Por Paula Lima e Marcos Catelli1
[EcoDebate] Com intuito de cada vez mais fortalecer uma articulação entre os povos indígenas na região do Alto Juruá, valorizar os conhecimentos tradicionais e apoiar, de fato, suas estratégias de gestão territorial e ambiental, é que foi realizado o seminário “A gestão territorial e ambiental das Terras Indígenas na faixa de fronteira e I Intercâmbio de Sementes Tradicionais do Alto Juruá”, na Terra Indígena Kaxinawá/Ashaninka do Rio Breu, realizados e coordenados pela Comissão Pró-Índio do Acre (CPI/AC) e pela Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre (AMAAIAC), em parceria com a Associação Kaxinawá do Rio Breu (AKARIB) e Ashaninka do Rio Breu (AARIB). Este trabalho contou com o apoio da FUNAI e faz parte do projeto “Gestão Indígena no Acre”, que conta com o patrocínio da Petrobras através do Programa Petrobras Socioambiental.
Trata de uma iniciativa local dos povos indígenas da região do Alto Juruá: o intercâmbio de sementes tradicionais, que tem significativo valor para sustentar a conservação e diversificação dos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade e agrobiodiversidade. O evento ocorreu no período de 09 a 15 de abril, quando também ocorria a grande mobilização nacional pelos direitos indígenas, os quais estão cada vez mais ameaçados.
Estas são iniciativas importantes para a manutenção dos povos indígenas e seus conhecimentos tradicionais, que agora sofrem mais uma ameaça, quando o Projeto de Lei 7735, aprovado recentemente pelo Congresso Nacional, restringe, senão nega, direitos indígenas, no que diz respeito a participar, justa e corretamente, do controle, acesso e benefícios decorrentes do uso destes conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade.
Troca de sementes tradicionais, visitas aos roçados, SAFs e parques medicinais
O intercâmbio contou com a presença de cerca de 80 indígenas: sendo 25 agentes agroflorestais indígenas e os demais professores, agentes de saúde, artesãs, estudantes, representantes de nove TIs do Acre, e uma comunidade nativa do Peru, demonstrando a diversidade de sete povos indígenas no encontro (Huni Kuĩ – Kaxinawá, Asheninka, Noke Koĩ – Katukina, Nukini, Puyanawa, Jaminawa-Arara e Yanesha). A atividade de intercambiar sementes tradicionais, faz parte da formação de Agentes Agroflorestais Indígenas desde 1996. Por meio dela são valorizados os conhecimentos tradicionais ligados ao uso e manejo da agrobiodiversidade, como a conservação das sementes tradicionais, dialogando com os princípios da agroecologia. A atividade tem contribuído significativamente para evitar a erosão genética e a perda de conhecimentos associados à agrobiodiversidade, em uma decisão clara de impedir o uso de sementes híbridas e transgênicas em terras indígenas.
Um dos momentos das discussões das visitas aos roçados indígenas buscou evidenciar a diversidade existente nos locais e o conhecimento de vários povos indígenas sobre o status da agrobiodiversidade em suas terras e a troca de experiências para evitar que os impactos do entorno, ameacem a soberania e segurança alimentar dos povos da região e enfraqueçam a conservação da agrobiodiversidade nestes territórios.
A troca de sementes tradicionais propriamente, foi realizada na Aldeia Vida Nova, onde foram compartilhadas 88 tipos de plantas, entre espécies e variedades, cultivadas na terra indígena em áreas de roçado, sistemas agroflorestais, quintais e parques medicinais. Foi destaque ainda, os pratos tradicionais do povo Huni Kuĩ que foram oferecidos durante o intercâmbio que mostra a bela situação da agrobiodiversidade na TI.
Além de fortalecer a segurança e a soberania alimentar destes povos, a partir da diversificação de seus plantios e da recuperação de algumas espécies que já não existiam mais em determinadas terras indígenas, a troca de sementes foi importante para aumentar a variabilidade genética dessas espécies. Todo o material produzido no intercâmbio, como depoimentos e reflexões dos participantes, está sendo sistematizado para retornar aos AAFIs e suas comunidades, com objetivo de auxiliar no trabalho de conservação da agrobiodiversidade em suas comunidades.
Para o agente agroflorestal indígena Aldemir Mateus Kaxinawá, da Aldeia São José:“Intercâmbios como esse são muito importantes porque, além de promover a troca de sementes entre vários povos, fortalece muito o conhecimento tradicional de todos. Nosso trabalho é um trabalho bonito, com muita luta, onde a gente procura defender a nossa floresta, nosso território, pra gente garantir a vida do nosso povo e de nossas futuras gerações”.
Com o estímulo das sementes adquiridas no intercâmbio, atividades práticas de agrofloresta foram desenvolvidas na Aldeia Jacobina, como a construção de um viveiro e uma sementeira para produção das mudas de espécies frutíferas e florestais. Além de um mutirão para o plantio direto de plântulas de açaí e bacaba levadas pela equipe da CPI/AC. O plantio ocorreu no entorno do açude da aldeia visando à recomposição da mata ciliar e ao mesmo tempo oferecendo alimento para a comunidade e peixes de criação. Também foi realizada uma caminhada pelos variados sistemas de produção agroecológica da aldeia, destacando uma diversificada área de ervas medicinais, onde o agente indígena de saúde, Ruinete Sereno desenvolve, com sua comunidade, um trabalho tradicional de “farmácia viva”. Nesta proposta, cultivam espécies medicinais, produzem remédios naturais e potencializam a saúde coletiva da comunidade.
“Nós sempre estamos juntos na luta e agora que chegou a vez da gente se encontrar aqui na Terra Indígena Kaxinawá/Ashaninka do Rio Breu, trazendo a equipe da CPI/AC, os parentes, para conhecerem nossa terra, nosso rio, nossa aldeia, conhecer pessoalmente as lideranças, AAFIs e nossa comunidade. É muito importante que a gente tenha esse seminário, essa troca de experiências, entre nós Huni Kuĩ e outros povos, sobre como a gente planta, quais as sementes que usamos. É bom discutirmos isso para entendermos o que aquele parente consome, daquela plantação, que já havíamos perdido a semente e vamos trazer de volta aqui pra aldeia, pra segurança alimentar da nossa comunidade… A gente vai fortalecer as nossas plantações e isso cabe a nós organizarmos no dia a dia esse trabalho junto aos AAFIs, aproveitando esse momento para aprendermos mais e lutar pela nossa soberania.” Fernando Henrique Kaxinawá – presidente AKARIB.