Kátia Brasil, Amazônia Real
Obras públicas e privadas de infraestrutura, construção civil, mineração, rodovias, terminais portuários, entre outras, poderão receber licença ambiental no Amazonas sem a manifestação de órgãos federais como Ibama (Instituto Brasileiro dos Recursos Naturais Renováveis) e Funai (Fundação Nacional do Índio). O Estado tem 27% de seu território em reservas florestais e terras indígenas.
A decisão pela emissão do licenciamento ambiental apenas pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) saiu nesta terça-feira (9) com a aprovação do Projeto de Lei no. 155, que foi enviado à Assembleia Legislativa do Amazonas pelo governador José Melo (PROS).
Melo já tinha conseguido, no mês de março, reduzir o orçamento da área ambiental na reforma administrativa com o apoio da bancada governista. Também extinguiu a Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação. Agora, 14 deputados votaram a favor da nova legislação que determina que o Ipaam emita licenciamentos ambientais.
Mas, o Ipaam sequer tem em seu corpo técnico arqueólogos e geólogos, por exemplo, para analisar EIA/Rima (Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental) dos empreendimentos que estiverem próximos de Unidades dde Conservação como parques florestais, sítios arqueológicos e comunidades indígenas, regiões de grande biodiversidade da Amazônia.
Dos 24 deputados da Assembleia Legislativa, apenas três votaram contra o projeto de Lei no. 155: deputados Alessandra Campêlo (PCdoB), José Ricardo (PT) e Luiz Castro (PPS). Sete parlamentares estavam ausentes da votação.
O governo de José Melo justificou que a nova Lei no. 155 é necessária uma vez que os órgãos federais demoram muito tempo para se manifestarem no processo de licenciamento ambiental, chegando um ano, dois anos ou anos afins. O texto da nova legislação ressalta que “os administradores não podem ficar indefinidamente a mercê de manifestação dos órgãos de controle ambiental, não raras vezes com prejuízos econômico e social”.
O texto do projeto de lei do licenciamento ambiental do Ipaam foi baseado na Portaria Interministerial no. 60, de 24 de março de 2015, que deu poder semelhante ao Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), mas que estabeleceu prazos de até 90 dias para que os órgãos federais se manifestem.
A Lei no. 155 do Amazonas diz que “a proposta legislativa apresentada não visa estabelecer prazos para que os órgãos federais e entidades Federais envolvidas no licenciamento ambiental. E nem poderia evidentemente. Seu objetivo é conferir igualdade de tratamento entre os administradores quando submetidos ao processo de licenciamento ambiental no âmbito Ipaam”.
Em defesa da nova Lei do Ipaam, o deputado governista David Almeida (PSD-AM) disse, em nota divulgada no site da Assembliea Legislativa, que o projeto é necessário para que o Estado possa avançar na execução de obras “sem as protelações causadas pelo atraso na expedição de laudos dos órgãos federais”.
Almeida destacou que o Estado do Amazonas tem mais de 400 obras, todas as prefeituras têm obras, mas o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) só tem uma arqueóloga para analisar.
“Um exemplo é a obra da rodovia Manoel Urbano (AM-070), que está parada há 13 meses por falta de um laudo técnico do Iphan a respeito de um sítio arqueológico, quando a lei dá o prazo de 60 dias para a sua conclusão. Estamos adaptando a legislação estadual à Lei Federal, para dar celeridade às obras”, disse Almeida.
A legislação que deu poder ao Ipaam no licenciamento ambiental será homologado por José Melo nos próximos dias, mas já recebe críticas de deputados da oposição e de ambientalistas. Sem as manifestações de órgãos como Ibama, Funai, Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e Fundação Cultural Palmares, entre outros, o Amazonas abre brechas para aprovação obras de grande impacto ambiental e social de empreendimentos públicos e privados no Estado do Amazonas, que tem em 27% de seu território áreas protegidas por Unidades de Conservação, incluindo 173 terras indígenas de 66 etnias.
O deputado Luiz Castro (PPS-AM), que votou contra a nova legislação, diz que ao se basear na Portaria Interministerial no. 60, o governo do Amazonas cometeu uma insegurança jurídica.
“Não se deve fazer uma lei baseada numa portaria, que não tem força de legislação e está sendo arguida pelo Ministério Público Federal porque tem erros e vícios. Segundo, é temerário o empresário receber o licenciamento se mais à frente o órgão federal vai dizer que o empreendimento tem sítio arqueológico e não pode. O Ipaam também não tem preparo técnico, não tem arqueólogo para analisar o EIA/Rima), afirmou Castro.
O cientista Philip Fearnside, especialista em estudos de impacto ambiental de grandes empreendimentos na Amazônia, disse que a aprovação da nova legislação do Amazonas “é uma situação lamentável”.
Para o ambientalista Carlos Durigan, o Projeto de Lei no. 155 demonstra a falta de compromisso constitucional existente atualmente nas esferas politicas do Brasil, quando o assunto é relacionado com as questões socioambientais.
“O licenciamento ambiental não é somente uma etapa a ser cumprida, mas envolve um processo de análise abrangente que nos dias atuais qualquer empreendimento potencialmente gerador de impacto deve passar. E este deve envolver não só os orgãos ambientais, como também aqueles que cuidam dos direitos dos grupos sociais afetados, assim como do patrimônio cultural e imaterial nacional”, disse Durigan.
Ele criticou a votação do projeto sem uma ampla discussão com a sociedade. “É um absurdo que tenhamos uma classe política cega a questões tão importantes e definam novos critérios a revelia, sem antes consultar a sociedade e os demais orgão pertinentes. Isso demonstra, no mínimo, uma postura de falta de respeito ao bom senso e às premissas estabelecidas nas agendas socioambientais construdas a duras penas nos últimos anos”, concluiu Carlos Durigan, que é Diretor da WCS Brasil (Associação Conservação da Vida Silvestre) e colunista da Amazônia Real.
José Melo não comenta críticas
A reportagem procurou a assessoria de imprensa do governador José Melo para que ele comentasse as críticas contra a nova legislação, mas o órgão pediu à agência que procurasse o Ipaam para falar. O Ipaam disse que responderá as perguntas da reportagem nesta quarta-feira (10), entre elas, se vai ou não estipular prazos para que os órgãos federais se manifestem favoráveis ou contra os projetos de EIA/Rima de empreendimentos no Amazonas.
A agência Amazônia Real procurou também a Funai e o Ibama para comentarem a nova legislação do licenciamento ambiental no Amazonas. A Funai destacou que a Portaria Interministerial nº 60/2015 estabelece as condições de prazos e continuidade do licenciamento. E ressaltou que ainda não tem conhecimento dos parâmetros que serão cumpridos pelo Ipaam, inclusive o de consulta à Funai. “Isso porque a Funai tem prazos definidos para se manifestar e caso não seja consultada, desconhece como serão contados estes prazos”, disse a fundação.
O superintendente do Ibama no Amazonas, Mário Reis disse em entrevista à reportagem que com a Portaria Interministerial nº 60/2015 o instituto dar prazo de 90 dias, renovável por 15 dias, para a anuência dos outros órgãos federais no processo do licenciamento dos empreendimentos. “Não tem com aplicar o licenciamento ambiental sem anuência dos órgãos federais. Se não tiver a manifestação do órgão, o Ipaam vai sofrer muito com mandados de segurança de recursos e ações do Ministério Público”, afirmou Reis.
A reportagem não conseguiu localizar representantes do Iphan para comentar a aprovação da legislação e as críticas do deputado David Almeida.
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Imagem destacada: O governador José Melo em visita a obras em Manaus (Foto: Divulgação Agecom)
Impressionante, eles já perderam a vergonha há muito tempo, daqui a pouco vão propor lei legalizando a propina e entregando as chaves dos cofres públicos pros líderes de seus respectivos partidos.