Colônias à beira do mar, ribeirinhas, de lagunas e mangues, algumas existentes há várias gerações, são protagonistas do filme Vento Forte.
Léa Maria Aarão Reis, Carta Maior
Um litoral privilegiado em um país aquífero, uma extensão de costa oceânica com cerca de nove mil quilômetros, e mesmo assim o peixe, que deveria ser alimento de baixo custo para o bolso da população, é caro e não se encontra na mesa do brasileiro com a frequência nutricional desejada. Vinte e duas comunidades, algumas ancestrais, de mulheres e homens dedicados à pesca artesanal, no país, denunciam o que ocorre com o loteamento das nossas águas para as grandes corporações e pedem socorro. Elas correm o sério risco de desaparecer de vez e perderem a sua luta de David contra o modelo escolhido pelo governo, o do Golias das aquiculturas internacionalizadas.
Colônias à beira do mar, ribeirinhas, de lagunas e mangues, algumas existentes há várias gerações, e que fazem parte da nossa cultura, são protagonistas do filme Vento Forte assim como as lideranças do MPP, Movimento de Pescadores e Pescadoras. A situação precária desses pescadores que “apenas querem trabalhar e sobreviver”, como dizem, é mostrada no modesto, mas muito bem costurado documentário de Patrícia Antunes, já exibido, embora rapidamente, em cinemas de Brasília, Manaus, Belém, Recife, Salvador e Rio de Janeiro. Em julho próximo, estará disponibilizado na íntegra pela internet, no youtube.
A produção foi realizada com esforço pelo Conselho Pastoral dos Pescadores e pela produtora Arte em Movimento e está sendo apresentado em diversos festivais que discutem o meio ambiente.
Os pescadores e pescadoras entrevistados são as baianas Nega e Elionice. O cearense João, o Tita, e Martilene. Em Pernambuco, Lailson. No Pará, Josana e José Carlos. Em Minas, Josemar; e no Espírito Santo, Manuel Bueno. No Rio, Alexandre e em Santa Catarina, Mancha. Alguns, originários do Pontal do Paraná, outros da Lagoa de Queimados, ou de Laguna ou de Tatajeba, no Ceará.
Todos denunciam a violação de seus direitos humanos, sociais, políticos e ambientais e de outros pescadores que vivem nas colônias próximas de Camaçari, por exemplo, ou do Porto de Aratu. Sua luta atual se faz através da Campanha Nacional em Defesa e Regularização dos Territórios das Comunidades Tradicionais Pesqueiras que começa a repercutir em outros países e no exterior.
“As barragens, a criação de camarão em cativeiro, a especulação imobiliária contribuem para a proibição da pesca sem ao menos garantir um direito de consulta às comunidades tradicionais como pregam a convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), da qual o Brasil é signatário, e o Decreto 6040/2007 que trata dos povos e comunidades tradicionais”, diz Maria José Pacheco, secretária executiva do Conselho Pastoral dos Pescadores.
Os conflitos e ameaça ao território aumentam todos os dias por parte das novas aquiculturas determinadas para áreas onde os pescadores tradicionalmente atuam. “Este ano, o Ministro Helder Barbalho tem visitado os governadores para facilitar o processo de licenciamento dessas aquiculturas,” diz Maria José.
O aumento do número de grandes portos, hidrelétricas previstas para o rio Tapajós e a mineração no mar são algumas das ameaças que esmagam essas pequenas colônias e deprimem os direitos dos pescadores. No litoral sul, a pesca industrial explora pescadores e pescadoras – alguns vivendo situação de trabalho precário e análoga a trabalho escravo.
São inúmeros os conflitos no Iguape, na Jureia, no entorno de Cananeia e na divisa com as comunidades do Paraná. “Aqueles que procuram defender o meio ambiente são perseguidos porque onde há comunidades pesqueiras são mantidos recursos naturais, manguezais e matas ciliares.”
Denuncia-se também a crescente dificuldade de acesso ao RGP – Registro Geral da Pesca-, a chamada ‘carteira de pescador’, permissão para pescar que comprova a atividade e garante o acesso a direitos previdenciários e trabalhistas, previsto na lei previdenciária.
“Somos talvez figuras indesejáveis para este modelo de desenvolvimento baseado na concentração, na destruição violenta da natureza e das comunidades que vivem em torno delas. A TAUS (Termo de Autorização de Uso Sustentável) tem conferido alguma segurança às comunidades, nas áreas que são da união, mas ocupadas tradicionalmente pelos pescadores artesanais. No entanto, são poucos os avanços diante das ameaças.”
Enquanto pouco se fala sobre a morte da pesca artesanal no Brasil e os grandes cargueiros alemães, da Thyssen e da Krupp trabalham, na nossa costa, em atividades aquíferas vigiadas por seguranças portando armas (como mostra o filme) e afastando os frágeis barcos da pesca artesanal; enquanto pescadores artesanais perdem todos os seus bens, e o cheiro de amônia, em certas noites (como também mostra Vento forte) envenena o ar que respiram crianças, velhos e adultos nas comunidades vizinhas das grandes empresas multinacionais; enquanto isto, há dias atrás, em Belém, o titular do Ministério da Pesca e Aquicultura empenhou a palavra do governo federal em relação ao seguro-defeso que garante a proteção do verdadeiro pescador: “Aqueles que dependem do benefício são a prioridade do governo; não vamos admitir fraudes”, garantiu.
Mas de quem é a fraude?
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