A prisão, em geral, não regenera. As nossas, muito menos. Elas são quase escolas do crime
Por Wadih Damous, em O Globo
Temos hoje a quarta população carcerária do mundo, quase meio milhão de pessoas, atrás apenas dos Estados Unidos (2,2 milhões), da China (1,6 milhão) e da Rússia (740 mil). Enquanto a média mundial de encarceramento é de 144 presos para cem mil habitantes, no Brasil há 300 presos para cem mil pessoas. E existe um déficit de 240 mil vagas nos presídios.
Em 2013 houve 268 homicídios nas prisões brasileiras — mais de um a cada dois dias. Em 2012, o número de mortes tinha sido de 110. Ou seja, os óbitos aumentaram 143% de um ano para o outro. É um crescimento assustador.
Pesquisa da UnB, em parceria com a UFRJ, confirma que os pobres são mais condenados do que os ricos e que suas penas são mais altas. E que, se for preso com pequena quantidade de droga, pobre é tratado como traficante; já integrante da classe média é tratado como usuário. Há uma seletividade de classe para a polícia e para a Justiça.
Segundo relatório do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão do Ministério da Justiça, no fim de 2012 mais da metade dos presos (54%) era parda ou negra e tinha entre 18 e 29 anos (55%). Deles, 5,6% eram analfabetos, 13% eram apenas alfabetizados e 46% tinham o ensino fundamental incompleto. Somente dois mil (0,4%) tinham formação superior completa.
Apesar desse quadro, a cada crime que cria comoção nacional, a resposta de muitos é o endurecimento das leis e a diminuição da maioridade penal.
O quadro é preocupante. A corrida entre o número crescente de presos e a disponibilidade de vagas é disputa perdida. Ainda que novas penitenciárias sejam construídas, é preciso buscar outros caminhos.
A prisão, em geral, não regenera. As nossas, muito menos. Elas são quase escolas do crime. A maioria dos apenados tende a sair mais afeita a delinquir. E, como não há pena de morte ou prisão perpétua, um dia sairá.
Por outro lado, muitos presos prefeririam deixar a vida de crimes.
Assim, ao lado da aplicação de penas alternativas para quem cometeu crimes não violentos, é preciso resgatar para a sociedade milhões que hoje padecem nas prisões, tornando-se cada vez menos aptos para o convívio social.
Isso é possível pela concessão de uma anistia aos presos mais jovens, dando-lhes condições de recomeçar a vida.
Essa anistia não significaria simplesmente a sua soltura. Seria precedida da criação de condições para um mínimo de formação profissional e do acompanhamento da vida dos egressos. É difícil? Sim. Mas a alternativa está sendo criar um barril de pólvora.
Outras questões — como, se a anistia beneficiaria todos os presos jovens, independentemente do crime cometido, o limite de idade para que fossem incluídos etc — poderiam ser enfrentadas num debate com a sociedade.
Mas é preciso estender a mão a essa juventude e dar-lhe perspectiva de vida, sob pena de a perdermos definitivamente para o crime.
Isso não seria bom para ela.
Muito menos para a sociedade.
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Wadih Damous é presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB e da Comissão da Verdade do Rio.
Enviada para Combate Racismo Ambiental por Ruben Siqueira,