Delito não prescreve nem aceita fiança, mesmo assim os 22 presos de janeiro a maio estão nas ruas
Mais uma vez, o Brasil voltou a discutir o racismo após uma série de ataques à jornalista Maria Júlia Coutinho, a Maju do Jornal Nacional, no fim da semana passada. As ofensas, postadas na internet por cerca de 50 pessoas, também “questionavam” a presença de negros na TV. Apesar de o racismo ser um crime imprescritível e inafiançável, com pena de até cinco anos de detenção, todas as 22 pessoas conduzidas de janeiro a maio deste ano por essa situação às unidades prisionais mineiras ganharam as ruas, segundo a Secretaria de Estado de Defesa Social.
Para alguns especialistas, essa realidade pode ser explicada pelo fato de autoridades policiais e judiciárias tenderem a classificar os casos como injúria, que prevê sentença menos rigorosa. “O que está acontecendo é que muitas vezes deturpam as ofensas para aquilo parecer injúria. Como, por exemplo, quando o agressor generaliza o preconceito, mas na ocorrência é relatado como um preconceito pessoal. Nesse caso, sai de racismo para injúria”, explica Vera Lúcia Katia Sabino Gomes, presidente da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil seção Minas (OAB-MG).
Segundo ela, por ser um delito com pena inferior a três anos (que já não levaria à cadeia) e aceitar o pagamento de fiança, a injúria é mais aplicada. A diferença entre os dois, além de outros itens, está no direcionamento das ocorrências. No racismo, a ofensa ocorre a um número indeterminado de pessoas, enquanto a injúria é direcionada.
A opinião de Vera é compartilhada pela subsecretária de Estado de Promoção da Igualdade Racial, Cleide Hilda de Lima Souza. “Isso acontece sim, e ao meu ver, acontece muito pela falta de informação das próprias vítimas desses crimes e também até da polícia”.
Vera ainda ressalta que os delitos de racismo só serão respeitados quando forem encarados como “algo sério”. “Esse fato de não haver ninguém preso em Minas por racismo não me chama a atenção. Vivemos um preconceito velado, em que se finge que esse crime não existe, apesar de casos e mais casos acontecerem”.
Divergência
Contudo, a juíza Luziene Barbosa, convocada para atuar na 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, contesta essa tese e ressalta que tudo depende das provas coletadas durante o inquérito. Ela ressalta ainda que, mais do que cobrar penas mais duras, é necessário conscientização. “Entendo que não é com pena exacerbante que se coíbe a prática de delitos, e sim com educação e conscientização”.
Para Guilherme Alberto Marinho Gonçalves, professor de direito penal da PUC Minas, injúria e racismo não têm penas brandas, sendo mais rigorosas do que lesão corporal, com três meses a um ano de prisão. “A aplicação da sentença vai depender de cada juiz e de cada caso. Mas, na lei, eles (racismo e injúria) preveem maior pena do que muitos outros delitos”.
Omissão da vítima também é estudada pela Polícia Civil
Outro fato chama a atenção e interfere nesse cenário de aparente impunidade: muitas vezes, a vítima não dá sequência à denúncia do crime. O “deixa pra lá” das vítimas está sendo alvo de estudo da Polícia Civil para entender o motivo de algumas ocorrências não evoluírem para investigação. O Núcleo de Atendimento a Vítimas de Crimes Raciais e de Intolerância (NAVCRADI), subordinado à corporação, analisou 90 boletins de ocorrência registrados no primeiro semestre deste ano em Minas a partir da palavra “racial” e constatou que a maioria parou à espera do depoimento da vítima. Assim, delegados não deram sequência à apuração.
“A gente não sabe o que está ocorrendo. Se é falta de conhecimento da lei ou por outras questões. Mas temos que alertar essas pessoas sobre a importância do testemunho delas. Porque só com essa conscientização e a punição é que poderemos diminuir o número desses crimes”, afirmou Cristina Coeli, delegada responsável pelo núcleo, que ressaltou ainda realizar a pesquisa. A previsão de término do levantamento é no fim deste mês.
Embate
A policial também nega que haja divergência de entendimento no caso de injúria e racismo e, segundo ela, a lei é clara ao definir os dois crimes. Mesmo havendo a discordância de pensamentos para explicar os motivos da não manutenção de presos por racismo, é importante fundamentar bem o processo dos crimes para não haver dúvidas.
Conforme a juíza Luziene Barbosa Lima, da 6° Vara Criminal da capital, as vítimas precisam levantar, no caso de ofensa verbal, prova testemunhal, gravação ou qualquer meio de confirmação desse fato. Se foi por escrito, é necessário o documento.
Foto: Para juíza de BH, é preciso mais educação
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.