Sarah Jacobs – Rio On Watch
Em Santa Marta na Zona Sul do Rio, na Vila Autódromo, próxima ao Parque Olímpico na Zona Oeste, e na Favela do Metrô na Zona Norte, uma série de “remoções relâmpago”–remoções forçadas com pouco ou nenhum aviso prévio e frágil aprovação da Justiça–ocorreram em favelas em todo o Rio de Janeiro na semana passada, em um clima de confusão e tensão no que parece ser uma nova etapa na política de remoção.
Apenas 14 meses antes dos Jogos Olímpicos de 2016, a tomada de terras que tem caracterizado o período pré-Olimpíadas parece ter tomado um curso em direção ao pior. De janeiro de 2009 a dezembro de 2013 mais de 20 mil famílias, ou 67 mil pessoas, foram removidas de suas casas. O número de vítimas continua a crescer.
Aqui, uma sequência cronológica dos acontecimentos da última semana:
Morro da Providência
Em 28 de maio, moradores do Morro da Providência, favela mais antiga do Rio, localizada no centro da cidade, perto da revitalização da região do porto, postaram fotos nas mídias sociais mostrando os moradores na região do Túnel Rego Barros sendo removidos, tendo seus pertences retirados pela Polícia Militar.
Apesar da comunidade ter sido bem sucedida em evitar remoções generalizadas (um terço da comunidade histórica havia sido prevista para remoção) por meio de uma vitória na Justiça com base na falta de participação popular, algumas casas continuam sendo alvo, com justificativa de que estão em “áreas de risco“.
Favela do Metrô
Em 29 de maio, trabalhadores e lojistas foram despejados pela Prefeitura sem aviso prévio na Favela do Metrô, localizada próximo ao Estádio do Maracanã, na Zona Norte do Rio. A comunidade foi vítima de um longo processo de remoção entre 2010 e 2013 supostamente para a Copa do Mundo (para o qual as construções nunca se materializaram), acompanhada por uma série de remoções desde então, com as casas sendo reocupadas por pessoas em necessidade de moradia. As remoções da semana passada ocorreram em oficinas automotivas e lojas da área comercial da comunidade, a qual o prefeito se comprometeu a compensar com um novo pólo automotivo, o “Parque Linear Automotivo Metrô-Mangueira”, que nunca foi construído.
Alunos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), cujo campus principal é vizinho da Favela do Metrô, se juntaram aos protestos em apoio aos removidos. O protesto foi para dentro do campus da UERJ após o início da violência.
Uma liminar da justiça foi emitida em 29 de maio proibindo a Prefeitura de continuar com as demolições na Favela do Metrô, com multas de R$20 mil para cada casa destruída. A liminar, no entanto, veio tarde para muitos trabalhadores e lojistas que tiveram suas propriedades e pertences destruídos.
Em vídeo postado no YouTube, Alessandro, morador da favela, disse que não teve tempo de salvar o material mantido para revenda em sua propriedade. “A prefeitura chegou em cima da hora, queria que eu desocupasse imediatamente. Não deram tempo para tirar nem 10% do material que tinha aqui”, disse ele.
Um debate com os moradores, donos de negócios, defensores públicos, professores de direito e outros está sendo programado para quarta-feira 10 de junho.
Tavares Bastos
Em 29 de maio, notificações de remoções foram entregues aos moradores de Tavares Bastos, localizada logo acima dos bairros do Flamengo e do Catete, na Zona Sul do Rio. Bob Nadkarni, morador de longa data e dono do famoso bar de jazz The MAZE, foi o primeiro a receber tais notificações e está lutando contra as acusações de risco na Justiça. Temores de que a ameaça de remover uma das estruturas mais sólidas da comunidade–o The MAZE0–seja apenas o primeiro passo em uma campanha mais ampla de remover a comunidade inteira estão crescendo, e os moradores estão se organizando. Uma “remoção relâmpago” ainda não aconteceu, mas dado o ocorrido em inúmeras outras favelas na mesma semana, o risco não pode ser descartado.
Santa Marta
Em 1 de junho cinco casas foram destruídas no topo do Santa Marta sobre o bairro de Botafogo, na Zona Sul do Rio, com cenas em vídeo no YouTube filmadas pelo morador e guia Thiago Firmino. As famílias morando no topo da comunidade que ganhou reconhecimento como exemplo positivo de intervenção do governo, lutam com sucesso contra tentativas de remoção desde 2011.
No vídeo, moradores do Santa Marta dizem que receberam um mês de aviso, com base de que suas casas estão em área de risco. No entanto, nenhuma avaliação técnica da terra aconteceu anteriormente.
Uma das moradoras removidas aparece visivelmente angustiada no vídeo: “Como é que vou guardar as minhas coisas? Onde é que vou dormir hoje?” Ela também disse que não queria dormir no abrigo público oferecido pelo governo.
Outro morador foi filmado verificando o estrago após a demolição da casa que ele próprio construiu: “Foi o meu suor. Foi a minha vida. E tá aqui uma lixeira”, disse ele, apontando para seu sofá, TV, armário e geladeira entre os escombros ao ar livre.
Vila Autódromo
Em 3 de junho, moradores da Vila Autódromo, vizinha do futuro Parque Olímpico na Zona Oeste do Rio, receberam a violência pela Guarda Municipal ao resistir às demolições de duas casas da comunidade. Um vídeo postado no Facebook confirma que a polícia usou de balas de borracha, spray de pimenta e cassetetes ao lidar com os manifestantes, ferindo diversos moradores, alguns tendo que recorrer à cirurgia.
A Vila Autódromo se tornou conhecida por décadas de resistência exemplar, a qual resultou em títulos de posse para a comunidade e servindo de inspiração para outras comunidades. No entanto, frente a cinco anos de intimidação e incertezas, com autoridades da Prefeitura determinadas a limpar a área devido à sua proximidade com os Jogos Olímpicos, e as moradias de luxo que vão se seguir a eles, cerca de 90% dos 600 moradores já deixaram a comunidade, aceitando ofertas de compensação financeira ou moradia pública da Prefeitura. Um pequeno grupo, no entanto, continua resistindo às remoções.
A comunidade afirmou que os donos das duas propriedades não receberam notificação prévia de demolição e ainda aguardam indenização da Prefeitura. A defensora pública Maria Lúcia de Pontes disse ao jornal O Dia: “Mesmo que a prefeitura tivesse razão, não poderia cumprir uma decisão judicial com violência e sobre a qual pairava uma dúvida”.
Fotos de moradores da Vila Autódromo feridos foram compartilhadas nas mídias sociais. Maria da Penha [que apareceu na TV sueca em março] foi fotografada com um olho preto e o rosto ensanguentado. Ela teve o nariz quebrado pelo guarda. Em entrevista postada no YouTube, ela descreveu a situação: “Não deram [a prefeitura] nem uma semana de prazo para as famílias se mudarem. Eles falaram que a família tem que sair hoje. Todos os moradores da comunidade se juntaram… Não mexemos com eles [a polícia], não agredimos… eu apanhei, foi cassetete dos guardas que me bateram…”
O despejo foi suspenso após intervenção judicial. A Globo News reportou que uma nova demolição aconteceria hoje, segunda-feira 8 de junho. Na noite passada, moradores levaram às midias sociais pedidos de apoio e uma vigília aconteceu, com pessoas nesta manhã à espera das equipes de demolição.
Representantes de diversos movimentos e organizações conhecidos estavam presentes, incluindo o Ibase, o Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) e o Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas, entre outros.