma confusão quanto ao seu conteúdo. “O primeiro artigo define o que é desigualdade racial. Não há como sofismar. O documento é muito claro”, afirma.
As cotas e o Estatuto
O Estatuto garantia, originalmente, 20% de cotas para a população afrobrasileira nas universidades e concursos públicos, proposta que foi excluída pelo senador Demóstenes Torres. Existe hoje outro projeto de lei (nº 73/1999) sobre cotas que já foi aprovado na Câmara, e aguarda ser votado no Senado. Com a aprovação do estatuto, a esperança é que este projeto também entre na pauta de votações dos senadores. Frei David não acredita que a aprovação do Estatuto como está vai facilitar a luta pelas cotas. Para ele, existe uma campanha dentro do Senado contrária às reivindicações da comunidade afrodescendente, o que emperraria todo o processo.
Para o ministro da Igualdade Racial Elói Ferreira, o Estatuto vai dar à população negra acesso a uma série de direitos antes inexistentes. Foto: Renato Araújo / ABr
O ponto das cotas foi um dos mais criticados pela comunidade negra. “Menos de 1% dos professores da USP são negros. É ético uma universidade – o que pressupõe universal – continuar confortável com essa situação?”, questiona Frei David. Para o ministro Elói, porém, a política de cotas é apenas uma forma de ação afirmativa, que abrange muito mais coisa, e é a espinha dorsal do Estatuto. “Já que as ações afirmativas foram inteiramente aprovadas no documento, podemos trabalhar essa e outras iniciativas, como a relação do negro com o mercado e com os meios de comunicação”, explica.
Polêmicas à parte, o Estatuto da Igualdade Racial trouxe alguns avanços no sentido da diminuição das desigualdades raciais no Brasil. Entre eles, a criação do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir), a facilitação para financiamentos habitacionais e o reconhecimento de que o poder público precisa agir para diminuir também este tipo de desigualdade. Mais importante que as divergências, agora, é garantir que o Estatuto não se limite a palavras no papel. Segundo o ministro Elói, uma comissão de juristas está sendo formada para avaliar de que forma o que foi aprovado pode virar política pública para a população negra. “O Estatuto é o diploma legal que vai dar à população negra acesso a uma série de direitos antes inexistentes”.
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