Povo Ka’apor realiza encontros e rodas de conversa em preparação à Conferência Nacional de Política Indigenista no Centro de Formação Saberes Ka’apor

Nos dias 18, 19, 20 e 21 de julho de 2015, no Centro de Formação de Saberes Ka’apor, primeiro Ka’a usak ha (área de proteção) criada em 2013 para proteger nosso território realizamos do nosso jeito com nossas lideranças do nosso Conselho de Gestão Ka’apor, Conselho das aldeias e lideranças Ka’apor uma grande conversa sobre os temas Conferência Nacional de Política Indigenista. Sob a proteção de nossa floresta e forças de Mair Tamui (Aquele que criou no inicio tudo que existe hoje) iniciamos nosso encontro, nossas rodas de conversas com muita vontade de continuar mudando nossa vida para uma realidade melhor em nome de nosso Janderuhã ha ka’a rehe (Nossa Floresta é nosso plano de vida).

Durante nosso deslocamento e nossa conversa com as lideranças chegou notícias de caminhões madeireiros entrando em nosso território, lideranças das áreas de proteção sendo perseguida e ameaçada em um ramal do município de Nova Olinda do Maranhão. Segundo as lideranças, a pessoa tinha as mesmas características do assassino que atirou em nosso parente Eusébio Ka’apor solto e fazendo ameaças na entrada das aldeias. Com isso, tivemos que tomar providencias. Como a Funai não enviou para nós e nossa CTL local os temas e programação da preparação da conferência local no Estado, resolvemos por conta própria realizar conversa e tomar decisões.

No primeiro dia realizamos conversa sobre a realidade brasileira e realidade dos povos indígenas no Brasil. Momento de reflexões tristes, mas com muita vontade de continuar lutando por dias melhores. Falamos sobre a Política do governo para os povos indígenas no Brasil. Que devemos continuar lutando pela nossa autonomia, se organizando do nosso jeito e fortalecendo nossas lideranças e nossas formas de organização, isso é o nosso governo. Conversamos sobre nosso Conselho de Gestão Ka’apor, como está desenvolvendo o trabalho, a relação com os órgãos do governo do Kamará (branco). Essa é nossa forma de acompanhar a gestão de nosso território e trabalho nas aldeias. Conversamos sobre o trabalho do Conselho das Aldeias, nosso Acordo de Convivência nas aldeias. Olhamos para a nossa Associação Indígena que tem fortalecido nossa luta e organização. E iniciamos uma grande conversa sobre a gestão de nossa saúde e nossa educação.

No segundo dia conversamos sobre nosso trabalho de proteção territorial, como vamos fortalecer a defesa e proteção territorial, nosso jeito de se organizar para proteger, a continuidade de nosso Projeto de Etnomapeamento e a situação de nossas famílias que estão em nossas áreas de proteção em busca de sustentabilidade, respeitando e protegendo a floresta.

No terceiro dia a Coordenação Técnica Local Ka’apor apresentou o trabalho de apoio aos nossos parentes, as dificuldades encontradas com o governo, com a Funai. Mas, que ele está se fortalecendo por ter apoio de nossas aldeias, de nosso povo. Por isso, continuar desenvolvendo o trabalho. Nesse dia conversamos sobre o papel do Conselho Nacional de Política Indigenista. A CTL Ka’apor e nossos apoiadores apresentaram o tema da Conferencia Nacional “A relação do Estado brasileiro com os povos indígenas no Brasil sob o paradigma da Constituição de 1988”, com os eixos de trabalho: territorialidade e o direito territorial dos povos indígenas; autodeterminação, participação social e o direito à consulta;
desenvolvimento sustentável de terras e povos indígenas; direitos individuais e coletivos dos povos indígenas; diversidade cultural e pluralidade étnica no Brasil; direito à memória e à verdade.

Continuamos dias 28 e 29 de julho de 2015 no Centro Educacional La Salle, município de Presidente Médici nossas conversas sobre nossa gestão territorial. Nesses dois dias reunimos lideranças de nosso Conselho de Gestão, Conselho das Aldeias, nossos Ka’a usak ha (Guerreiros Ka’apor em defesa da floresta). Contamos com a presença de nossos parentes Gamela e do Conselho Indigenista Missionário.

Nossa conversa foi marcada por longas reflexões sobre a situação de nossos parentes Munduruku, Guarani Kaiowá, Terena, Tupinambá. Depois passamos a olhar para nossas atividades de etnomapeamento, ações de vigilância e fiscalização de nosso território, assim como, rever o jeito do trabalho que esta sendo feito e planejar novas ações. Na tarde do dia 29 de julho de 2015 continuamos conversando sobre nosso trabalho em defesa do território e sustentabilidade em nossas áreas de proteção criadas na entrada de ramais de invasores; como estamos recuperando as áreas degradadas pelos madeireiros; como estamos trabalhando nossas roças para melhorar nossa alimentação e proteger nossa floresta; o que vem dando certo nessas áreas, o que precisa melhorar, ser fortalecido, como nossas famílias estão vivendo de forma a não depender apenas de Bolsa família, como continuar respeitando nossa floresta. Com o aumento de ameaças e perseguições as nossas lideranças nas aldeias; nenhuma informação por parte da polícia civil sobre o inquérito policial que apura o assassinato de nosso parente Eusébio Ka’apor; nenhuma ação e manifestação da Funai sobre a criação dos Postos de Vigilância e Fiscalização para a proteção de nosso território conforme a Ação Civil Pública do ano passado e determinação judicial, decidimos paralisar no dia 30 de julho de 2015 a BR 316 no município de Nova Olinda do Maranhão para exigir desses órgãos maior atenção e proteção para nosso território e nosso povo. Mas, mesmo tendo apoio de pessoas da região, nacional e internacional sobre a ação que fizemos na BR 316, por ser justa e legítima, nenhum órgão do governo do Estado e Federal se manifestou de forma a responder nossas necessidades e situação de risco que estamos vivendo em nosso território. Os executores e mandantes do assassinato de Eusébio Ka’apor continuam soltos na região, intimidando e perseguindo nossas lideranças. Não vamos desistir de nossa luta em defesa e proteção de nosso território que é nossa vida.

Durante nossas conversas e reflexões em nosso Centro de Formação Saberes Ka’apor e Centro de Formação La Salle, avaliamos que a realidade brasileira não é favorável aos povos indígenas no Brasil. Muitos povos tem sofrido, seus direitos tem sido prejudicados, muitos parentes tem sido mortos por não ter mais território e nem perspectiva de viver. A gente acredita que essa realidade só mudará quando a gente deixar a nossa vida ser orientada pela nossa cultura originária, nossos saberes ancestrais e tradicionais, dialogando com os conhecimentos da cultura do não indígena que respeita nossa cultura e jeito de ser e viver. Como os não indígenas forçaram o contato com a gente, tomaram parte de nossos territórios no Brasil, ensinaram a cultura deles pra gente e exigem que a gente viva conforme as leis deles, nós exigimos que eles respeitem também nossa cultura, nossas leis e garanta que a gente viva em nossos territórios do nosso jeito. Pra isso, apresentamos algumas ideias, ações que a gente vem adotando, desenvolvendo, que pode garantir os nossos direitos no Brasil e melhorar a gestão de nosso projeto de vida em nosso território.

A seguir, conversamos sobre cada eixo e entendemos que para mudar a realidade dos povos indígenas no Brasil é necessário a gente continuar fazendo o que tem dado certo, o que tem fortalecido nossa autonomia e autodeterminação, e continuar exigindo mudanças na política do governo para a garantia de nossos direitos originários. Por isso, apresentamos algumas propostas:

No tema Territorialidade e o direito territorial dos povos indígenas:

  • fiscalizar e combater intensamente todas as formas de crimes contra a natureza.
  • garantir a regularização das terras indígenas que estão aguardando por esse trabalho, principalmente a demarcação de todas as Terras Indígenas do país, garantindo os territórios com relatório de identificação já publicado, como é o caso de nossos parentes Tupinambá da Terra Indígena dos Tupinambá de Olivença.
  • respeitar e garantir a regularização da Terra Indígena de nossos parentes Munduruku, assim como, as ações de autodemarcação que estão sendo realizadas em seu território.
  • retirar todas as ações judiciais contra a comunidade indígena Guarany Apyka’i. Suspenda imediatamente o uso de seguranças privadas no local. Cancele o contrato de arrendamento da área com a Usina São Fernando conforme estabelecido no TAC com o MPF para plantio de cana-de-açúcar e entre em acordo com a comunidade indígena para o uso da área, permitindo que as famílias indígenas vivam no local até que o grupo de trabalho da Funai realize os relatórios e inicie o processo de demarcação e processo de demarcação do Apyka’i.
  • garantir e regularizar os territórios e reconhecimento dos parentes Krenye, Gamela e Tremembé que foram expulsos de seus territórios originários.
  • que o governo cumpra a determinação judicial de implantação dos Postos de Vigilância e Fiscalização da TI Alto Turiaçu conforme o processo nº 2008.37.00.005728-5, para evitar a invasão pelos não indígenas, principalmente de madeireiros em nosso território indígena.
  • garantir e apoiar todas as ações e etapas de Gestão Territorial e Ambiental Indígena realizadas pelas organizações indígenas. Respeite as formas de nossas comunidades realizarem a proteção de nossos territórios evitando derrubadas, realizando fiscalização do nosso jeito para evitar grandes impactos e melhorar a proteção de nosso território.
  • que as populações indígenas possam ser escutadas e decidam sobre a implantação de empreendimentos e adoção de atos da Administração Pública com impacto direto ou indireto nas terras indígenas.
  • incentivar e apoiar a realização de Seminários permanentes de Vigilância e Proteção Territorial junto aos Povos Indígenas.

Nos Direitos individuais e coletivos dos povos indígenas

  • anular imediatamente das leis que fere nossos direitos constitucionais, como PEC 215, PEC 38, PEC 237, PLP 227, Portaria 303/AGU.
  • garantir efetivamente o acesso das comunidades indígenas aos programas de Atenção Básica, Média e Alta Complexidade de forma igual aos não indígenas.
  • criar e implantar nos Estados, Hospitais Federais para o atendimento de Média e Alta complexidade para a população indígena.
  • cancelar imediatamente o projeto de implantação e implementação do Instituto Nacional de Saúde Indígena (INSI).
  • criar, fortalecer e ampliar os CRAS Indígena com maior participação de profissionais indígenas.
  • criar imediatamente as categorias AIS, AISAN, Técnico de Saneamento Indígena com uma política de valorização salarial para o incentivo e qualificação profissional visando a qualidade da saúde indígena nas aldeias.
  • contratar intérpretes indígenas para todas instâncias e órgãos que se relacionam com a gestão da política pública para os povos indígenas, como os DSEIs, CASAIs, Polos Bases, CRAS e outros.
  • tornar de fato, democrático, transparente e participativo os Distritos Sanitários de Saúde Indígena como verdadeiros espaços de controle social indígena e não de interesses de grupos políticos locais.
  • garantir e efetivar políticas públicas de educação escolar indígena considerando a educação e formas de organização e cosmovisão de cada povo indígena.
  • criar, reconhecer e dar condições de funcionamento de Conselhos de Educação Escolar Indígena.
  • criar um Programa Nacional de Formação de Gestores e Técnicos Educacionais Indígenas com a gestão realizada pelos próprios educadores indígenas.
  • criar e apoiar o funcionamento de um Programa Nacional de Política Multilinguística para a valorização e ensino das línguas indígenas brasileiras.
  • apoiar e reconhecer as experiências de Ensino Médio Técnico Integrado no âmbito das SEDUCs e Institutos Federais no Brasil, como as experiências de Magistério Indígena, Agroecologia, Saúde e Meio Ambiente, Gestão Ambiental e outros.
  • incentivar e apoiar no âmbito das Universidades Federais, Universidades Estaduais e Institutos Federais a criação de cursos que respondam as necessidades e condições objetivas dos Povos Indígenas, como os cursos de Licenciaturas Interculturais e outros.
  • garantir Censo Nacional de educação específico para as escolas indígenas.
  • garantir igualdade salarial e remuneração igual ao piso nacional do magistério indígena com o reconhecimento dos títulos acadêmicos para fins de progressão salarial de profissionais indígenas.
  • realizar avaliação diferenciada das escolas indígenas.
  • estabelecer diretrizes nacionais para formação continuada em educação inclusiva, considerando as
    dificuldades e problemas de aprendizagens por educandos indígenas; as línguas de sinais específicas, braile, dislexia, autismo e demais necessidades especiais.
  • reconhecer e apoiar as experiências de educação escolar indígena e educação indígena que tem valorizado os projetos de vida de cada povo.
  • elaborar e efetivar um Programa Nacional para a formação permanente, com planos de carreira e acompanhamento pedagógico de gestores e técnicos indígenas para escolas indígenas.

Na Autodeterminação, participação social e o direito à consulta

  • Que o governo respeite e garanta os procedimentos de consulta prévia aos povos indígenas conforme o artigo 6º da Convenção 169, assim como, apoiar e respeitar as formas de consulta dos povos que já realizam, favorecendo a autodeterminação e protagonismo indígena.
  • Que o governo apoie e aprove a proposta do Ministério Público Federal de criação do Parlamento Indígena.
  • Criar uma comissão parlamentar indígena para acompanhar as propostas de leis que tratam sobre nossas questões no congresso nacional e nas assembléias legislativas.
  • Garantir o cumprimento do usufruto exclusivo pelos indígenas dos territórios indígenas conforme o previsto nas legislações indígenas.

Na Diversidade cultural e pluralidade étnica no Brasil

  • reconhecer as experiências em andamento nas comunidades indígenas de reprodução oral/comunitária sobre práticas culturais, tradições orais e saberes indígenas para formação de educadores indígenas, agentes de saúde e saneamento e agentes agroflorestais indígenas.
  • garantir a efetivação do protagonismo indígena no cumprimento da lei n° 11.645 nas escolas nãoindígenas.

No Desenvolvimento sustentável de terras e povos indígenas

  • considerar em todas as ações, programas e planos de defesa territorial e ambiental o princípio do Bem Viver a partir dos processos produtivos tradicionais de cada povo indígena.
  • incentivar, estimular e apoiar a rede de intercâmbios de sementes entre povos indígenas no Brasil.
  • financiar, apoiar ações que visem a soberania e segurança alimentar e nutricional de todos os povos indígenas.
  • garantir apoio permanente e segurança aos indígenas em ações de reflorestamento dos territórios indígenas degradados pela ação do agronegócio, projetos agropecuários, empreendimentos industriais e minerais e ação madeireira em especial com árvores nativas, frutíferas, com as metodologias e técnicas dos próprios indígenas para que venham gerar sustentabilidade ambiental de forma responsável para as famílias indígenas.
  • garantir o registro da produção indígena junto aos órgãos de meio ambiente e desenvolvimento agrário, assim como o selo orgânico.
  • reconhecer e ampliar as experiências de Educação e Formação a nível Fundamental e Médio de Agentes Indígenas Agroflorestais e Agroecologia.
  • incentivar, apoiar a criação de banco de sementes tradicionais gerenciados pelos próprios indígenas para a manutenção dos conhecimentos tradicionais agro-cultural de cada povo com a criação viveiros de espécies nativas para uso alimentar e medicinal.

No Direito à memória e à verdade

  • garantir o direito de propriedade intelectual aos povos indígenas evitando pelas vias legais o roubo de conhecimentos tradicionais.

 

Conselho de Gestão Ka’apor, Conselho das Aldeias, Conselho Político-Pedagógico do Centro de Formação Saberes Ka’apor, Guerreiros Ka’apor em Defesa da Floresta, Educadores e Gestores da Educação e Saúde Ka’apor, CTL Ka’apor, Lideranças Ka’apor.

Centro de Formação Saberes Ka’apor, 31 de julho de 2015.

“Tupan jande namõ ixo”

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