Só a demarcação não basta para dar posse das terras às famílias. Entidades estão criando atalhos para isso
Ailton Dias*, Época
A criação de reservas extrativistas (Resex) na Amazônia é uma maneira de assegurar os direitos territoriais de populações que ocupam tradicionalmente essas áreas, certo? Não é bem assim. Essa garantia é apenas parcial pois problemas fundiários não são resolvidos com a criação das reservas. Isso é o que mostra uma publicação recente do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) que também identifica instrumentos jurídicos para a regularização dessas áreas e caminhos para levar a cidadania às comunidades extrativistas.
Quando o governo federal decreta uma resex, reconhece que as famílias ali residentes têm direito ao uso da terra e de seus recursos naturais. Mas a terra continua pertencendo aos titulares originais. Ou seja, órgãos do governo federal, como o Incra e a Secretaria do Patrimônio da União, governos dos estados, pessoas físicas ou pessoas jurídicas.
Criar uma reserva extrativista é apenas indicar que, futuramente, a situação fundiária poderá ser regularizada. Aí então, essas terras serão repassadas oficialmente para o órgão gestor. É apenas depois dessa etapa que as famílias ocupantes de uma resex terão um Contrato de Concessão de Direito Real de Uso.
Esse processo todo é extremamente lento e burocrático, podendo se arrastar por décadas sem solução. A consequência é que famílias extrativistas são excluídas social e economicamente. Sem documentos para comprovar o direito às terras, não acessam programas de crédito rural e não conseguem investir na produção agrícola e melhoria da situação econômica. Também não podem contar com programas como o Minha Casa Minha Vida Rural.
Em que pese a gravidade da situação e seu impacto negativo sobre a vida das comunidades extrativistas das Resex, os governos estaduais e federal têm postergado a resolução dos problemas. Os órgãos fundiários são inoperantes, não têm conseguido implementar ações efetivas de regularização fundiária e garantir os direitos das comunidades.
Uma experiência recente no Amazonas reacendeu as esperanças da população extrativista: o Fórum Diálogo Amazonas – regularização fundiária urgente. Mobilizado pelo Conselho Nacional das Populações Extrativistas, Comissão Pastoral da Terra e o IEB, é um espaço de negociação entre os grupos que demandam a regularização fundiária em resex e flonas e os órgãos fundiários estaduais e federais. E, com a mediação do Ministério Público Federal e assessoria jurídica da Procuradoria Geral do Estado do Amazonas, o fórum também é uma força tarefa com o objetivo de criar mecanismos e instrumentos jurídicos e operacionais.
Depois de dois anos de intenso trabalho e reuniões, os resultados começaram a aparecer. Em junho de 2014 o governador José Melo (Pros-AM) assinou os Contratos de Concessão de Direito Real de Uso em nome de associações comunitárias de seis resex do Amazonas. Assim, o Estado concedeu suas terras para usufruto das comunidades e beneficiou mais de 1.400 famílias em 2,3 milhões de hectares de florestas. As lideranças extrativistas optaram por um mecanismo de regularização de caráter coletivo e de tempo indeterminado, diferente dos instrumentos usados até então pelo governo estadual: que eram individuais e com validade de cinco anos.
A conquista dos primeiros contratos representaram a consolidação dos instrumentos e parâmetros jurídicos para a regularização fundiária no Amazonas. Agora, as organizações estão engajadas em uma nova rodada de negociações para estender os contratos a outras quatro resex e seis flonas, que envolverão a concessão de glebas federais e estaduais. E, motivadas pelos resultados, as lideranças extrativistas estão demandando a regularização das unidades de conservação estaduais, que até então não foram consideradas nas negociações.
A mensagem das organizações que compõem o fórum é clara: os problemas fundiários na Amazônia só podem ser resolvidos com a coordenação de esforços e a colaboração técnica e política de diversos entes governamentais. Para isso é necessário a atuação consistente de um terceiro ator capaz de exercer o papel de mediação e pautar a construção de alternativas e soluções concretas. E neste caso, o ator tem sido o Ministério Público Federal. Nada disso, no entanto, pode florescer sem a participação qualificada das organizações da sociedade civil que alimentam o processo de negociação com informações e propostas objetivas.
*Ailton Dias é coordenador do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB).
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Imagem: Ribeirinhos no rio Purus, no Amazonas. A demarcação de reservas extrativistas não basta para que essas comunidades tenham os títulos de terra (Foto: Francivane Fernandes/IEB)
Enviada para Combate Racismo Ambiental por Henyo Trindade Barretto Filho.