A morte do leão Cecil e as mortes anônimas do Brasil

Por Mônica Francisco*, no Jornal do Brasil

A imagem do leão Cecil, abatido no Zimbábue pelo dentista norte-americano Walter Palmer, de maneira ilegal, sádica e violenta, para satisfazer o “prazer” da caça e da dominação, circulou pelas redes sociais e demais mídias no mundo inteiro, causando indignação e mal-estar.

A imagem forte e deplorável, que intenciona mostrar a superioridade do homem branco, bem-sucedido, brandindo na cara da sociedade sua força e masculinidade, ao invés de admiração e inveja, teve o efeito contrário. Uma avalanche de mensagens e artigos em repúdio ao episódio encheram na mesma medida as mídias e suscitaram debates e reflexões sobre esta prática hedionda.

Não menos hedionda, a cena registrada em vídeo gravado por uma câmera acoplada ao uniforme de um policial, também norte-americano, branco, de Cincinnati (Ohio), em que ele atira sem piedade em Samuel Dubose,  um motorista negro, desarmado e sem condições de defesa.

Ray Tensing e Walter Palmer personificam o que há de pior no processo de sedimentação do que chamamos de supremacia branca, ou seja, a consolidação dos privilégios e a afirmação na prática cotidiana da superioridade dos brancos, sobre os demais.

Não se trata de comparar homens a animais, mas para mentes como as destes dois norte-americanos, que não são casos isolados ou personalidades desviantes, não há distinção entre uma e outra, ambas são passíveis de morte, não tem a mesmo direito à vida plena que eles. Trata-se de uma ação rotineira e internalizada há séculos em mentes e corações, de tal forma, que produz aberrações contínuas, como as que presenciamos diariamente.

Não podemos tratar  isoladamente os casos, porque para mentes como estas, as duas categorias não se diferem no valor que atribuem a elas. Nem as câmeras são capazes de frear algo tão vil, ou a satisfação nefasta.

Não há muita diferença do valor entre as vidas citadas acima para mentes como as de Tensing e Palmer(e que não são poucas). Sua atitude não se distancia das que levaram por aqui , negros a serem amarrados a postes, surrados e malhados  até a morte como Judas em perpétuos sábados de aleluia.

Cecil, Dubose, Cláudia, Sandra Blend, Cabula, Vigário Geral, Candelária, Ferguson, animal e homem, são as marcas, os símbolos desta tragédia secular, incrustada em nossa sociedade e em nossas instituições. A desumanização do diferente, por parte de alguns que se acham mais “humanos”, traz homens e mulheres negros e não-brancos, ao mesmo status de Cecil.

Ver Cecil (o leão) subjugado, agonizando, talvez traga mais sensibilização do que ver um homem, negro, nu em toda a sua totalidade(nu de humanidade, de perspectiva e de vida), ou uma mulher, negra, subjugada por nada, de forma violenta, morta, e ainda como no caso de Cláudia, ter seu corpo nu de vida, violado ao extremo.

Me recordo da frase de Carlos Drummond de Andrade, ao afirmar que “A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos. Por isso, não é à toa que  o segundo grande mandamento é amarmos uns aos outros. Pelo menos vale o esforço!”

A nossa luta é todo dia. Favela é cidade. Não aos Autos deResistência, à GENTRIFICAÇÃO, à REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL , ao RACISMO, ao RACISMO INSTITUCIONAL,ao VOTO OBRIGATÓRIO, ao MACHISMO, À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER e à REMOÇÃO!”

*Membro da Rede de Instituições do Borel, Coordenadora do GrupoArteiras e Consultora na ONG ASPLANDE.(Twitter/@ MncaSFrancisco).

Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.

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