Trabalhador que era mantido em situação análoga à de escravo em fazenda de Sacramento recebe ”alforria” de fiscais do MTE, mas enfrenta dificuldade para conseguir emprego na cidade
Pedro Rocha Franco* – Estado de Minas
Quartel-Geral (MG) – Para a família do carvoeiro Luís Eva, o auto de infração assinado pelo auditor fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) Marcelo Gonçalves, em 14 de maio, em Sacramento, no Alto Paranaíba, poderia ser comparado à assinatura de princesa Isabel para a promulgação da Lei Áurea, em 1888. O homem branco da capital com o poder de sua autoridade vinha para resgatá-los de uma situação de degradação de difícil descrição no sertão mineiro. Mas, como se repetisse o ocorrido no período monárquico, os indiscutíveis benefícios da liberdade criaram uma situação antagônica: de volta à cidade onde moram, os trabalhadores se viram novamente lançados ao mercado de trabalho, mas, desta vez, ainda com mais dificuldades para conseguir emprego, o que inclusive os faz pensar em voltar para fornos de carvão semelhantes aos da Fazenda Zagaia.
Prestes a se completar o terceiro mês da “libertação”, os nove trabalhadores sobrevivem com um salário mínimo do seguro-desemprego e alguns bicos feitos de vez em quando para completar a renda. Em agosto, eles receberão a última parcela do benefício e, caso não consigam uma vaga, terão que usar o valor que restou da multa paga pelo proprietário da carvoaria para botar comida na mesa e pagar as contas. O problema é que o dinheiro também pode durar pouco.
O nome Quartel-Geral pode dar a impressão que a terra é de militares, mas não é de hoje que a real vocação da cidade foi mudada. Em vez dos antigos quartéis que fiscalizavam os garimpos de diamante na região, o município, de 4 mil habitantes, é formado basicamente por cafeicultores e carvoeiros – que se prestam a qualquer tipo de serviço para garantir o sustento. Tanto é que volta e meia apareciam por aquelas bandas capatazes em busca de trabalhadores dispostos a passar uma temporada em uma carvoaria, fosse em Minas ou em um estado vizinho. Função desempenhada pelo funcionário da fazenda de Sacramento, apelidado de Dengo, que esteve em Quartel-geral para convencer seu Luís a levar 22 pessoas da cidade para meses de serviço.
Mas nem os capatazes têm aparecido nos últimos meses – talvez por não mais confiarem nos quartelenses devido à denúncia feita ao Ministério do Trabalho. Fato é que todos os trabalhadores amargam dias de espera. A única proposta foi do mesmo Dengo, que, ainda em Sacramento, os convidou para ir trabalhar em outra carvoaria. Mas a desconfiança sobre quem prometeu carteira assinada, salário de R$ 2,3 mil e boas condições de trabalho e, em vez disso, entregou uma carvoaria distante 70 quilômetros por estrada de terra até a zona urbana da cidade, de onde só poderiam sair caso arcassem com as despesas de contratação e as contas acumuladas com a comida e produtos básicos, obviamente pesou. E eles rejeitaram, acreditando em dias melhores. “A cidade é boa, mas não tem serviço”, diz seu Luís, o patriarca, de 57 anos, que, com 33 de carteira assinada, aparenta ter pelo menos uma década a mais de vivência devido aos desgastantes fornos de carvão que conhece bem desde os oito.
De imediato, o genro (casado com a enteada a quem trata como filha) Aloísio Ferrão da Silva interrompe a conversa para lembrar que antes de eles migrarem para Sacramento “vinha gente buscar trabalhador toda hora”. E hoje, ninguém vem mais? “Que nada. Ninguém que ‘tava’ lá arrumou emprego. O povo tudo (sic) fica desconfiado da gente”, diz.
HORIZONTE NUBLADO A falta de perspectiva faz Aloísio planejar se mudar de cidade com a esposa, Juliana, deixando a família para trás por uns tempos. Além de Sacramento e Quartel-geral, em 27 anos, ele já morou também em Uberlândia, onde nasceu, Nova Serrana, Divinópolis, Belo Horizonte e em cidades da Bahia e do Tocantins. Tudo por uma vaga de trabalho. “Tenho que caçar outros rumos. Dar meus pulos. Ficar à toa não é brinquedo. Faço tudo o que é trem. Não tem escolha de serviço”, diz ele, que já foi fichado como operador de máquina, servente de pedreiro, na lavoura de café, entre outros, mas, que, assim como o sogro e o pai, desde a infância tem as carvoarias como local de trabalho.
Vontade não falta. Assim como Juliana e qualquer outro parente, ele se diz pronto para encarar qualquer serviço. A disposição para suar a camisa esbarra no desconhecimento. Apenas um dos nove familiares conseguiu completar o ensino fundamental. As limitações profissionais os tornam inaptos para determinados ofícios. As fazendas de pecuária leiteira da região, por exemplo, poderiam ter a aguardada vaga, mas, para piorar, eles admitem não saber tirar leite. “Se soubesse, aí, sim, estava empregado. Mas homem velho não aprende a tirar leite. Quem sabe o meu filho”, diz Aloísio, que sonha com a chegada de um herdeiro, mas encontra obstáculos na saúde frágil da esposa, vítima de dois abortos naturais no início da gravidez.
*Enviado especial
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.