Nos últimos meses, têm sido frequentes os relatos de abuso de autoridade e práticas discriminatórias contra índios que vivem e transitam pela capital mineira
A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC), órgão do Ministério Público Federal (MPF), recomendou ao Secretário Municipal de Segurança Urbana e Patrimonial de Belo Horizonte/MG e ao Comandante da Guarda Municipal a adoção de medidas imediatas para impedir violações a direitos da população indígena que vive ou visita a cidade.
Nos últimos meses, vêm se repetindo episódios em que guardas municipais abordam indígenas no centro de Belo Horizonte, tratando-os com violência física e verbal e fazendo comentários desrespeitosos e jocosos com relação à sua cultura. No dia 1º de junho, um dos guardas chegou a ameaçar um índio com um taser (arma de eletrochoque).
Todas as ações teriam sido motivadas exclusivamente por preconceito étnico-cultural, causando desconforto e grande constrangimento público aos indígenas que visitam o centro da cidade, especialmente aos domingos, para expor e vender seus produtos na Feira de Artesanato da Avenida Afonso Pena.
O mero fato de um dos índios portar arco e flecha, elemento simbólico de sua cultura, teria sido utilizado como motivação para a abordagem agressiva dos guardas municipais, ao argumento de que se tratava de uma arma.
“O porte do arco e flecha por indígenas não pode justificar a atuação das forças de segurança pública, tendo em vista que esse elemento cultural é utilizado pelos índios que comercializam artesanato não como forma de ameaçar a população, mas, ao contrário, como forma de aproximá-la da cultura indígena”, explica o Ministério Público Federal.
Lembrando que artigo 58, I, da Lei n° 6001/1973 (Estatuto do Índio) define como crime contra os índios e a cultura indígena o ato de escarnecer de cerimônia, rito, uso, costume ou tradição e cultura indígenas ou de perturbar de qualquer modo a sua prática, a recomendação alerta também para outros dispositivos legais que proíbem o tratamento discriminatório e preconceituoso, como a lei contra o racismo (Lei 7.716/89) e a lei do abuso de autoridade (Lei 4.898/65).
O procurador regional dos Direitos do Cidadão, Edmundo Antônio Dias, lembra que “o censo de 2010 do IBGE aponta que 36,2% dos indígenas do país residem em áreas urbanas. Em geral, isso decorre de violações de direitos e da precariedade de serviços básicos em terras indígenas. Portanto, o respeito integral à cultura indígena é um imperativo muito atual em nossas cidades, que passa pelo enfrentamento ao preconceito quanto à forma como se vestem os indígenas ou ao mero fato de portarem um arco e uma flecha. Esse preconceito reside na não aceitação de que o índio possa trajar-se de maneira típica em nossa cidade, como se eles só tivessem o direito de ser índios quando moram em aldeias. Isso não deixa de ser uma forma de se impor a perda da identidade indígena. É, portanto, uma violência inaceitável.”
Por isso, ele recomendou que os guardas municipais sejam orientados, em suas atividades, a evitar qualquer comentário ou prática ofensiva aos valores e identidades indígenas, agindo dentro dos princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade e moderação e observando a garantia constitucional do direito de ir e vir e permanecer, bem como o direito ao livre uso dos espaços públicos da capital.
O MPF também recomenda que os órgãos superiores determinem aos guardas municipais o respeito ao porte do arco e flecha pelos indígenas, devendo a Corregedoria da instituição instaurar os competentes procedimentos administrativos disciplinares nos casos de atentado à incolumidade física e à honra de membros dos povos indígenas.
Por fim, ainda foi recomendado que a identificação da Guarda Municipal seja feita em material fluorescente, com letras em tamanho que permita sua leitura à distância, já que, atualmente, durante as abordagens irregulares e abusivas, seus integrantes chegam inclusive a impedir a visualização da identificação que são obrigados a portar em seus fardamentos.
O secretário municipal de segurança e o comandante da Guarda Municipal terão prazo de 15 dias para informar o acatamento da recomendação.
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