Por Francesco Maneto, em El País
Pablo Iglesias pronunciou neste sábado seu primeiro discurso como secretário-geral do partido Podemos, destacando suas prioridades estratégicas e institucionais. Em primeiro lugar, vencer as eleições gerais de 2015. Em segundo, iniciar “um processo constituinte para abrir o cadeado de 78 e discutir tudo”. Essa declaração de intenções está no DNA do partido, que hoje se firmou oficialmente como força política organizada depois de um avanço de dez meses nos quais, segundo todas as pesquisas, foi-se afirmando como nova opção ao bipartidarismo. Nas palavras de Iglesias, o Podemos é uma “alternativa diante de um regime que está caindo”, em referência a PP, PSOE e ao pacto constitucional.
O líder do partido, que ainda não tem um programa definido, quis deixar claro aos seus que agora começa o trecho mais tortuoso de sua trajetória política. “As verdadeiras dificuldades começam agora, e quando ganharmos as eleições em dezembro do próximo ano começarão as dificuldades de verdade”, alertou do palco do Teatro Nuevo Apolo, em Madri, durante o ato de proclamação da direção do partido. Na sala cheia foi feita a entrega do poder interno do partido ao grupo de fundadores, encabeçado por Iglesias, Íñigo Errejón, Carolina Bescansa, Juan Carlos Monedero e Luis Alegre.
A equipe encarregada de organizar a assembleia do partido apresentou os resultados da votação da nova cúpula do Podemos, um órgão chamado Conselho Cidadão, formado atualmente por 62 cargos (além de Iglesias), com número igual de homens e mulheres. A eles se somarão nas próximas semanas os 17 representantes das comunidades autônomas.
Iglesias foi escolhido secretário geral com o voto —pela Internet— de mais de 95.000 simpatizantes (88,6% dos 107.000 votos emitidos), a muita distância dos demais 60 candidatos que concorriam ao mesmo cargo. Trata-se de uma porcentagem de participação parecida com a da votação dos documentos internos realizada em outubro. Ou seja, votaram menos de 50% dos 250.000 inscritos na página web do Podemos. Os 62 membros do Conselho Cidadão que foram eleitos faziam parte da lista apresentada pela equipe de Iglesias e todos receberam um apoio acima de 70%.
Pablo Iglesias manifestou toda a confiança em seu projeto. Destacou o contexto no qual nasceu o partido e reiterou sua ambição. “O Podemos não é um experimento político, é o resultado do fracasso do regime de oligarcas”, afirmou em sua primeira reunião como secretário geral. “A isso, as pessoas responderam: ‘claro que podemos’”, resumiu.
O responsável máximo pelo partido, ladeado pelo líder do partido grego Syriza, Alexis Tsipras, e pela europarlamentar do Bloco de Esquerda português Marisa Matías, concentrou boa parte de seu discurso —de cerca de meia hora— em tentar desmontar os argumentos do medo lançados contra seu partido. “Invocar o medo é uma estratégia ruim”, opinou, remetendo ao que, segundo seu diagnóstico, realmente “aterroriza” a sociedade: a desigualdade e as políticas de austeridade. “Dá medo que as escolas públicas e os hospitais sejam fechados. Isso é o que dá medo, não o Podemos”, enfatizou Iglesias, que tentou infundir otimismo a seus correligionários: “Não temos medo. Quem começa a ter medo são os outros, como o J.P. Morgan. Não é que o medo esteja começando a mudar de lado, é que o sorriso está começando a mudar de lado. Quando insultarem, quando mentirem, quando difamarem, sorriam, porque vamos ganhar”.
Desde a sua criação, em janeiro passado, o Podemos faz um discurso duríssimo contra os partidos da “casta”, em referência ao PP e ao PSOE, e tenta transformar a confrontação tradicional entre esquerda e direita em uma disputa entre privilegiados e “pessoas decentes”. A corrupção talvez seja um dos elementos centrais desse debate. E Iglesias voltou a dedicar hoje várias mensagens a sua visão sobre a corrupção do sistema. “Não tem a ver com maçãs podres, tem a ver com pagar impostos e democratizar a economia. A corrupção é um regime que permite que 20 pessoas tenham a mesma riqueza de 14 milhões”, afirmou antes de qualificar o Podemos como “vassoura para varrer a sociedade”.
Iglesias falou também de economia em um momento em que empresários e agentes sociais estão especialmente indecisos quanto a seu programa. Mas o fez em termos gerais. Prometeu “convocar os melhores” para criar não um projeto de partido, mas “o programa dos melhores”. Defendeu a resolução aprovada na assembleia cidadã —realizada em outubro passado no Palácio de Vistalegre de Madri— na qual o Podemos priorizou a reestruturação organizada da dívida em vez do calote. Citou os prêmios Nobel Paul Krugman e Joseph Stiglitz. E manteve a necessidade de aplicar um plano para tirar a Espanha de um modelo produtivo baseado “na construção e no turismo”. Esse novo modelo, disse, implicaria trabalhar menos horas, de forma diferente e em outras condições de trabalho.
Iglesias defendeu também “um plano de fomento para a criação de cooperativas, que contem com o investimento público”. “Para tudo isso é preciso dinheiro, para isso é necessária uma reforma fiscal, para que os que mais têm paguem”, disse. “Uma reforma fiscal que impeça a fraude e taxe as rendas mais altas”. Como modelo, destacou os países nórdicos, como a Dinamarca. “Os países mais prósperos são os mais igualitários”, analisou o líder do Podemos, que encerrou o ato lendo versos de Vientos del Pueblo me llevan, de Miguel Hernández, antes de entoar ao lado de toda a sua equipeCambia, todo cambia [muda, tudo muda], canção popularizada por Mercedes Sosa.
A intervenção de Iglesias foi carregada de mensagens contra a austeridade e contra o Governo de Mariano Rajoy, mas na ocasião evitou ataques diretos ao PSOE. Foi ouvido no auditório por centenas de simpatizantes de seu partido, convidados internacionais —entre eles, os embaixadores da Bolívia e Nicarágua e membros das Embaixadas do Equador, Venezuela e Argentina, do povo curdo e da Palestina— e representantes de associações de consumidores e usuários. No teatro se sentaram também o porta-voz do Guanyem, Ada Colau, e o socialista José Antonio Pérez Tapias, líder da corrente Izquierda Socialista. Tapias qualificou o Podemos de “pontapé” para a vida política e, contra a maior parte de seu partido, convocou a todos a olhar com atenção seus passos visando possíveis contatos.