O Papa Francisco reafirmou fortemente a sua recente carta encíclica ambiental Laudato si’, dizendo a estudantes e professores em uma comovente visita à universidade católica de Quito, no Equador, que o cuidado ecológico não pode mais ser apenas uma recomendação, mas uma exigência.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada no sítio National Catholic Reporter, 07-07-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Em palavras que muitos esperavam durante os três dias da visita do pontífice a um país que faz fronteira com a Floresta Amazônica, Francisco disse aos membros da Pontifícia Universidade Católica do Equador que “uma coisa é clara”: “Não podemos continuar virando as costas para a nossa realidade, para os nossos irmãos, para a nossa Mãe Terra. Não nos é lícito ignorar o que está acontecendo ao nosso redor, como se determinadas situações não existissem ou não tivessem nada a ver com a nossa realidade”.
“Cada vez mais, segue com força esta pergunta de Deus a Caim: ‘Onde está o teu irmão?'”, disse. “Eu pergunto se a nossa resposta continuará sendo: ‘Acaso sou o guardião do meu irmão?'”
Com essa forte referência à história do Antigo Testamento que relata o assassinato, por parte de Caim, do seu irmão Abel, Francisco parecia estar dizendo com força, nessa terça-feira, que a humanidade está destruindo a Terra, mas não está assumindo a responsabilidade pela destruição.
As declarações do pontífice também trazem um significado especial para muitos no Equador, onde o debate público tem sido provocado pelo plano do presidente Rafael Correa de abrir a mineração de recursos em uma reserva natural reconhecida internacionalmente na fronteira oriental do país com o Peru.
Em um encontro posterior na terça-feira com membros da sociedade civil equatoriana, Francisco falou sobre a questão da mineração de modo muito mais direto.
“A exploração dos recursos naturais, tão abundantes no Equador, não deve buscar o benefício imediato”, disse ele no encontro realizado na Igreja de São Francisco, do século XVI, em Quito.
“Ser administradores dessa riqueza que recebemos nos compromete com a sociedade em seu conjunto e com as futuras gerações, às quais não podemos legar esse patrimônio sem um adequado cuidado do meio ambiente”, disse aos presentes no evento.
O papa disse aos estudantes e educadores da universidade católica que Deus deu à humanidade uma missão ao lhes pedir para cuidar do ambiente.
“Deus não só dá a vida ao homem: dá a Terra, a criação”, disse Francisco. “Ele não só lhe dá um casal e um sem fim de possibilidades: Ele também faz um convite, dá uma missão.”
“Ele o convida a fazer parte da sua obra criadora e lhe diz: ‘Cultiva! Dou-te as sementes, dou-te a terra, a água, o sol, dou-te as tuas mãos e as dos teus irmãos”, disse o pontífice.
A criação, disse Francisco, “é um dom para ser compartilhado”.
“É o espaço que Deus nos dá para construir conosco, para construir um ‘nós'”, disse o papa. “O mundo, a história, o tempo é o lugar onde vamos construir esse ‘nós’ com Deus, o ‘nós’ com os demais, o ‘nós’ com a Terra.”
Francisco, o primeiro papa das Américas, está visitando o Equador desde domingo como parte de uma estada de uma semana que também incluirá visitas à Bolívia e ao Paraguai.
A reação do público à visita do pontífice tem sido enorme, com duas missas celebradas por Francisco na segunda e na terça-feiras, cada uma atraindo multidões de mais de um milhão de pessoas. Muitos acamparam ou viajaram distâncias extremas na expectativa de ter uma visão em primeira pessoa do papa.
O debate equatoriano se centrou no plano do presidente Correa de permitir que as operações de mineração no Parque Nacional Yasuní, uma área de preservação natural de mais de um milhão de hectares que tem sido chamada de um dos lugares de maior biodiversidade da Terra e que também é o lar de várias tribos indígenas não contatadas.
Vários líderes católicos locais disseram ter escrito cartas para Francisco, pedindo-lhe para abordar a questão na sua reunião privada com Correa na segunda-feira à tarde.
Maribel León, uma equatoriana que coordena a formação missionária das Pontifícias Obras Missionárias da arquidiocese de Quito, disse que o papa poderia apontar para a sua encíclica “para fazer com que o nosso governo entenda que o que Correa está fazendo com o nosso ambiente não é positivo”.
Correa, disse León, “está tomando as nossas riquezas naturais, modificando-as para uma riqueza financeira e eliminando os povos que vivem lá”.
Francisco disse aos líderes da sociedade civil nessa terça-feira que os bens da Terra “estão destinados a todos e, embora alguns ostentem a sua propriedade, pesa sobre eles uma hipoteca social”.
“Assim, supera-se o conceito econômico de justiça, baseado no princípio de compra e venda, pelo conceito de justiça social, que defende o direito fundamental da pessoa a uma vida digna”, disse.
Com os educadores e estudantes nessa terça-feira à tarde, Francisco chamou ambos os grupos a tomarem medidas específicas para cuidar do ambiente. Ele pediu que os educadores ensinem os estudantes a terem um senso crítico para cuidar do mundo, e os alunos a usarem os seus estudos para expressar solidariedade com os menos afortunados.
“É urgente que nos animemos a pensar, a buscar, a discutir sobre a nossa situação atual”, disse o papa a todos os presentes. “É urgente que nos animemos a pensar sobre que cultura, que tipo de cultura queremos ou esperamos não só para nós, mas também para os nossos filhos e os nossos netos.”
“Recebemos essa terra como herança, como um dom, como um presente”, continuou, “Que bom seria nos perguntarmos: como a queremos deixar? Que orientação queremos dar à existência? Para que passamos por este mundo? Para que lutamos e trabalhamos?”
“Como universidade, como centros educativos, como professores e estudante, a vida nos desafia a responder a estas duas perguntas: para que esta terra precisa de nós? Onde está o teu irmão?”, questionou Francisco.
O papa também falou com os membros da sociedade civil sobre como diferentes tipos de pessoas podem trabalhar juntos.
“O respeito pelo outro que se aprende na família se traduz no âmbito social na subsidiariedade”, disse ele aos líderes.
“Assumir que a nossa opção não é necessariamente a única legítima é um saudável exercício de humildade”, disse Francisco. “Ao reconhecer o bom que há nos demais, inclusive com suas limitações, vemos a riqueza que entranha a diversidade e o valor da complementaridade.”
“Os homens e os grupos têm direito a percorrer o seu caminho, mesmo que isso, às vezes, suponha cometer erros”, disse o papa.
O pontífice deverá se encontrar nesta quarta-feira de manhã com o clero e os religiosos equatorianos antes de se dirigir para a Bolívia.