No mês de janeiro, eu estava na Venezuela. Naqueles dias o país atravessava uma grave crise de abastecimento provocada por um boicote empresarial. Como uma boa parte da cadeia de distribuição ainda está na mão privada, essa fatia do empresariado decidiu segurar alguns produtos, fazendo com que a população se alarmasse. Pelas emissoras de televisão comercial ficava evidente o clima de quase terrorismo que se tentava impor. Por isso, é absolutamente mentirosa qualquer alegação de censura na Venezuela. O empresariado – de maioria golpista – diz o que quer, como quer e quando quer. Nada os impede de provocar o medo, o terror e a incitação ao golpe. Isso é coisa cotidiana. A diferença é que lá existe também uma rede de emissoras estatais, públicas e comunitárias, que disputam as informações.
Para aproveitar o clima de desespero que se esperava criar, a oposição liderada por Henrique Capriles resolveu promover um seminário sobre “democracia”, chamando para debater o tema conhecidos ex-presidentes de países latino-americanos, conhecidos, inclusive, por seu caráter autoritário, como Felipe Calderón, do México, Pastrana, da Colômbia e Piñedo, do Chile. Não bastasse o paradoxo de se discutir democracia com tipos como esses, os ex-presidentes foram levados para visitar Leopoldo López, o ex-alcade de Chacao, que está preso por incitar à violência, provocar mortes e promover golpe. Obviamente que não entraram na penitenciária. Não haviam solicitado visita, não era dia de visita e não entraram. Foi o que bastou para que iniciassem uma algaravia internacional chamando o presidente Maduro de ditador e outras bobagens do tipo. Há muitas críticas que se pode fazer ao presidente venezuelano, mas essa certamente não cabe.
Ora, para quem não sabe, a Venezuela é um país que, desde o ano de 1998, quando Chávez ganhou a eleição presidencial e inaugurou a quinta república, já passou por quase duas dezenas de eleições e referendos. Lá, a democracia é participativa e a população tem poder. Na nova Constituição, o estado bolivariano – ao contrário da maioria dos estados liberais – tem cinco poderes: o legislativo, o executivo, o judiciário, o eleitoral e o popular. O poder popular é o que se sobrepõe a todos. Qualquer lei pode ser revogada se mais de 20% da população chamar um plebiscito ou um referendo. Que ditadura seria essa se a população organizada, em número tão pequeno, já pode atuar em consequência e definir os rumos do país?
Assim que se pode falar tudo sobre Maduro e a Venezuela, menos que naquele país exista uma ditadura. Seria de uma ignorância total ou então má fé. Obviamente que nossa mídia comercial “compra” a ideia da ditadura porque é o que diz a polícia do mundo, os Estados Unidos, fazendo o jogo ideológico contra a Venezuela.
A ida dos políticos da direita brasileira à Venezuela para uma pretensa visita a Leopoldo López está dentro dessa armação ideológica. Existe uma tentativa, por parte da oposição venezuelana, de apresentar ao mundo o jovem ex-prefeito como um preso político. Ele não é. Em 2014, logo depois da derrota de Capriles nas eleições presidenciais, sem aceitar o resultado das urnas, políticos ligados aos partidos que o apoiaram incentivaram uma série de ações violentas que queimaram postos de saúde, escolas, e causaram mais de 40 mortes. Todas essas violências foram comandadas por Maria Corina Machado, que comprovadamente recebeu recursos dos Estados Unidos através de sua organização Súmate, o próprio Henrique Capriles, que governava o estado de Miranda, e o ex-prefeito de Chacao, Leopoldo López. Esse último convocou os partidários para não só praticarem violência, mas para atuarem no sentido de alavancar um golpe contra o governo democraticamente eleito. Foram dias de conflitos nas ruas que ficaram conhecidos como “guarimbas”.
A prisão de Leopoldo López está dentro desse contexto. Imaginem se Aécio tivesse ganho as eleições e Lula fosse à televisão pedir que os jovens saíssem às ruas, matassem pessoas e depusessem o presidente eleito. O que aconteceria? Não seria ele preso por incitar a violência e o golpe, dentro das leis brasileiras, num estado democrático? Pois é o que aconteceu na Venezuela. López está cumprindo pena por um crime.
Se pessoas como Aécio, Caiado e Agripino querem ir à Venezuela prestar solidariedade a um “companheiro”, isso lá é problema deles. Poderiam ir com seu dinheiro próprio, agendar visita, e cumprir com os ritos da amizade, se é que são amigos de López. Creio eu que nem o conhecem. Agora, viajar com um avião do estado brasileiro para interferir na política de outro país, me parece algo bem estranho. Como eles mesmos afirmaram, não foram impedidos de entrar no país e nem mesmo impedidos de ver o ex-prefeito, agora um preso comum. O que viveram nas ruas de Caracas foi o mesmo que, em janeiro, viveram os ex-presidentes que tentaram bancar os democráticos: foram rechaçados pelos bolivarianos. Os partidários da revolução bolivariana, que são a maioria da população, sabem muito bem o que significam as ações da oposição venezuelana. Sabem que existe um ação sistemática de tentativa de desestabilização e para isso são criados esses factoides cotidianos.
Fossem realmente amigos de López e quisessem prestar apoio, os senadores poderiam ter ido à Venezuela, sem alarde, fazer a visita, ver as condições do encarcerado e fazer suas considerações depois. Mas, não. O plano é exatamente esse. Criar o espetáculo para que possam repetir o velho mantra de que há censura, que falta liberdade de expressão e que o ex-prefeito é um injustiçado.
A Venezuela vive granes dilemas e passa por problemas em todos os campos. Mas não há censura e nem falta liberdade de expressão. Se houvesse, os senadores brasileiros não teriam feito o circo que fizeram.
Para além do papelão que cumpriram na Venezuela é importante salientar o também papel ridículo que cumprem os deputados que aprovaram moção de repúdio contra o governo da Venezuela, sendo que quem botou os senadores brasileiros para correr foram as pessoas nas ruas, o povo, as gentes organizadas. O argumento de que os políticos brasileiros estavam defendendo os “direitos humanos” não se sustenta e a população sabe disso muito bem. López está preso porque feriu a lei, ele não está tendo os direitos violados. Ele foi o que violou direitos e ajudou a promover incêndios e dezenas de mortes. Não é um bom menino.
A Câmara dos Deputados deveria investigar os fatos e não votar no calor das emoções dos que levaram o corridão. Assim também a imprensa brasileira deveria se debruçar sobre os fatos e não ficar na vergonhosa fabricação sistemática de ideologia.
A Venezuela está fazendo seu caminho numa revolução que não se fez com armas. Ela vai acontecendo no campo democrático, com os inimigos atuantes e falantes. A liberdade de imprensa e a liberdade de expressão são totais na Venezuela. O que não há é arrego com quem não cumpre a lei. E quem está de olho é o povo que pede ao governo que aplique a mão dura, que não incentive a impunidade.
Na Venezuela o que manda é o poder popular. Talvez os senadores brasileiros tenham aprendido a lição.