Por Giusti em Maxpress
Comentários racistas contra a jornalista Maria Júlia Coutinho no Facebook se transformaram em outdoors e busdoors nas regiões onde vivem os ofensores. O objetivo da ação é impactar a população e conscientizá-la sobre os efeitos da injúria racial na web.
Comentários racistas virtuais geram consequências reais? Segundo a Criola, organização da sociedade civil que atua a partir da defesa e promoção de direitos das mulheres negras, este questionamento já se tornou uma afirmação há muito tempo. Para demonstrar isso na prática, a ONG desenvolveu uma ação nacional que tem como objetivo chamar a atenção da população, dar mais força ao debate sobre o racismo na web e provocar a reflexão sobre esta realidade.
A iniciativa desenvolvida pela Criola iniciou a partir dos comentários ofensivos à jornalista Maria Júlia Coutinho, a Maju, no Facebook. O episódio foi útil para a sociedade brasileira voltar a refletir sobre o racismo e se questionar porque ele ainda sobrevive num país miscigenado como o nosso. Mas a discussão sobre racismo na internet ainda está longe de terminar.
Para dar continuidade ao debate, a ONG fez um mapeamento dos comentários racistas feitos à jornalista e localizou as cidades onde os ofensores vivem. Por meio de uma parceria com empresas de mobiliário urbano, a Criola criou outdoors e busdoors com os comentários, que foram montados nas principais ruas e avenidas das cidades mapeadas. Com a mensagem “Racismo virtual. As consequências são reais.”, a ação tem o objetivo de impactar a população e conscientizá-la sobre os efeitos de um comentário infeliz na internet.
Os outdoors estão expostos nas cidades de Americana (SP) e Feira de Santana (BA) e ainda há busdoors nos ônibus que circulam por Recife (PE).
Endereços dos outdoors:
Americana (SP) – Vila Cordenonsi, Rua Carioba – Passando Balão Sentido Indústrias.
Feira De Santana (BA) – Rua José Falcão Da Silva, Centro.
A Campanha foi para as ruas por ocasião do Dia da Mulher Negra da América Latina e do Caribe e Dia de Tereza de Benguela – 25 de Julho. E destaca também a mobilização das mulheres negras brasileiras para a Marcha até Brasília, que realizarão em 18 de novembro, com o slogan “Contra o Racismo e a Violência e pelo Bem Viver”.
A discussão
Muitas pessoas pensam que a internet é um território livre, onde todos podem manifestar tudo o que pensam com tranquilidade, sem se preocupar com os efeitos provocados por aquilo que escrevem. Porém, cada vez mais essas atitudes estão gerando consequências para seus autores, seja por meio da legislação ou da exposição do comentário para o julgamento de todos.
O crime de injúria racial está previsto no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal, e também é aplicado à internet. Entretanto, a noção de ética e cidadania no mundo virtual ainda é muito fraca. De acordo com Jurema Werneck, fundadora da ONG Criola, ainda que o Marco Civil privilegie a liberdade de expressão, o regulamento da internet também garante que todos os direitos fundamentais sejam respeitados. “Racismo é crime segundo a Constituição brasileira. E, no caso das ofensas à Maju, os agressores infringiram a lei e, pior, a honra e dignidade das mulheres negras”, destaca.
Outro ponto relevante é que não são apenas os autores das injúrias que podem ser responsabilizados criminalmente. Os tribunais estão mais sensíveis aos comportamentos daqueles que “compartilham e curtem” as ofensas.
Números sobre o racismo
De acordo com a Seppir (Secretaria de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial), secretaria do governo federal com status de ministério, o número de denúncias de racismo dobrou nos últimos anos. Em 2011, a ouvidoria do órgão recebeu 219 denúncias. Em 2012, esse número pulou para 413 e, em 2013, chegou a 425, praticamente o dobro dos registros de 2011. Contudo, os registros de denúncias de injúria racial e racismo cresceram na mesma proporção em que a população se mostrou mais encorajada a denunciar, o que pode ser atribuído ao aumento da confiança e a da conscientização da população. Outro ponto é a ascensão da classe mais pobre da sociedade, não só em questões econômicas. As pessoas não estão mais aceitando esse tipo de agressão.
Apesar do aumento, são poucos os casos que chegam às instâncias superiores da Justiça, como o STF (Supremo Tribunal Federal). Em sua grande maioria, as vítimas preferem fazer acordos com os agressores ainda na Justiça de primeira instância. São necessárias mais políticas públicas afirmativas para diminuir a distância entre brancos e negros. As denúncias ainda são a melhor forma de combater essas ações discriminatórias.
O número de denúncias de racismo e preconceito de origem disparou em 2014, segundo relatório da ONG SaferNet. Mais de 86,5 mil casos de ódio a negros e outras etnias foram relatados em 17.291 sites, aumento de 34,15% em relação a 2013. As páginas denunciadas por todos os tipos de crime somaram 58,717, ou 8,29% mais do que no ano anterior. Delas, algo mais que 7 mil foi retirado do ar.
As eleições presidenciais e a Copa do Mundo tiveram forte influência nos números, segundo a ONG. Para além dos picos relacionados ao evento, o que a explosão no número de denúncias evidencia é o preconceito social e racial profundamente arraigado entre os brasileiros, avaliam especialistas no problema. “O fenômeno das redes sociais jogou luz sobre um comportamento que sempre existiu no Brasil. Antes da internet era mais fácil ocultar o racismo, mas a rede ecoa essa faceta da nossa sociedade. Os internautas precisam entender que a liberdade de expressão tem limites, e um deles é a lei que define os crimes de preconceito”, diz a fundadora da ONG.
O cenário preocupante leva a SaferNet e a Polícia Federal a desenvolver estratégias para monitorar a rede. Durante os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, haverá uma coordenação especial para coibir crimes cibernéticos, sobretudo associados a tráfico de pessoas e xenofobia. Tudo isso para que os internautas comecem a perceber que há punição em tais situações. O aparente anonimato não existe, nem mesmo na web profunda. Ano passado, 126 pessoas foram presas em flagrante, contra apenas 47 em 2012.