“A gente só pode ‘ser’ aqui, no lugar onde sempre vivemos”
Quinze famílias da comunidade indígena Apika’y na região centro-oeste do Brasil serão despejadas à força no início de agosto caso uma decisão judicial pela Justiça Federal de Dourados, emitida em 21 de maio, seja levada adiante.
O despejo forçado da comunidade Apika’y, que faz parte dos Guarani-Kaiowá, está prevista para o início de agosto. A comunidade recebeu inicialmente uma notificação com antecedência de apenas 10 dias sobre a decisão de expulsá-la, não foi consultada e não lhe foi oferecida qualquer alternativa de alojamento. Isto significa que a operação prevista será um despejo forçado, o que é ilegal sob a lei internacional e contrária às obrigações de direitos humanos do Brasil.
Também conhecida como Curral do Arame, a comunidade Apika’y tem vivido acampada em menos de 5 hectares de terra na margem de uma rodovia (BR-463), no Mato Grosso do Sul pelos últimos 14 anos, entre Dourados e Ponta Porã, perto da fronteira com o Paraguai. A comunidade está localizada entre uma grande monocultura de cana de açúcar e uma pequena faixa de mato onde um córrego contaminado com agrotóxicos é sua única fonte de água. Nos últimos quatro anos, oito membros da comunidade morreram em acidentes de carro, devido à proximidade com a rodovia.
A comunidade está aguardando uma decisão muito atrasada em sua reivindicação por um território mais vasto que corresponde a suas terras ancestrais, como parte de um programa nacional de demarcação de terras dos Povos Indígenas. A decisão de 21 de maio revogou liminar datada de 18 de dezembro de 2014 emitida por uma juiza do Tribunal de Justiça Federal de Dourados, que exigiu do Estado a compra de 30 hectares de terra com base no artigo 26 da Lei nº 6001/73 para a comunidade, como uma medida temporária, enquanto se aguarda o resultado do processo de demarcação. Se os 30 hectares de terra fossem comprados, as famílias poderiam esperar a demarcação de seu território em condições básicas de segurança, justiça e qualidade de vida. Como resultado desta decisão judicial, a comunidade seria despejada à força e acabaria desabrigada.
Em 9 de julho de 2015, uma reunião entre a Polícia Federal, Ministério Público Federal e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) resultou em um acordo de esperar duas semanas antes de realizar o despejo . Em 15 de julho o Ministério Público Federal do estado apelou contra a decisão judicial contra a comunidade Apika’y. Os povos indígenas têm direito ao consentimento livre, prévio e informado sobre todas as decisões importantes que afetam suas vidas, incluindo remoções e realocações.
Informações complementares
De acordo com o Ministério Público Federal do Mato Grosso do Sul, as condições de vida no campo onde está a comunidade indígena são precárias. O Ministério Público afirmou que os membros da comunidade vivem em “barracos construídos com lonas plásticas, pedaços de madeira e qualquer material encontrado nas imediações, que não protegem contra o frio nem o calor. Não há instalações sanitárias nem acesso a energia elétrica e água potável. Para cozinhar, tomar banho e lavar roupas é utilizado um riacho próximo ao acampamento. Atendimento médico é realizado sem periodicidade e não há qualquer outra presença do Estado para estes brasileiros. A pequena faixa de terra ao largo da rodovia não permite que se plante nada. Os indígenas dependem unicamente das cestas básicas distribuídas pela Funai .”
Um relatório de 2009 sobre a comunidade Apika’y publicado pelo Ministério Público Federal afirmou que ““crianças, jovens, adultos e velhos se encontram submetidos a condições degradantes e que ferem a dignidade da pessoa humana. A situação por eles vivenciada é análoga à de um campo de refugiados . É como se fossem estrangeiros em seu próprio país “.
De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a líder da comunidade, Dona Damiana, e seu povo Guarani-Kaiowá estão atormentados pelo prazo dado pelas autoridades locais para a remoção. A comunidade recebeu aviso prévio de apenas 10 dias até a data em que Polícia Federal chegaria para despejá-los à força e expulsá-los de seu território tradicional. Dona Damiana afirmou que os membros da comunidade não vão sair, dizendo que a “‘Justiça e governo não entenderam que nosso povo nunca vai deixar suas terras para trás.A gente só pode ‘Ser’ aqui, no lugar em que sempre vivemos. . Vamos continuar a morrer e nascer lutando por nossas terras”.
O processo de demarcação das terras ancestrais da comunidade Apika’y ainda está pendente. Estudos, incluindo a identificação da área que já é reconhecida pela FUNAIcomo uma área indígena, foram interrompidos.
A Anistia Internacional faz campanha pela proteção dos direitos da comunidade Apika’y há muitos anos, incluindo como parte da campanha anual Escreva por Direitos no Brasil, em uma Ação Urgente de novembro de 2011, quando um dos líderes da comunidade foi assassinado e seus parentes ameaçados, e em uma Ação Urgente de setembro de 2013 denunciando violações contra a comunidade (https://www.amnesty.org/en/documents/AMR19/008/2013/en/).
Você ainda pode mandar seus apelos por carta, para os seguintes endereços:
Presidente da Fundação Nacional do Índio (FUNAI)
Sr. João Pedro Gonçalves da Costa
SBS – Quadra 02 Lote 14 Ed. Cleto Meireles 70.070-120
Brasília/DF, Brasil
Saudação: Exmo Sr. Presidente
Ministro da Justiça
Exmo. Sr. José Eduardo Martins Cardozo
Esplanada dos Ministérios, Bloco “T” 70.712-902
Brasília / DF, Brasil
Fax: +55 61 2025 7803
Saudação: Exmo. Senhor Ministro
Cópias para:
Conselho Indigenista Missionário (CIMI) Regional Mato Grosso do Sul
Av. Afonso Pena, 1557 Sal um Bl 208.B 79002-070
Campo Grande/MS – Brasil
Nome: Quinze famílias da comunidade indígena Apika’y
Gênero m/f: ambos
UA: 163/15 Index: AMR 19/2151/2015 Issue Date: 27 July 2015
Veja aqui o texto do email que será enviado:
Exmo Sr. Presidente,
Exmo. Senhor Ministro,
Quinze famílias da comunidade indígena Apika’y, também conhecida como Curral do Arame, serão despejadas à força no início de agosto caso uma decisão judicial pela Justiça Federal de Dourados, emitida em 21 de maio, seja levada adiante.
A comunidade tem vivido acampada em menos de 5 hectares de terra na margem de uma rodovia (BR-463), no Mato Grosso do Sul pelos últimos 14 anos, entre Dourados e Ponta Porã, perto da fronteira com o Paraguai.
A decisão de 21 de maio revogou liminar datada de 18 de dezembro de 2014 emitida por uma juíza do Tribunal de Justiça Federal de Dourados, que exigiu do Estado a compra de 30 hectares de terra com base no artigo 26 da Lei nº 6001/73 para a comunidade, como uma medida temporária, enquanto se aguarda o resultado do processo de demarcação.
Peço urgentemente que:
- Não despejem à força a comunidade Apika’y e que não ocorram remoções sem as garantias jurídicas e processuais adequadas, incluindo aviso prévio adequado, consentimento livre, prévio e informado, e fornecimento de alojamento alternativo;
- Destinem temporariamente terra adequada para a comunidade Apika’y, enquanto aguardam a conclusão do processo de demarcação;
- Seja concluído o processo de demarcação de terras ancestrais de Apika’y, de acordo com as propostas e as necessidades da comunidade e em conformidade com a Constituição brasileira.
Atenciosamente,
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Imagem: Dona Damiana. Crédito: Anistia Internacional