Direito penal é subsidiário. Havendo julgamento e punição pela comunidade, não subsiste o direito de punir estatal
Por Marcelo Semer*, em Sem Juízo
A sentença que segue abaixo é do juiz de direito Aluizio Ferreira Viana, da Comarca de Bonfim (RR). A tese esposada, de forma muitíssimo bem fundamentada, é que tendo sido o indígena julgado e punido pela própria comunidade, por homicídio cometido contra outro indígena, não deve se submeter novamente ao direito de punir, agora do Estado.
Enfim, reconhece a materialização do estado pluriétnico.
Na sentença, o magistrado cita o art. “Art. 57 da da Lei nº 6.0001//73 (Estatuto do Índio). Será tolerada a aplicação, pelos grupos tribais, de acordo com as instituições próprias, de sanções penais e disciplinares contra os seus membros, desde que não revistam de caráter cruel ou infamante, proibida em qualquer caso a pena de morte.” (sic-grifei) e ainda o art. 9º, da Convenção 169, da OIT: “Art. 9º. Na medida em que isso for compatível com o sistema jurídico nacional e com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, deverão ser respeitados os métodos aos quais os povos interessados recorrem tradicionalmente para a repressão dos delitos cometidos pelos seus membros”.
E diferencia as situações:
a-) Nos casos em que autor e vítima são índios; fato ocorre em terra indígena, e não há julgamento do fato pela comunidade indígena, o Estado deterá o direito de punir e atuará apenas de forma subsidiária. Logo, serão aplicáveis todas as regras penais e processuais penais;
b-) nos casos em que autor e vítima são índios; o fato ocorre em terra indígena, e há julgamento do fato pela comunidade indígena, o Estado não terá o direito de punir. Assim, torna-se evidente a impossibilidade de se aplicar regras estatais procedimentais a fatos tais que não podem ser julgados pelo Estado. É o que aconteceu neste caso.
A sentença ainda admite recurso e a questão pode chegar ao STF.
AUTOS Nº 0090.10.000302-0
AÇÃO PENAL
RÉU: DENILSON TRINDADE DOUGLAS
Art. 121, §2º, inciso II, do Código Penal Brasileiro
S E N T E N Ç A
Vistos, etc.
O Ministério Público Estadual ofereceu denúncia contra o Réu DENILSON TRINDADE DOUGLAS, devidamente qualificado nos autos, dando-o como incurso nas penas do artigo 121, §2º, inciso II, do CPB, porque, segundo narra a denúncia:
“…no dia 20/06/2009, por volta das dezenove horas, a vítima juntamente com sua esposa e filha estavam na sua própria casa quando chegou o denunciado, dizendo que queria conversar com a vítima, que a vítima pediu que o denunciado entrasse mas este não quis, chamando-o para conversar fora de casa. Ato contínuo, a esposa da vítima se afastou dos dois, retornando logo após e percebeu que o denunciado corria, já fora de casa, com uma faca na mão, momento no qual viu a vítima segurando-se na parede ao mesmo tempo em que falava que seu irmão havia lhe furado…” (fls. 2/3)
Inquérito policial juntado aos autos às fls. 05/56.
A denúncia foi recebida em 01 de março de 2012 (fls. 58/59),
O Réu foi citado em 16/05/2012 (fls. 62/63), e por meio de Advogada apresentou Resposta à Acusação às fls. 65/66, juntando em seu favor os documentos de fls. 68/73.
Às fls. 75/76, consta Decisão que determinou a designação de audiência de instrução e julgamento.
O Procurador Federal responsável pela Seção de Indígenas, às fls. 155/156, requereu sua habilitação para atuar na Defesa do Réu.
Manifestação de fls. 181/183, do ilustre Procurador Federal requer seja declarada a incompetência deste Juízo em razão da matéria, para evitar, dessa maneira, que o Réu seja punido duas vezes pelo mesmo fato.
Instado a se manifestar, o Ministério Público às fls. 217/218, requer o indeferimento do pedido e prosseguimento da presente Ação Penal.
Vieram-me os autos conclusos para Sentença.
É o relatório. Decido.
1. EXCEPCIONALIDADE DO CASO
Ao réu é imputado o crime de homicídio qualificado inserto no art. 121, § 2º, II, do CPB.
Nesse momento caberia a análise de indícios de autoria e materialidade do crime, contudo, faz-se necessária as seguintes observações dadas as peculiaridades do caso concreto.
Para melhor visualização territorial, esse Juízo, Comarca de Bonfim, tem “Jurisdição” sobre o município de Bonfim, sede, e tem como termo judiciário o município de Normandia (municípios envoltos em boa parte dentro da terra indígena ‘Raposa/Serra do Sol’), encravada, pois, dentro de áreas indígenas já demarcadas pelo Poder Público.
O fato ocorreu no dia 20/06/2009 na comunidade indígena do Manoá, terra indígena Manoá/Pium, Região Serra da Lua, município de Bonfim-RR, onde o acusado DENILSON (Índio) após ingerir bebida alcoólica desferiu facadas na vítima ALANDERSON (Índio), seu irmão, ocasionando-lhe a morte. Vê-se, portanto, que se cuida de acusado e vítima, ambos índios, sobre fato ocorrido dentro de terra indígena.
Após o ocorrido, reuniram-se Tuxauas e membros do conselho da comunidade indígena do Manoá no dia 26/06/2009, conforme consta às fls. 68/73, para deliberar eventual punição ao índio Denilson. Após oitiva do acusado e de seus pais e outras pessoas concluíram pela imposição de várias sanções, entre às quais, a construção de uma casa para a esposa da vítima, a proibição de ausentar-se da comunidade do Manoá sem permissão dos tuxauas.
Contudo, no dia 6 de abril do ano corrente, reuniram-se novamente as lideranças indígenas, Tuxauas de várias comunidades, entre elas, Anauá, Manoá, Wai Wai, e servidores da Funai, estes últimos apenas presenciaram a reunião com o fito de “…de apoiar na orientação no decorrer do procedimento, porém a decisão será das lideranças indígenas de ambas as regiões…” (fl. 185).Após oitiva das autoridades indígenas, foi imposta ao indígena DENILSON as seguintes penalidades, conforme consta na ata de fls. 185/187:
- “O índio Denilson deverá sair da Comunidade do Manoá e cumprir pena na Região Wai Wai por mais 5 (cinco) anos, com possibilidade de redução conforme seu comportamento;
- Cumprir o Regimento Interno do Povo Wai Wai, respeitando a convivência, o costume, a tradição e moradia junto ao povo Wai Wai;
- Participar de trabalho comunitário;
- Participar de reuniões e demais eventos desenvolvido pela comunidade;
- Não comercializar nenhum tipo de produto, peixe ou coisas existentes na comunidade sem permissão da comunidade juntamente com tuxaua;
- Não desautorizar o tuxaua, cometendo coisas às escondidas sem conhecimento do tuxaua;
- Ter terra para trabalhar, sempre com conhecimento e na companhia do tuxaua;
- Aprender a cultura e a língua Wai Wai.
- Se não cumprir o regimento será feita outra reunião e tomar outra decisão.”
Cabe acentuar que todo o procedimento supramencionado foi realizado sem mencionar em momento algum a legislação estatal, tendo apenas como norte a autoridade que seus usos e costumes lhes confere.
Nesse meio tempo, o representante do Estado, o Órgão Ministerial ofereceu denúncia no mês de fevereiro de 2012, a qual foi recebida por esse Juízo em 1º de março do mesmo ano.
Vê-se, portanto, a potencial condenação e execução de pena por mais de 2 (dois) entes, em tese, titulares do direito de punir o mesmo fato. Insta observar que não se trata de bis in idem, pois os entes detentores do direito de punir são distintos e não apenas o Estado, mas de instituto novo, que poderíamos denominar de “Duplo Jus Puniendi”.
Em razão da situação supramencionada, a Defesa alçoua existência do no bis in idem, ou seja, a impossibilidade do acusado ser sancionado duas vezes pelo mesmo fato, logo este Juízo deveria declarar-se incompetente em razão da matéria haja vista o anterior julgamento do fato pela comunidade indígena a que pertence o acusado.
Pois bem, rechaço em parte o argumento da ilustre Defesa. A uma, pois tenho que o imbróglio não se trata debis in idem, mas de “Duplo jus Puniendi”, em face do que dispõe o art. 57, da Lei 6.001/73 (Estatuto do Índio).
A duas, uma vez que não considero aplicáveis ao caso regras penais e processuais penais, in casu atinentes à competência processual penal, já que as normas relativas ao processo – instrumento determinado pelo direito por meio do qual o Estado poderá exercer o poder jurisdicional que lhe foi conferido ?, são limitadoras ao direito de punir estatal e não ao direito de punir das comunidades indígenas. Assim sendo, não poderá ser aplicado ao caso nenhum instituto afeto ao direito estatal. Resta, portanto, infrutífera, em parte, a alegação da Defesa.
2. NORMA JURÍDICA INDIVIDUALIZADA AO CASO CONCRETO
Cumpre advertir, que a jurisdição por natureza tem como uma de suas principais características a criatividade judicial, com conceito inerente à inafastabilidade da jurisdição e à vedação à recusa da prestação jurisdicional (non liquet). Logo, torna-se evidente que, em casos tais, como o exposto para pronunciamento judicial é de fundamental importância a utilização da característica supramencionada. Sobre o tema, segue lição do professor FREDIE DIDIER, ao citar LUHMANN, assim disserta:
“…Luhmann encara o sistema jurídico com olhos e métodos de sociólogo – vê o que ‘é’ e não o que ‘deve ser’. A análise que faz é impressionante, ao afirmar que aos tribunais há a obrigação de decidir qualquer conflito, o órgão judicial tem o poder de criar a regra jurídica do caso concreto – tem, pois, poder de criação de norma jurídica…” (FREDIE DIDIER, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, Ed. Juspodivm, 6ª ed., 2006, p. 80)
Como se observa, o caso em estudo não tem precedente judicial monocrático, salvo o ocorrido no ano 2000, em que o indígena Basílio Alves Salomão foi absolvido pelo Conselho de Sentença do Tribunal do Júri Popular, na Seção Judiciária da Justiça Federal em Roraima, sob a tese de causa supralegal de culpabilidade. Para melhor ilustração, segue trecho do Livro do professor HELDER GIRÃO BARRETO, então presidente dessa Sessão do Júri Federal:
“…Pois bem; após cometer o crime, o acusado foi preso e julgado pela própria Comunidade Indígena à qual pertencia, recebendo as seguintes penas: cavar a cova e enterrar o corpo da vítima; e, ficar em degredo de sua comunidade e de sua família pelo tempo que a comunidade achasse conveniente. No dia do julgamento o acusado estava há quase catorze anos sem poder retornar ao convívio da Comunidade Indígena do Maturuca. Ao ser interrogado em plenário o acusado declarou: ‘quando um índio comete um crime é costume ele ser julgado pelos próprios companheiros Tuxauas’; e que isso ‘é um costume que vem antes do tempo dos seus avós’. As testemunhas confirmaram os fatos.Em plenário, foi ouvida a antropóloga Alesandra Albert, que assegurou que na tradição da etnia Macuxi ‘um índio que mata outro é submetido a um Conselho, escolhido pela própria comunidade e reconhecido como detentor de autoridade; que a maior pena aplicada pelo Conselho é o banimento; que tanto o julgamento quanto a pena são modos como eles encaram a Justiça; e, conclui; ‘para a pessoa que sofreu banimento o julgamento e a pena têm o sentido da perda da convivência e da diminuição do conceito perante a Comunidade, coisas que são muito importantes…” (sic – grifei) (HELDER GIRÃO BARRETO, Direitos Indígenas – Vetores Constitucionais, 1ª ed., Ed. Juruá, 2003, p. 119/120).
Com a devida vênia, discordo da possibilidade de “absolvição”, uma vez que in casu o Estado não detêm o direito de punir, o que lhe retira qualquer possibilidade de discussão de mérito.
3. SUBSIDIARIEDADE DO DIREITO DE PUNIR ESTATAL
Como é cediço na doutrina, com espeque em fundamento constitucional, ocorrido o fato pretensamente criminoso cabe ao Estado o Direito de Punir, em substituição à anterior idéia de que o particular teria o direito de fazer a justiça com as próprias mãos. Para tal, utiliza-se de Órgãos da Administração da Justiça para investigar, processar, colher provas, com respeito a princípios constitucionais e, ao final, ter-se uma sentença com posterior execução do decidido, se o caso.
No entanto, há previsão de uma única “exceção”, de acordo com a dicção do art. 57, da Lei nº 6.0001//73 (Estatuto do Índio), verbis:
“Art. 57. Será tolerada a aplicação, pelos grupos tribais, de acordo com as instituições próprias, de sanções penais e disciplinares contra os seus membros, desde que não revistam de caráter cruel ou infamante, proibida em qualquer caso a pena de morte.” (sic-grifei)
Trata-se de previsão legal que insculpe o respeito aos usos e costumes indígenas e por suas “leis internas”, constatando-se, pois, uma autonomia tribal.
O respeito supracitado tem fundamento constitucional no art. 231, da CF/88, litteris:
“Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.” (sic – grifei)
Corrobora-se o fundamento constitucional com a previsão do art. 6º, do Estatuto do Índio, senão vejamos:
“Art. 6º. Serão respeitados os usos, costumes e tradições das comunidades indígenas e seus efeitos, nas relações de família, na ordem de sucessão, no regime de propriedade e nos atos ou negócios realizados entre índios,salvo se optarem pela aplicação do direito comum.” (sic – grifei)
Não bastasse isso, assim dispõe o art. 9º, da Convenção 169, da OIT (Convenção sobre povos indígenas e tribais), ratificado pelo Brasil em 2002, e promulgada via Decreto Presidencial nº 5.051/2004:
“Art. 9º. Na medida em que isso for compatível com o sistema jurídico nacional e com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, deverão ser respeitados os métodos aos quais os povos interessados recorrem tradicionalmente para a repressão dos delitos cometidos pelos seus membros” (sic-grifei)
Atente-se que se cuida de tratado dirigido ao reconhecimento de direitos e ao respeito aos povos indígenas, com evidente natureza de direitos humanos. Nesse sentido, está entre aqueles tratados aprovados antes da EC/45 ou fora dos parâmetros exigidos para ter equivalência às emendas constitucionais, tendo, portanto, status supralegal, ou seja, acima das normas infraconstitucionais e abaixo das normas constitucionais, conforme entendimento do STF: HC 90.172/SP.
Em face de todos esses argumentos, também não resta prosperar a potencial alegação da competência constitucional quase absoluta do julgamento dos crimes dolosos contra vida pelo Tribunal do Júri.
Ora, não se está aqui alçando qualquer alegação de incompetência do Tribunal do Júri, pois se trata de algo acima disso, que a ausência in casu do direito de punir do Estado-Juiz. Logo, seria uma discussão estéril em face da inaplicabilidade dos institutos do processo estatal. Ademais, ainda que se considerasse o nível constitucional do prescrito no art. 5º, inciso XXXVIII, da Constituição da República, como direito fundamental a ser observado, o contraponto estaria no art. 231, da mesma Constituição, que também é direito fundamental, logo, com a necessária observância aos costumes e tradições dos povos indígenas.
Convém advertir, que a esmagadora maioria da doutrina entende que a previsão art. 57, do Estatuto do Índio, seriauma exceção ao direito de punir estatal. Com base nisso, poderia se concluir que o Estado não poderia atuar de forma alguma nos casos de crimes ocorridos nas comunidades indígenas, o que não traduz a finalidade da legislação e tão pouco o que acontece na realidade.
Vejo, pois, que essa não é a melhor conclusão, uma vez que o Estado terá ampla autonomia para investigar, processar e julgar o indígena nos casos em que a comunidade indígena não julgá-lo, logo, o Estado, em casos tais, atuará de forma subsidiária.
4. INAPLICABILIDADE DOS INSTITUTOS PENAIS E PROCESSUAIS PENAIS
Uma vez acolhido o pensamento da ausência in casu ao direito de punir estatal, haja vista o caso sob análise encaixar-se perfeitamente ao previsto no art. 57, do Estatuto do Índio, advém a problemática da possibilidade de absolvição do acusado à luz das institutos jurídicos penais e processuais penais, já referidas nesse ato judicial.
Para o deslinde do imbróglio, é importante definir algumas premissas:
a) Nos casos em que autor e vítima são índios; fato ocorre em terra indígena, e não há julgamento do fato pela comunidade indígena, o Estado deterá o direito de punir e atuará apenas de forma subsidiária.Logo, serão aplicáveis todas as regras penais e processuais penais.
b) Nos casos em que autor e vítima são índios; o fato ocorre em terra indígena, e há julgamento do fato pela comunidade indígena, o Estado não terá o direito de punir. Assim, torna-se evidente a impossibilidade de se aplicar regras estatais procedimentais a fatos tais que não podem ser julgados pelo Estado.
In casu, o acusado índio Denilson foi julgado pelo Conselho das Comunidades Indígenas antes mesmo do início da instrução criminal, o que acarretaria, em tese, a absolvição sumária.
Contudo, é de comezinho conhecimento penal que absolvição sumária pressupõe análise de mérito, nos termos do art. 397, do CPP, e este representante do Estado-juiz não tem poder para tal, pois o Estado não detém o direito de punir nesse caso concreto.
Em outras palavras, o Estado deve apenas pronunciar a sua ausência de poder de punir, uma vez que o acusado já foi julgado e condenado por quem detém o direito.
5. FATOR DE FORTALECIMENTO DOS USOS, COSTUMES E TRADIÇÕES INDÍGENAS
Muito maior que o reconhecimento do direito de punir seus pares, as comunidades indígenas sentirão muito mais fortalecidas em seus usos e costumes, fator de integração e preservação de sua cultura, haja vista que o Estado estará sinalizando o respeito ao seu modo de viver e lhe dar com as tensões da vida dentro da comunidade.
Há quem pense e diga que haja o temor da repercussão social da fragilização do Estado ou o potencial recrudescimento da violência dentro das comunidades indígenas.
Digo o inverso, o Estado não estará fragilizado, pois caso as comunidades indígenas não julguem seus pares, mantém-se o Direito de Punir Estatal, de forma subsidiária.
Enfim, não se enfraquece de forma alguma o Poder Estatal, mas ao inverso, fortalece-se a atividade jurisdicional ao se reconhecer uma excepcionalidade que deve ser tratada de forma distinta, afinal o Estado não é absolutista. Nesse sentido, é a lição do então Ministro Carlos Ayres Brito, que na Relatoria da Ação Popular nº 3388 que pôs fim a pendenga judicial atinente à demarcação da terra Indígena Raposa/Serra do Sol, assim dissertou:
“…Como num aparelho auto-reverse, pois também eles, os índios, têm o direito de nos catequizar um pouco (falemos assim)…Equivale a dizer: assim como os não-índios conservam a sua identidade pessoal e étnica no convívio com os índios, os índios também conservam a sua identidade étnica e pessoal no convívio com os não-índios, pois a aculturação não é um necessário processo de substituição de mundividências (a originária a ser absorvida pela adquirida), mas a possibilidade de experimento de mais de uma delas. É um somatório, e não uma permuta, menos ainda uma subtração.”(sic – grifei)
Ante ao exposto, deixo de apreciar o mérito da denúncia do Órgão Ministerial, representante do Estado, paraDECLARAR A AUSÊNCIA IN CASU DO DIREITO DE PUNIR ESTATAL, em face do julgamento do fato por comunidade indígena, relativo ao acusado DENILSON TRINDADE DOUGLAS, brasileiro, solteiro, agricultor, nascido aos 13/03/89, filho de Alan Douglas e Demilza da Silva Trindade, com fundamento no art. 57, da Lei nº 6.001/73 e art. 231, da Constituição da República.
Transitada em julgado, proceda o cartório as baixas e anotações pertinentes.
Publique-se. Registre-se. Intime-se. Cumpra-se.
Expedientes necessários.
Bonfim/RR, 3 de setembro de 2013.
ALUIZIO FERREIRA VIEIRA
Juiz de Direito
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*Marcelo Semer, 47 anos, juiz de direito em São Paulo e escritor. Membro e ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia, autor do romance “Certas Canções”. Colunista no Terra Magazine.