Em audiência com ministro da Justiça, indígenas de MS repudiam “mesas de diálogo” propostas por Cardozo, por Egon Heck

No Cimi

A delegação de 53 lideranças indígenas do Mato Grosso do Sul tiveram nessa quarta-feira (20) um encontro com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Esperavam respostas concretas com relação à assinatura das 12 portarias declaratórias que estão sob sua mesa.  Queriam também saber o porquê da paralisação total dos procedimentos de regularização das terras indígenas. Além disso, queriam saber quais são as iniciativas para dar segurança às comunidades e suas lideranças, que estão sendo diariamente ameaçados de morte. Grassa na região total impunidade em que matadores de índios viram heróis. Pediram também que o atual presidente interino da Fundação Nacional do Índio (Funai) seja efetivado no cargo.

O ministro Cardozo, escutado atrás das falaciosas “mesas de diálogo”, repetiu em exaustão que o clima não está bom, e que não vê nenhuma ação viável a não ser essas mesas, que os índios qualificam como enganação: “ Para nós a vida é um sonho rápido que fica em algum lugar entre a fome e a bala do fazendeiro. Até quando, senhor ministro? Quando na história deste país tivemos uma “conjuntura” favorável a nós? Tudo que temos são nosso direitos, e exigimos seu cumprimento”, insistiram as lideranças em documento entregue ao Ministério da Justiça na manhã desta quinta-feira (21).

Mensalão do diálogo

As aludidas mesas de diálogo são, pelos povos indígenas, comparados às mesadas dos invasores, ou a um mensalão de lucros fáceis e abundantes, com a exploração das terras e recursos naturais das terras indígenas há décadas. “Os latifundiários e os poderosos, senhor ministro, não querem diálogo, mas a nossa morte. Basta lembrar os inúmeros massacres e extermínio de nossos povos, caracterizando um genocídio e holocausto dos povos nativos e originários deste continente e do nosso país”.

Estarrecidos e indignados, os povos indígenas do Mato Grosso do Sul afirmam na carta: “Ao descumprir com suas obrigações e com as atribuições do órgão que representa, negando-se a dar continuidade aos procedimentos demarcatórios, o senhor não nos deixa outra escolha se não partirmos para a retomada de nossos territórios, questão que tentamos impedir deixando nossas famílias e nossos afazeres e vindo até Brasília buscar o diálogo com o senhor”.

Retornaremos

Em tom indignado, a liderança do Ypoy desabafou dizendo ao ministro que talvez não volte, pois poderá ter sido assassinado, mas virão outros lutadores, até que a terra seja demarcada. Na carta ao ministro reiteram: “Até lá saibam que não aceitaremos as mesas de diálogo, não seremos enganados de novo. Desta nossa reunião não ficamos com nada se não a certeza de que para nós não existe a possibilidade no momento de termos respeitados nossos direitos previstos na Constituição Federal de 1988. Infelizmente é isso que temos para levar a nosso povo em nosso retorno”.

Ao final das duas horas de exposição da dramática situação dos povos, aldeias e acampamentos indígenas no estado, campeão de violência contra os povos indígenas, e da irredutibilidade do ministro da Justiça de fazer avançar os processos de demarcação das terras e outras providências, o encontro terminou em mais uma frustração: “É uma pena que sintamos que em nome das “mesas de diálogo” a possibilidade de diálogo com o Executivo está acabando, senhor ministro, e como dissemos para o senhor, a inércia nas demarcações só nos deixam uma escolha, retomar nossas terras por meio da única força que temos. Se isso acontecer morreremos.”

Na carta protocolada nesta manhã no Ministério da Justiça, os índios manifestam sua revolta, mas acreditam nas forças de seus guerreiros e ancestrais, para continuarem a luta até a vitória final.

Veja a carta na íntegra:

* * *

Carta dos povos do Mato Grosso do Sul ao Senhor Ministro da Justiça, Eduardo Cardozo

21\05\2015

Caro Ministro Eduardo Cardozo, uma vez que nosso dialogo tenha sido interrompido sem que o senhor tenha escutado ou respondido nossas lideranças e nossas propostas, nós, representantes de todos os povos indígenas do Mato Grosso do Sul decidimos deixar nossa posição por escrito.

Infelizmente o senhor, em insistir em “dialogar” com os setores que querem nossa morte e continuar com o esbulho ou o usufruto ilegal dos nossos territórios acaba por ser completamente intransigente com os povos originários e desrespeita nossa dor, sentida por séculos de descaminhos, decretando mais uma vez entre tantas, para tantos de nós, dolorosas sentenças de morte.

Ao descumprir com suas obrigações e com as atribuições do órgão que representa negando-se a dar continuidade aos procedimentos demarcatórios o senhor não nos deixa outra escolha se não partirmos para a retomada de nossos territórios, questão que tentamos impedir deixando nossas famílias e nossos afazeres e vindo até Brasília buscar o dialogo com o senhor. Dialogo este que nem precisaria existir se o
senhor simplesmente cumprisse com o que lhe cabe nesta luta inglória que temos travado, onde o executivo é o primeiro culpado, pois paralisando a demarcação de nossos territórios deixa espaço aberto para estes latifundiários travestidos de parlamentares avançar contra nossos direitos com a PEC 215, PL1216 e tantos outros instrumentos de “tortura democrática”.

E quer que acreditemos que a paralisação, a modificação da demarcação, a revisão de nossos territórios e o aumento da violência não são consequências conjuntas da inércia e dos crimes cometidos pelos poderes deste estado?

Você diz Cardoso, mesmo frente aos pedidos dos povos indígenas de todo o Brasil, que não decreta as portarias e não avança na demarcação dos territórios originários por respeito a nossos povos e por medo de que os processos judiciais derrubem sua decisão. Dizemos que em sua intransigência (que só dialoga com os interesses ruralistas) você comete novamente a Tutela arbitrária sobre nós, coisa que caiu com a constituição de 1988, a qual você desrespeita em muitos outros sentidos e termos. Deixe que decidamos nosso destino Cardozo, por favor cumpra com suas obrigações estatutárias e constitucionais, demarque nossas terras.

Se ao menos o senhor se dignasse a cumprir com seu trabalho senhor ministro, teríamos um inimigo a menos neste xadrez da política e da conjuntura (como o senhor se refere), pois se o senhor e a presidenta Dilma demarcassem nosso território poderíamos juntar nossas forças em todo o Brasil para denunciar e derrubar os crimes acometidos pelo Judiciário, mas ao invés disso você se coloca em nosso caminho, tornando-se, junto com o restante do executivo, a primeira barreira a serviço do ruralismo contra nosso povo.

Enquanto o senhor espera a melhor conjuntura para mover sua caneta e enquanto analisa melhores tempos e meios para demarcar nossas terras, em um jogo de relações institucionais que não pedimos para participar, como lhe dissemos ontem, nós povos indígenas continuamos morrendo, vivendo de migalhas do que tivemos outrora nas beiras das rodovias. Para nós a vida é um sonho rápido que fica em algum lugar entre a fome e a bala do fazendeiro. Até quando senhor ministro? Quando na história deste país tivemos uma “conjuntura” favorável a nós? Tudo que temos são nosso direitos, e exigimos seu cumprimento.

Suas mesas de dialogo, que o senhor orgulha-se em dizer que se tratam uma “medida mundial” tem sido muito boas para aqueles que querem ganhar tempo e péssimas para nosso povo. Vivemos algumas delas e dialogando com outros povos ouvimos o que elas tem causado. Buriti vive até hoje com as cicatrizes destas mesas. Ao mesmo tempo, para fora da lógica das mesas o senhor se nega a dialogar com os povos (mesmo que os receba no ministério) e as consequências tem sido desastrosas. Lembre senhor ministro do povo Kaingang, e o que ocorreu com a sua falta de dialogo com eles. Alem disso, na maioria dos casos as mesas tem servido para garantir recursos para quem deveria estar preso por cometer e continuar comento o esbulho e a exploração de nossas terras.

É uma pena que sintamos que em nome das “mesas de dialogo” a possibilidade de dialogo com o executivo está acabando senhor ministro, e como dissemos para o senhor a inércia nas demarcações só nos deixam uma escolha, retomar nossas terras por meio da única força que temos. Se isso acontecer morreremos. Se isso ocorrer tenha certeza que ao executivo, será creditada a parte que cabe dos resultados desta conversa toda para boi e para fazendeiro dormir.

Mesmo assim Senhor Ministro, ainda acreditamos na possibilidade de dialogar com o senhor, com a casa que o senhor representa e com o Governo e Estado brasileiro. Esperamos que o senhor em outra oportunidade nos escute e que esteja disposto a junto conosco encontrar as possibilidades que contemplam nossos povos e repeitam nossa vida e nossa cultura, que passam necessariamente pela demarcação de nossos territórios. Até lá saibam que não aceitaremos as mesas de dialogo, não seremos enganados de novo. Desta nossa reunião não ficamos com nada se não a certeza de que para nós não existe a possibilidade no momento de termos respeitados nossos direitos previstos na Constituição Federal de 1988. Infelizmente é isso que temos para levar a nosso povo em nosso retorno.

Respeitosamente assinam as lideranças dos povos do Mato Grosso do Sul:

Foto Cimi.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.