Quanto à maioridade, demagogia continua a mesma

Por Leonardo Isaac Yarochewski* – Justificando

Em novembro de 2003 escrevi um artigo intitulado “Qual será o nome da próxima Lei?”. No referido artigo, publicado em veículos de comunicação, incluindo site jurídico, eu questionava a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Senador da República Magno Malta (PL-ES), buscando a redução da “maioridade penal” para 13 (treze) anos quando houvesse “crime hediondo”. O Projeto foi batizado pelo senador Malta de “Liana Friedenbach”. Referência feita à morte da jovem Liana Friedenbach.

O Caso Liana Friedenbach e Felipe Caffé, que abalou a sociedade brasileira (principalmente a elite), ocorreu na zona rural de Embu-Guaçu, região metropolitana de São Paulo, entre 1 e 5 de novembro de 2003. Liana e Felipe eram namorados e decidiram, sem o conhecimento dos pais, passar um final de semana acampando na floresta numa área isolada de Embu-Guaçu. O crime consistiu na tortura e homicídio do jovem Felipe Silva Caffé (19 anos) e da menor Liana Bei Friedenbach (16), por Paulo César da Silva Marques, o “Pernambuco” e Roberto Aparecido Alves Cardoso, menor infrator conhecido como “Champinha“, Antônio Caetano, Antônio Matias e Agnaldo Pires, além do do estupro e tortura desta última por todos. Os corpos de Liana e Felipe foram encontrados no dia 10 de novembro. “Champinha“, “Pernambuco“, Antônio Caetano, Antônio Matias e Agnaldo Pires foram presos dias depois.

Champinha“, por ser menor de idade, foi encaminhado para uma unidade da Fundação CASA, em São Paulo, e lá permaneceu até completar 21 anos, data limite de internação de menores, segundo a lei brasileira.

Paulo César da Silva Marques, 36, conhecido como “Pernambuco”, foi condenado a 110 anos e 18 dias de prisão em regime fechado, pelo crimes de homicídio qualificado, sequestro, estupro e cárcere privado. Aguinaldo Pires foi sentenciado a 47 anos e três meses de reclusão por estupro. Antônio Caetano da Silva pegou 124 anos de prisão por vários estupros e Antonio Matias foi sentenciado a seis anos de reclusão e um ano, nove meses e 15 dias de detenção por crime de cárcere privado, favorecimento pessoal, ajuda à fuga dos outros acusados e ocultação da arma do crime.

O referido crime, em razão do envolvimento do menor “Champinha” e com a influência midiática, trouxe à baila a discussão sobre a redução da imputabilidade penal (“maioridade penal”), levando a propostas demagogas, absurdas e inconstitucionais como a apresentada pelo senador Magno Malta.

Quase 12 anos depois da morte do jovem casal, outro crime traz para as manchetes dos jornais a questão da redução da “maioridade penal”. A morte do médico Jaime Gold, 56 anos, esfaqueado no último dia 19 de maio na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. Gold teve sua bicicleta e seus pertences roubados, segundo algumas testemunhas, por dois menores que também estavam de bicicleta.

É perfeitamente compreensível quando os pais, os filhos, irmãos, maridos e esposas diante da perda trágica e traumática de um ente querido defendam com todas as suas forças, ainda que impulsionada por ódio, pelo desejo de vingança ou por qualquer outro anseio, a pena de morte, a redução da “maioridade penal”, a tortura ou qualquer outra medida draconiana. Eles agem movidos pela emoção, pela dor, em razão de um sofrimento inimaginável e incomparável com qualquer outro.

Passaram-se 12 anos e nada mudou, “mudaram as estações, nada mudou”. Toda vez que um menor de 18 anos pratica um ato infracional (conduta descrita como crime ou contravenção penal) e, principalmente, se este ato é cometido contra alguém da classe média/alta, logo aparecem os “juristas” de plantão para propor a redução da imputabilidade penal como medida necessária para combater a violência e a criminalidade. O mesmo não ocorre quando as vítimas da violência são os próprios menores que vivem nas ruas, engolindo fogo, engraxando sapatos ou fazendo malabarismo nos semáforos das grandes cidades em busca da sobrevivência. A maioria das vítimas da violência, para aqueles que desconhecem, são os próprios jovens (segundo dados do Ministério da Saúde a principal causa de morte entre os jovens de 15 a 24 anos é o homicídio) de uma classe que está privada do mínimo de condições necessárias para se viver com dignidade.

Por tudo, como diz o poeta, eternizado na voz forte e marcante de Elis Regina: “minha dor é perceber, que apesar de termos feito tudo que fizemos ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais…”

Belo Horizonte, maio de 2015.

*Advogado Criminalista e Professor de Direito Penal da PUC-Minas

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