Revelação foi feita durante atividades do MPI, que também esteve em Ataléia e Franciscópolis. Em julho, atendimentos serão no Vale do Jequitinhonha
“Independentemente das ameaças e sofrimentos pelos quais passamos, jamais podemos desistir do nosso direito de buscar nossos direitos. Conquistá-los é uma consequência da nossa luta”. Vistas dessa forma, fora de contexto, as palavras da quilombola Maria Alves de Souza, de 32 anos, ditas durante os trabalhos do Ministério Público Itinerante (MPI) em Ouro Verde de Minas, no Vale do Mucuri, não conseguem demonstrar de forma ampla o sofrimento de um povo que se arrasta por séculos.
Ao expor a situação dela e das comunidades que vivem em Ouro Verde, na quarta-feira, 24, a quilombola chorou algumas vezes. O choro não foi somente pelas ameaças que revelou estar sofrendo, apesar de confessar sua preocupação – ela é mãe de três filhos –, mas por lembrar de seus antepassados e por ter a convicção de que muitas comunidades quilombolas*, apesar de algumas conquistas, ainda sofrem com a opressão.
Mudar esse cenário é uma tarefa que requer, além de outras coisas, muito diálogo, união de esforços e apoio de instituições como o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), que, por meio da Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais (Cimos), auxilia essas comunidades.
Nesse contexto, lideranças como Maria Alves, que luta por direitos, muitos deles previstos na Constituição, são importantes para sensibilizar outras pessoas, inclusive os próprios quilombolas e outros povos e comunidades tradicionais. O surgimento de lideranças e o apoio de instituições fazem com que essas comunidades vislumbrem um futuro no qual as próximas gerações terão seus direitos respeitados. Um futuro livre de qualquer tipo de situação contrária à dignidade humana.
A fala de Maria Alves (ouça aqui) e de outros quilombolas sensibilizou os participantes do MPI em Ouro Verde de Minas durante as atividades realizadas no município. No dia anterior, o MPI realizou atendimentos em Ataléia e na quinta-feira, 25, em Franciscópolis.
De acordo com o promotor de Justiça Paulo César Vicente de Lima, coordenador da Cimos, “Maria Alves, em seu desabafo, nos deu uma verdadeira aula de cidadania. Podemos observar que as comunidades de Rio Verde são extremamente organizadas, já reivindicam seus direitos e o MPMG, por meio da Cimos, pode dar uma resposta rápida em alguns casos. Em Ataléia, essa mobilização das comunidades está no início. Elas ainda encontram dificuldades para se organizarem. Em Franciscópolis, a situação é diferente. Lá, eles não sabem o que são comunidades tradicionais e muito menos conhecem os seus direitos. Por isso, é importante que seja feito um trabalho de base pela Cimos, para que essas comunidades possam se organizar”.
Batucada
A reunião dos quilombolas em Ouro Verde de Minas, a princípio, seria realizada na Câmara Municipal. Porém, o espaço ficou pequeno devido ao grande número de participantes. O coordenador da Cimos resolveu transferir a reunião para a Escola Estadual Vereador Lúcio Freitas de Araújo. No trajeto até a escola os quilombolas fizeram uma batucada. (clique aqui para assistir)
Atendimentos
A presença do Ministério Público Itinerante nos municípios de Ataléia, Ouro Verde de Minas e Franciscópolis, nos dias 23, 24 e 25 de junho, propiciou ao cidadão a oportunidade de resolver questões jurídicas, obter carteira de identidade, título de eleitor, segunda via de certidões de nascimento, casamento e óbito. Além disso, para determinadas situações que não puderam ser resolvidas no local, foram feitos os devidos encaminhamentos.
Paralelamente aos atendimentos, diversas atividades fizeram parte da programação: apresentações culturais, oficinas, palestras sobre direitos do consumidor e Procon Mirim, paz nas escolas, educação para a cidadania, direitos dos povos e comunidades tradicionais, educação ambiental, evasão escolar, exploração sexual, gestão democrática dos recursos públicos, combate às drogas e direitos dos idosos.
Os atendimentos e palestras contaram com as participações do procurador de Justiça Bertoldo Mateus de Oliveira Filho; promotor de Justiça Paulo César Vicente de Lima (coordenador da Cimos), promotora de Justiça Nelma Matos Silva Guimarães (coordenadora regional da Cimos no Vale do Mucuri), Daniela Campos de Abreu Serra, Tiago Tanure Costa e Fábio Roberto Machado (promotores de Justiça de Teófilo Otoni); Vinícius Pereira de Paula (promotor de Justiça de Malacacheta); Rhilmer Reis Dias, Júnia Maria Araújo e Ourismar Barros de Oliveira (servidores do MPMG); Maria Penha Werneck e Ana Lúcia dos Santos Fernandes Coelho (pedagogas); além de integrantes de instituições parceiras do MPI.
Oficinas
Os limites e possibilidades da atuação em rede de órgãos com atribuições na proteção integral da criança e do adolescente – uma contribuição do MP Itinerante ao fortalecimento da rede local no município foi o tema da oficina ministrada pela promotora de Justiça Daniela Campos de Abreu Serra, da Promotoria de Justiça de Teófilo Otoni. Segundo a promotora de Justiça, as oficinas contam com a participação dos Conselhos Tutelar e Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e de assistentes sociais.
A promotora de Justiça explicou que, nas oficinas, foi utilizada uma técnica denominada FOFA (Forças, Oportunidades, Fraquezas e Ameaças), que faz uma análise de contexto estratégico, organizacional ou de uma iniciativa específica. “Essa técnica busca identificar pontos positivos e negativos, internos e externos. Isso possibilita aos participantes a identificação desses pontos e, a partir daí, o início de um diálogo na busca de soluções para o fortalecimento da rede”, afirma.
Daniela Campos esclareceu que pontos comuns podem ser observados entre os municípios. “No âmbito do Conselho Tutelar, a falta de capacitação dos conselheiros ainda é um grande problema. No entanto, estamos vivendo um momento histórico, pois pela primeira vez teremos as eleições unificadas, em âmbito nacional, dos conselheiros tutelares. O Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes (CAODAC) e as coordenadorias regionais estão pensando em contribuir com a capacitação dos novos conselheiros. O MPMG não pode assumir a função de capacitar, que é dos municípios, mas podemos contribuir de alguma forma. Tendo em vista as eleições, 10 de janeiro de 2016 seria um marco inicial de um melhor trabalho dos Conselhos Tutelares”.
Essa capacitação, segundo a promotora de Justiça, trará consequências benéficas para todas as partes, inclusive para o Ministério Público. “Com um Conselho Tutelar mais atuante, menos demandas graves chegarão ao promotor de Justiça”, explica.
Capacitação de conselheiros
Foram realizadas ainda reuniões de sensibilização e capacitação com os conselheiros municipais de Políticas Públicas e Direitos. Nessas atividades, o MPMG contou com a parceria da Controladoria-Geral da União (CGU), que, além de ministrar conteúdos, disponibilizou material, prestou esclarecimentos à população sobre a defesa do patrimônio público e apresentou aos poderes públicos municipais as ferramentas disponíveis para o incremento da transparência da gestão.
Comunidades tradicionais
As Rodas de Conversa sobre Direitos de Povos e Comunidades Tradicionais também fizeram parte do MPI nos municípios de Ataléia, Ouro Verde de Minas e Franciscópolis . A roda de conversa tem como objetivo capacitar as comunidades tradicionais a respeito de seus direitos, bem como acerca de políticas públicas específicas destinadas aos grupos tradicionais.
Doação de livros
Ataléia, Ouro Verde de Minas e Franciscópolis receberam livros doados às respectivas Secretarias Municipais de Educação. Os livros foram cedidos pela Fundação Cultural Itaú e fazem parte do projeto Itaú Crianças. Cada secretaria recebeu 50 obras de diversos autores, incluindo Fernando Pessoa, Fernando Sabino e Manoel Bandeira.
Recivil
O Sindicato dos Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais do Estado de Minas Gerais (Recivil), em parceria com o Ministério Público Itinerante (MPI), participou dos atendimentos em Ataléia, Ouro Verde Minas e Franciscópolis. Os mutirões contemplam as cidades com menores Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do estado.
Apresentações culturais
Nos três municípios visitados pelo MPI, crianças e adolescentes de escolas públicas fizeram apresentações culturais. Em Ataléia, um dos temas explorados pelos alunos foi a segurança no trânsito. Eles ainda se divertiram e aprenderam sobre direitos humanos, além de assistirem às apresentações de hip hop do MC Kroif, de Belo Horizonte.
MPI 2015
No mês de julho os atendimentos serão nos municípios de Mata Verde (dia 28), Santo Antônio do Jacinto (29) e Felisburgo (30), no Vale do Jequitinhonha. Confira o calendário completo do MPI 2015.
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Imagem: Luta por direitos gera ameaças a quilombolas de Ouro Verde de Minas – Foto: Divulgação/MPMG
Parabéns ao MP-MG por este trabalho altruísta e relevante à identidade brasileira.
Nasci em Ouro Verde e muito cedo Agua Preta, a comunidade atrás da grande pedra de Ouro Verde me trouxe marcas de uma identidade e militância pelos direitos de comunidades étnica e culturalmente diferenciadas Brasil à fora.