O conflito pelo reconhecimento das pescadoras e pescadores artesanais do Paraná, enquanto grupo étnico culturalmente diferenciado, ganha novo capítulo com precedente histórico para os povos e comunidades tradicionais do Paraná.
Por Assessoria de Comunicação Terra de Direitos
Criado sem participação popular, em 1989, o Parque Nacional do Superagui, localizado no município de Guaraqueçaba, no litoral norte do estado do Paraná, é epicentro de conflitos socioambientais entre pescadores artesanais e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Por ser uma Unidade de Conservação de Proteção Integral, a atuação do órgão ambiental, historicamente, é no sentido de ampliar os limites da Unidade de Conservação através da criação de obstáculos para as populações locais. Assim, impossibilitam que essas comunidades permaneçam em seus territórios tradicionalmente ocupados e inviabilizando sua reprodução cultural.
Apesar de existir há mais de 20 anos, o Parque Nacional do Superagui, ainda não tem Plano de Manejo – documento que define as atividades que podem e não podem ser desenvolvidas dentro da Unidade de Conservação. Segundo os próprios gestores, essa é uma das causas das dificuldades para os pescadores artesanais.
Em 2013 os gestores do Parque Nacional iniciaram um processo de construção do Plano de Manejo sem que os pescadores e pescadoras artesanais fossem ouvidos e pudessem apresentar suas propostas. Na época, chegaram a entregar dois documentos com mais de 400 páginas descrevendo como estava sendo construído o futuro do parque juntos aos pescadores artesanais.
No final do mesmo ano, com o grito “Na terra ou no mar, nós vamos lutar!”, o Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Paraná (MOPEAR), realizou um encontro para discutir as violações de direitos humanos provocadas pelas Unidades de Conservação de proteção integral em territórios de comunidades caiçaras, de pescadoras e pescadores artesanais no Paraná.
O evento contou com a presença do Coordenador Regional do ICMBio, Rodolpho Antunes Mafei , gestores do Parque, deputados, representantes das Defensorias Públicas da União e do Estado do Paraná e outras autoridades, além de mais de 500 caiçaras e pescadores e pescadoras artesanais.
Mesmo diante das denúncias realizadas, o ICMBio afirmou que a Convenção 169 da OIT não era aplicável no Brasil, que os direitos que estavam sendo pleiteados não existiam e que a participação na construção do Plano de Manejo era uma concessão do ICMBio e não uma obrigação legal. Foi travada uma verdadeira batalha para garantir a participação social na elaboração de referido documento.
Recentemente, as Defensorias Públicas do Estado (DPPR) e da União (DPU) ganharam liminar em ação civil pública ajuizada no dia 26 de maio, por Guilherme Roman Borges, juiz federal substituto da Vara Cível Federal da Subseção de Paranaguá, vinculada ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Segundo a determinação, o Instituto agora terá que disponibilizar às instituições e aos pescadores tradicionais os documentos e estudos do Plano de Manejo do Parque Nacional, bem como a garantir sua efetiva participação no processo de construção do Plano.
Trata-se de um histórico precedente judicial para os pescadores artesanais do Paraná, já que é a primeira vez que eles têm o direito de participar, na qualidade de comunidade tradicional, das decisões que envolvem seu território. Quem afirma isso é Cláudio de Araújo Nunes, pescador da comunidade de Superagui e um dos líderes do MOPEAR.
Cláudio tem 44 anos, trabalha com pesca há 36 e obteve sua carteira de pesca há 25 anos. Ele conta que a relação dos moradores da comunidade de Superagui com o Parque Nacional é praticamente inexistente. Segundo ele, em conversa com a Terra de Direitos, quando o Parque foi criado, praticamente foi tirada a cultura, o modo de vida e os direitos dos moradores locais.
Além das críticas ao ICMBio, Cláudio contou como surgiu o MOPEAR e comentou a vitória dos pescadores na justiça. Confira a entrevista completa:
T.: O que é o MOPEAR?
C.: O Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Litoral Paranaense nasceu na comunidade de Superagui, em 2008, através de uma conversa de alguns pesquisadores da Rede Puxirão e pescadores da comunidade relatando os conflitos que existiam lá. Daí então os pescadores foram convidados a participar das reuniões da Rede Puxirão, e a partir de então surgiu o movimento.
Surgiu pra fazer denúncias e pra gente tentar se organizar, por que temos vários conflitos, não só com o Parque Nacional, mas também com os barcos industriais que vêm por alto mar, de São Paulo, de Santa Catarina, etc, invadindo o litoral do Paraná e levando nossas pescarias. Então a gente começou a se organizar pra ver se conseguimos fazer um ordenamento de pesca no mar e também reivindicar o nosso território.
Organizando nossos pescadores iremos lutar para a retomada do nosso território, por que nós estamos praticamente perdendo nosso território. Perdemos nosso território em terra pro Parque Nacional e pra várias outras Unidades de Conservação, Unidades de Preservação Permanente, integral, etc, que estão se criando. E pelo mar a gente vai perdendo o território pros próprios barcos industriais que vem não respeitam lei, não respeitam milha, não respeitam nada, vão nos abocanhando e levando nossa pescaria. Então o movimento surgiu daí, pra organizar, reivindicar e denunciar também.
Temos até um grito de guerra, “Na terra ou no mar, nós vamos lutar!”
T.: Qual a relação da comunidade com o Parque Nacional?
C.: Não existe relação. Quando o Parque foi criado, praticamente foi tirada a cultura, o modo de vida e os direitos dos moradores locais. Começou proibindo a construção de roça, antes éramos caiçaras, hoje só pescadores, por que não podemos mais caçar, tem essa proibição.
E eu acho que depois da criação do Plano de Manejo no Parque, a gente vai perder o restinho direito que a gente têm, e isso vai acontecer por que não somos ouvidos e nossas reivindicações não são levadas em consideração.
T.: Como está se dando a criação do Plano de Manejo?
C.: Não está, por que não foi construído ainda. O parque tem 25 anos de existência e até hoje não existe um Plano de Manejo. Ainda bem, por que se existisse a maioria das comunidades não estaria mais lá. Algumas delas têm pouca gente, mas ainda existem. Bravamente estão resistindo em suas comunidades.
Mas tem muitas que não existem mais, tipo o Saco do Morro, Rio dos Patos, Laranjeira que está só com 7 famílias, a Vila Fátima que também já está só com 8 famílias, todas eram comunidades grandes e hoje não existem mais.
E a maioria dos moradores da nossa comunidade, devido ao Parque Nacional , estão morando em Paranaguá, alguns foram pra Guaraqueçaba, a maioria deles na Ilha Valadares , então estão todos assim, uns vêm e conseguem se acertar na vida, conseguem um emprego e conseguem sobreviver. E uns outros vêm só pra sofrer mesmo. E sofrem por que eles sabem é pescar, trabalhar na roça, e aí a partir do momento que eles passam a morar em Paranaguá eles precisam ter estudo pra conseguir um emprego e a maioria deles não consegue.
E o Plano de Manejo, começaram a fazer dentro do Conselho. E nesse Conselho eram chamados alguns representantes de algumas comunidades. Mas eram representantes que iam sem noção do que estavam fazendo ali. Eles vão lá representar, assinar a lista de presença na verdade, como é um “Plano participativo”. Mas até os conselheiros, se você perguntar pra eles, não sabem o que um Plano de Manejo.
Então como que esses conselheiros vão passar para suas comunidade o que é um Plano de Manejo, se nem eles sabem? Por que a ICMBio queria isso, que ninguém soubesse o que é, que a comunidade não soubesse pra que eles pudessem dizer que é uma coisa boa pra comunidade. No fim, através dos movimentos, a partir de 2010, que a gente começou a participar do conselho, acabamos descobrindo o que é o Plano de Manejo.
De lá pra cá a gente foi vendo que a intenção da ICMBio com o Plano de Manejo era acabar com essas comunidades, no caso, realocar, como diz na lei deles. Então iam ser expulsas as comunidades, mas sem serem indenizadas, sem nada, só com repressão. Essas comunidades iam acabar dispersando e saindo fora sem eles precisarem mexer uma palha pra mandá-las embora. Então, com o MOPEAR começamos a abrir os olhos das comunidades e hoje elas já sabem o que é um Plano e estão lutando bravamente pra resistir.
Terra: Como os pescadores da comunidade de Superagui avaliaram a vitória contra o ICMBio?
Cláudio: Essa vitória contra o ICMBio foi tão grande a ponto de despertar uma grande preocupação em nós. O problema é que as pessoas e comunidades que não estão envolvidas nesse processo não têm noção do que é essa conquista.
É uma preocupação do MOPEAR ver como vamos passar essas informações, preparar essas comunidades pra que eles entendam o que isso significou para nós, por que quem não participa do movimento, não sabe o que houve, porque isso pra nós é fato novo.
E também agora temos que saber lidar com essa conquista, por que virão autoridades querendo saber as propostas do movimento. E, infelizmente pra nós, a maioria das comunidades ainda não está preparada pra ir pra essa luta. Mas nós vamos arrumar um jeito de fazer essas comunidades entender que essa conquista na justiça é um acontecimento pra nós.
T.: Qual o posicionamento do ICMBio nesse processo?
C.: O ICMBio nunca fez uma reunião aberta com os pescadores e comunidades explicando o que é um Plano de Manejo, como funciona, como não funciona. Então, eles fizeram meio que às escondidas, sem que o povo soubesse. Então quem tá abrindo os olhos do povo e falando o que é o Plano, a desgraça que vai ser com ele, os direitos que serão tirados das comunidades, é o MOPEAR. Tem uns que tão perdidos, como na Vila Fátima, por exemplo. Lá eles não sabem que dentro de um Parque Nacional não pode existir pessoas.
O ICMBio está tratando as comunidades sem responsabilidade, sem interesse em que essas comunidades permaneçam. Os pesquisadores deles fizeram os estudos de impacto em 11 dias, passando em todas as comunidades pra elaborar o relatório do Plano de Manejo.
Então só pra imaginar, eles pegavam qualquer um pra falar e daí sem explicar o que é, pra quê, etc, e as pessoas deram entrevista sem saber pra quê.
T.: Qual a proposta do MOPEAR?
C.: O MOPEAR colocou pro ICMBio a proposta, não ouvida, que fosse feito um estudo antropológico com todas as comunidades, comprovando que nós somos comunidades tradicionais. Por que o relatório do ICMBio fala que nós somos um agrupamento de famílias, nunca falam de comunidades tradicionais ou pescadores artesanais. Então a gente se auto reconheceu com um abaixo assinado de reconhecimento, mas a gente tinha essa proposta do estudo. Só que o ICMBio não quer que seja feito esse estudo, que pode garantir a permanência das comunidades.
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Imagem: Reprodução da Terra de Direitos.
Enviada para Combate Racismo Ambiental por Diogo Rocha.
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