Carta pública da APIB sobre a regulamentação dos procedimentos do direito de consulta assegurado pela convenção 169 da OIT

Marca-APIB-versão-final-22-300x284A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), composta por organizações indígenas das distintas regiões do país, considerando a decisão do governo brasileiro de prosseguir com o processo de regulamentação dos procedimentos do direito de consulta livre, prévia e informada estabelecido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), manifesta ao governo federal e à opinião pública nacional e internacional os seguintes esclarecimentos.

O governo está propondo realizar no dia 1º de agosto deste ano uma “Oficina com a sociedade civil sobre o processo de regulamentação da consulta prévia – Convenção 169 da OIT”, com o objetivo de “Construir conjuntamente a contribuição e a participação da sociedade civil organizada no processo de regulamentação da Consulta…”.

Para o efeito, o governo convida 32 ONGs, algumas delas internacionais, além dos membros do Grupo de Trabalho Interministerial respectivo. Na justificativa, o governo federal argumenta que “tem realizado o processo participativo para a regulamentação da consulta prévia da Convenção 169”, citando inclusive duas reuniões informativas com lideranças indígenas, uma no Parque do Xingu – Pará – e outra em Tabatinga – Amazonas. Na programação, os organizadores prevêem a “Apresentação dos pontos centrais, diretrizes, contribuições dos sujeitos de direito”.

A APIB esclarece que o apregoado “processo participativo”, no que diz respeito aos povos e organizações indígenas do país, mesmo com a realização de algumas reuniões isoladas e informais com alguns povos e comunidades, rigorosamente não tem acontecido, conforme o princípio da boa-fé estabelecida pela própria Convenção 169. O governo, contrariamente, tem insistido em prosseguir com a regulamentação, apesar das sucessivas afrontas por ele praticadas contra o próprio direito de consulta e consentimento livre, prévio e informado, por meio de instrumentos jurídicos e administrativos que negam de forma absurda e rotundamente esse direito, como o faz a maléfica Portaria 303.

Os povos e organizações indígenas se mobilizaram e reivindicaram a revogação desta portaria, inclusive como condição sine qua non para continuar fazendo parte do processo de regulamentação dos procedimentos de consulta da 169. O governo negou-se a atender esta demanda e apenas suspendeu temporariamente a medida, no segundo semestre de 2012.

No âmbito do legislativo, o presidente da Câmara dos Deputados à época, membro do partido de governo, o Partido dos Trabalhadores (PT), Marco Maia, ressuscitou a Comissão Especial do PL 1610/96, que dispõe sobre a mineração em terras indígenas. Este projeto afronta igualmente a autonomia dos povos indígenas e o direito de consulta. Além destas medidas, dezenas de iniciativas legislativas e várias portarias e decretos se somam para desconstruir e reverter os direitos indígenas reconhecidos pela Constituição Federal e por tratados internacionais assinados pelo estado brasileiro, como a Convenção 169 e a Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas.

Diante desses fatos emblemáticos, a APIB mais uma vez torna público o seu repúdio e rechaço às artimanhas presididas pela Secretaria Geral da Presidência da República (SGPR), que tem buscado descaracterizar as organizações do movimento indígena, alimentando a divisão interna, e enfraquecendo mais do que o movimento, mas o próprio órgão indigenista, a FUNAI, contrariando a perspectiva de fortalecimento da instituição, conforme o anseio dos nossos povos e organizações.

A APIB desmente que haja, com relação à participação indígena, “pontos centrais, diretrizes, contribuições dos sujeitos de direito” consolidados, uma vez que foi o próprio governo quem truncou, ao editar a Portaria 303, da Advocacia-Geral da União (AGU), essa participação, iniciada com duas reuniões preparatórias e um Seminário Nacional, no primeiro semestre de 2012. Por outro lado, enquanto fala de regulamentação, o governo federal insiste em implantar grandes empreendimentos que impactam terras indígenas, como a hidrelétrica de Belo Monte, querendo fazer o mesmo com o complexo hidrelétrico do Tapajós. A este propósito, a APIB não admite que a regulamentação dos procedimentos da consulta seja apressada em função exatamente da urgência de viabilizar as grandes obras do Programa de Aceleração do Crescimento II (PAC) ou só para responder às exigências da OIT e da Organização das Nações Unidas (ONU).

Considerando esta vergonhosa contradição do governo brasileiro, a APIB solicita das instituições convidadas à “Oficina com a sociedade civil sobre o processo de regulamentação da consulta prévia – Convenção 169 da OIT”, que, diferentemente do governo, respeitem a posição dos nossos povos e organizações e se recusem a participar deste quadro de incoerências e de má-fé, ou então estarão legitimando a postura etnofágica de quem, no caso a SGPR, diz que defende os direitos indígenas, mas que age contra esses direitos por meio de instrumentos jurídicos e administrativos; por intermédio da omissão, conivência ou adesão aos interesses dos setores conservadores presentes no poder político e econômico que comanda o Congresso Nacional.

A APIB reitera a sua posição, a mesma defendida pela bancada indígena da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNP), durante a 20ª reunião ordinária realizada em Sobradinho, Brasília-DF, de 24 a 26 deste mês de julho: “Reafirmamos nosso posicionamento de não discutir a regulamentação da Convenção 169 da OIT enquanto o governo federal não revogar definitivamente a Portaria 303 da AGU – que atenta contra a referida convenção – e conclamamos as organizações não-governamentais, movimentos sociais e toda a sociedade civil que nos apóiem nessa decisão”.

Brasília – DF, 26 de julho de 2013.

ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL – APIB

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