Durante três dias da última semana, de 16 a 18 de junho, cerca de 400 indígenas de Guajará-Mirim discutiram e estabeleceram propostas que serão levadas para a 1ª Conferência Nacional de Política Indigenista. Entre as propostas formuladas estão o fortalecimento da Funai e o posicionamento contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215 – que transfere para o Poder Legislativo (Câmara Federal e Senado) a aprovação de demarcação das terras indígenas e a ratificação das demarcações já homologadas.
O Ministério Público Federal (MPF) participou deste encontro. O procurador da República Daniel Dalberto enfatizou que “deliberações sobre assuntos que afetem os índios necessariamente tem de ter consulta prévia, livre e informada dessas populações, conforme está assegurado na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário, além de ser decorrência lógica do artigo 231 da nossa Constituição”.
Dalberto também ressaltou que a pressão sobre as terras indígenas tem aumentado muito por causa dos recursos naturais e da expansão da fronteira agrícola: potencial hídrico, minérios, madeiras etc. “Neste cenário, tentam impor os interesses econômicos em relação aos direitos das comunidades tradicionais, que envolvem seu próprio direito de existir no futuro segundo seus valores e seus modos de vida. A Constituição de 1988 estabeleceu que os indígenas têm direito às terras que tradicionalmente ocupam, o que está muito além da mera posse de um bem material. Cabe ao poder público garantir esse direito fundamental, atentando para o que significa ocupação tradicional segundo os costumes indígenas. É o que está na Constituição”, disse.
Os indígenas de Guajará-Mirim querem que sejam garantidos recursos e condições para demarcação, proteção e fiscalização das terras indígenas. O cacique José Augusto Kanoé afirmou que “a fiscalização das terras feita pelos próprios indígenas tem que ter apoio da Polícia Federal e do Exército porque na hora de agir não adianta ir com arco e flecha enfrentar madeireiros e garimpeiros. O monitoramento das reservas pode ser por meio tecnológico, com capacitação para os indígenas”, disse.
Eles também querem ser capacitados para formular projetos em benefício de suas comunidades. “Não queremos que as ONGs façam projetos em nome dos indígenas. Queremos capacitações para as associações indígenas”, disse o líder André Djeoromitxi.
Ji-Paraná
Na região central de Rondônia também estão ocorrendo as etapas locais da Conferência. O procurador da República Henrique Felber Heck está participando dos debates desde ontem, 22, e até amanhã, 24 de junho, na aldeia Ikolen, na Terra Indígena Igarapé Lourdes, em Ji-Paraná. “A nossa participação é de mediação, falamos sobre os temas da Conferência, mas as propostas para as etapas regional e nacional são aprovadas pelos indígenas”, explicou.
Outras etapas locais já foram realizadas. Entre os dias 27 e 29 de maio, os debates ocorreram na aldeia Roosevelt, em Espigão D’Oeste. Nos dias 2 a 4 deste mês, o procurador falou sobre os temas autodeterminação, participação social e direito à consulta durante os debates que ocorreram na aldeia Colorado, Terra Indígena Rio Branco, no município de Alta Floresta. Nos dias 6 e 11 de junho, na aldeia Itarama, na Terra Indígena Sete de Setembro, em Cacoal, o procurador debateu sobre esses temas e também sobre os direitos individuais e coletivos. De 10 a 12 de junho os eventos foram realizados na aldeia Gabgyr, em Cacoal.
Próximos passos
As propostas dos indígenas de cada local serão apresentadas por delegados escolhidos por eles e serão debatidas com todos os delegados durante a etapa estadual, que será realizada em Porto Velho, no dia 7 de julho. Nesta ocasião, serão estabelecidas as propostas a serem levadas à etapa nacional, em novembro, em Brasília.
A 1ª Conferência Nacional de Política Indigenista foi convocada pela presidência da República, com a coordenação da Funai e do Ministério da Justiça. A organização das etapas locais está sendo feita em conjunto com os representantes dos povos indígenas e com os demais órgãos e entidades governamentais e não governamentais que compõem a Comissão Nacional de Política Indigenista.
Segurança alimentar
Em Guajará-Mirim, a Secretaria Estadual de Assistência Social (Seas) participou da Conferência para tratar do assunto Segurança Alimentar. A nutricionista Cleusa Firmino Medeiros disse que as cestas básicas distribuídas às populações carentes, incluindo os indígenas, deve respeitar o hábito alimentar e que a Seas fará uma revisão dos itens enviados às aldeias.
Na ocasião, o líder André Djeoromitxi disse que na área indígena Baia das Onças os próprios índios estão fazendo uma campanha de conscientização da comunidade para a manutenção da alimentação tradicional. “A comida da cidade está trazendo problemas para nós porque tem muita química que não estamos acostumados”, falou.
Em agosto deste ano, uma conferência será realizada em Porto Velho para discutir assuntos relacionados à segurança alimentar, tendo a participação de quilombolas, indígenas, ribeirinhos, sem-terra e representantes de outras populações vulneráveis.
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Imagem: Reprodução do Rondoniaovivo