“A Europa não fala grego, que fala gringo”. Este verso de J. Bergamín encaixa hoje como luva na mão. Gringo é a palavra que serviu para designar o pior dos Estados Unidos, quando se corrompeu o original e esperançoso “sonho americano” convertendo-se em sonho imperialista.
A reportagem é de José González Faus, teólogo jesuíta, e publicado no seu blog Miradas Cristianas, 04-07-2015. A tradução é de André Langer.
Que a Europa renunciasse a explicitar suas “raízes cristãs” podia ser compreensível por respeito à pluralidade. O terrível é que, com essa renúncia aparentemente laica, a Europa abandonou suas raízes europeias. A “liberdade-igualdade-fraternidade” converteu-se em outra troika cheia de “Ps”: “Propriedade-Pressa-Pensamento único.
A única liberdade é aquela proporcionada pelo dinheiro. Esse enriquecimento buscado quanto antes e a toda velocidade, é lógico que aniquila qualquer igualdade. E, para defender essa dupla meta, um pensamento único econômico que amordaça todas as diversidades assassinando qualquer indício de fraternidade. O melhor exemplo disso é a conduta da Europa com a Grécia, que economistas do porte de Vicenç Navarro qualificam de “terrorismo financeiro”. A Antieuropa.
Grandes economistas do momento (Krugman, Stiglitz, Piketty ou, na Espanha, V. Navarro e Torres-López) argumentam que o problema da Grécia é mais político que econômico. Algo disso sugere este dado pouco publicado: entre tantos cortes impostos à Grécia, nunca se pediu uma redução do gasto militar (excessivo, além disso, naquele país). Parecia elementar! Mas acontece que a Alemanha e a França são os maiores fornecedores de armas para a Grécia… O Syriza foi o primeiro a fazer essa proposta, criando uma inimizade com os militares gregos. Que curioso!
O problema é político, não econômico. E creio que se reduz a este dilema: por um lado, a Europa não quer que a Grécia saia do euro. Não por razões de solidariedade, mas porque isso daria razão àqueles que criticaram, como precipitada e economicista, a criação da moeda única antes do tempo. Por outro lado, a Europa não pode tolerar que posturas contrárias a essa política de “austeridade para os mais pobres” e sem poder desvalorizar a própria moeda, acabem triunfando e deixem em evidência todos estes anos de ditadura financeira, onde outros governos dóceis cobriam sua covardia de obediência (como nas brigas entre colegiais)…
Este é o problema europeu: político, mais que econômico. O Syriza não pode triunfar de modo algum, porque isso tiraria as cores de oito anos de neoliberalismo cruel. Portanto, é necessário desacreditá-lo e humilhá-lo, negando inclusive voz e espaço a tantos que pensam como eles e substituindo toda argumentação por esses qualificativos de “rapidez”, “irresponsabilidade”… tão bem sonoros como mal aplicados. Por outro lado, se a Grécia sai do euro, parecerá que é puramente uma decisão absurda sua, contrária à vontade europeia. Daí a baixeza moral do senhor Junker proclamando que o referendo convocado pelo Syriza era para decidir a saída ou a permanência na zona do euro. Por favor!
Sem chegar a tanto, objeta-se que os gregos não são capazes de decidir sobre algo tão complicado. O mesmo argumento que os governos europeus deram para que Constituição (ou o Tratado de Lisboa) não fosse votada pelos povos, mas pelos parlamentos! O mesmo argumento que, no começo do século passado, se esgrimia para se opor ao sufrágio popular e ao voto da mulher: “na democracia só podem votar aqueles que são bem capacitados”.
E aconteceu que esses “capacitados” eram só os poderes econômicos. Embora depois, esses tão entendidos se surpreendam ao saber que eram espiados pelos Estados Unidos, e convoquem os seus embaixadores. Surpresa, por quê? Trata-se de algo que era uma evidência para qualquer um que saiba o que são os atuais Estados Unidos, que já não conhecem sócios nem amigos, mas apenas lacaios de seus interesses imperialistas.
Acrescentemos que o acima exposto é a visão dos moderados. Outros mais radicais ou inclinados a ver conspirações em todas as partes sustentam (na linha de Naomi Klein) que, uma vez que a Grécia estivesse fora do euro, os especuladores financeiros começariam a criar problemas parecidos em Portugal, na Itália, na Espanha… até que tenham expulso do euro todos os “porcos” (PIGS: Portugal, Italy, Greece, Spain…) e fique por fim com um “euro ariano” para todos os que são por natureza superiores. Não sei se é assim, mas parece ser. E “se non è vero, è ben trovato”.
A Europa sempre soube que a dívida da Grécia era impagável; mais impossível era então a imposição de pagar a dívida e, ao mesmo tempo, recuperar a economia. A Europa sabe também que a maior parte das “ajudas” dadas à Grécia não ficava ali, mas que era destinada para pagar os bancos europeus, alemães sobretudo. Era evidente que assim nunca se resolveria o problema grego, nem mesmo que a economia se recuperasse. Talvez por isso não se permitiu fazer uma auditoria da dívida que, em boa parte, é ilegítima e injusta, e situá-la em seus justos limites como soube fazer o Equador (ganhando as iras de todas as vozes oficiais). Era preciso evitar que o exemplo do Equador se espalhasse.
Estas linhas não querem desculpar a Grécia, que tem também suas culpas já suficientemente expiadas pelos menos culpados (crianças, idosos, doentes…). Também não tratam de justificar todas as decisões de Tsipras em um jogo de xadrez tão difícil, contra inimigos mais fortes. Procuro apenas expressar a minha vergonha pela reação da Europa diante dessa Grécia culpada, muito diferente de quando a Alemanha e a França extrapolaram o teto do déficit sem que nada acontecesse nem se apelasse a que “os compromissos devem ser cumpridos”.
Miguel Delibes concluiu seu discurso de posse na Academia, citando uma música: “parem a terra, quero apear”. Eu quisera dizer: parem esta Europa, porque eu quero descer.
P.S.: Vê-se aí a dificuldade do próximo referendo. A Grécia se parece à mulher que só tem duas saídas: render-se e entregar-se aceitando ser abusada, ou resistir ser abusada correndo o risco de morrer torturada. Conhecendo a massa humana, o normal é que triunfe a primeira hipótese, por mais triste que seja.