UHE Estreito: Agravamento de impactos negativos na vida da população Apinajé

Associação União das Aldeias Apinajé-PEMPXÀ

A construção pelo Consórcio CESTE da UHE Estreito, no rio Tocantins,entre os municípios de Estreito e Aguiarnópolis, na divisa dos Estados do Maranhão e Tocantins continua causando graves conflitos sociais e prejuízos ambientais para toda população atingida da região de abrangência do empreendimento. Durante e após a construção dessa hidrelétrica ocorreram inúmeras violações de Direitos Humanos e Ambientais; mortandade de peixes, inundação de áreas férteis, expulsão de populações ribeirinhas, invasão de terras indígenas, fome, doenças, perseguições e ameaças à vida das organizações e lideranças que resistiram contra a construção da obra.

Depois de cinco (5) anos de entrada em operação da hidrelétrica, os problemas da população Apinajé, apenas pioraram. Apesar de existir um “programa de compensação” (ver processo FUNAI nº 08620.001457/2001 – 35) que (em tese) serviria para amenizar e mitigar os supostos impactos da obra na terra e na vida da população indígena, nesse período só aumentou e agravou se os problemas internos das comunidades. De fato essa “compensação” está gerando mais impactos negativos e transtornos na vida da população Apinajé, do que a própria hidrelétrica em si.

Foram muitas as ilusões e expectativas criadas em torno dessa obra, construída com promessas de “desenvolver a região e compensar os povos atingidos”. Quem é impactado sabe que a realidade é bem diferente. A nossa população Apinajé, atingida pela UHE Estreito, que resistimos contra a construção do empreendimento, agora estamos experimentando o que realmente significam as expressões “desenvolvimento” e “compensação”. Em três (3) anos assistimos à quantidade de aldeias aumentarem de 18 em 2013 para 34 em 2015. A criação de novas aldeias em sua maioria é sempre motivada por divergências e cisões internas por causa dessa “bendita compensação”.

Devido à proximidade com as cidades de Tocantinópolis-TO, Maurilândia-TO, São Bento do Tocantins-TO, Cachoeirinha-TO, Luzinópolis-TO e os povoados de Passarinho, Olho D’Água, Ribeirão Grande e Folha Grossa, todos no município de Tocantinópolis e da cidade de Campestre–A, com a construção da obra multiplicaram-se as invasões e pressões de não índios, sobre as aldeias Apinajé. No momento estamos verificando o aumento de problemas internos nas comunidades causados por pescadores, exploradores de madeiras, coletores de frutas e traficantes de bebidas alcoólicas e drogas, e outros intrusos vindos dessas cidades e povoados do entorno.

Estamos acompanhando com bastante preocupação o aumento da pressão social e ambiental sobre as áreas vulneráveis localizadas no extremo Norte e Oeste, nas regiões do Pontal, Veredão e Cocalinho constantemente invadidas por não-índios das cidades e povoados vizinhos. No mês de março de 2015, constatamos a avanço de construções de algumas moradias na localidade Veredão, às margens da rodovia BR 230 em locais muito próximos à divisa da área Apinajé. Existem fortes indícios que essas construções estejam sendo construída dentro da Terra Indígena.

Esses “vizinhos” às vezes incomodam, trazendo sérios problemas para a comunidade e o território. No povoado Veredão, verificamos grandes quantidades de lixos jogados dentro da área indígena pela comunidade Fulniô que moram apertados em um pequeno lote no local. O mesmo problema ambiental está ocorrendo também em áreas próximas às aldeias Prata e Cocal Grande em Tocantinópolis. Outra situação preocupante é com relação aos incêndios das florestas e campos que ocorrem nessas áreas na época da estiagem. Ressaltamos que esses “vizinhos” são implicados e suspeitos de práticas de roubos de madeiras, frutas, cocos babaçu, caças e peixes da área indígena, entre outros ilícitos, mas em nenhum momento colaboram com a proteção e a preservação deste território.

O polêmico projeto de pavimentação asfáltica da rodovia TO 126, trecho de 40 km dentro da T.I. Apinajé entre Tocantinópolis e Maurilândia, também tem causado sérios problemas e divergências internas nas comunidades. Em fevereiro de 2014, moradores dos povoados Ribeirão Grande e Folha Grossa, manipulados por políticos e empresários locais realizaram bloqueio desta rodovia por várias semanas para pressionar os órgãos públicos visando obtenção a qualquer custo da licença para asfaltar a TO 126. O movimento teve o “apoio” de algumas lideranças indígenas da região da aldeia Mariazinha. Durante reunião realizada num acampamento Apinajé localizado as margens da TO 126, os representantes da CGLIC/FUNAI/BSB, senhor Ricardo Burg e da CTL/FUNAI de Tocantinópolis, senhor Bruno Aluísio Braga Fragoso alertaram os caciques sobre a necessidade de se realizar Estudos de Impactos Ambiental-EIA/RIMA e consulta livre, prévia e informada às comunidades Apinajé; procedimentos normais que fazem partes do licenciamento da obra.

Atualmente estamos sendo fortemente pressionados e prejudicados por grandes desmatamentos realizados por empresas para o plantio de eucaliptos e carvoarias. O Relatório do Ministério Público Federal-MPF-AGA, (anexo) divulgado em 2013, apontou 494 projetos de “silvicultura” das empresas Eco Brasil Florestas, Suzano Papel e Celulose e Sinobrás em andamento no Norte de Tocantins, sendo que mais da metade destes empreendimentos estão planejados e sendo implantados nos municípios de Ananás, Araguatins, Axixá, São Bento do Tocantins, Cachoerinha, Nazaré e Tocantinópolis, alguns com incidência direta na Terra Apinajé.

Servidores da FUNAI e Polícia Ambiental  flagram homens desmatando áreas limítrofes à T.I. Apinajé. (foto: Marcelo G. Brasil/funai. Set. 2014)
Servidores da FUNAI e Polícia Ambiental flagram homens desmatando áreas
limítrofes à T.I. Apinajé. (foto: Marcelo G. Brasil/funai. Set. 2014)

No mês de agosto de 2013, após denúncia do povo Apinajé, a Fundação Nacional do Índio–FUNAI e a Companhia de Polícia Rodoviária Ambiental do Tocantins–CIPRA, durante diligencias em áreas limítrofes flagraram um desmatamento irregular na fazenda Gleba Matão I, localizada na BR 230, em área reivindicada pela comunidade Apinajé, no qual existiam também (2) duas carvoarias em operação. Argumentando a não participação no Processo de Licenciamento dos empreendimentos, a FUNAI conseguiu junto ao MPF-AGA que os referidos desmatamentos e carvoarias fossem embargados pelo NATURATINS, que é órgão licenciador do Estado do Tocantins.Mas, por meio de Decisão Judicial, o empreendedor obteve autorização para continuar as atividades, que estão se expandindo por todo região do entorno da Terra Apinajé, visando o plantio de eucaliptos.

Por essa razão nos meses de janeiro fevereiro de 2015, realizamos intensa Mobilização, bloqueando por (2) dois dias a rodovia TO 210, para protestar contra esses desmatamentos do cerrado no entorno da Terra Apinajé para o plantio de eucaliptos, situação que já vem ocorrendo desde 2004, no município de São Bento do Tocantins. Desta vez o proprietário da Fazenda Góes,senhor Eloísio Flávio Andrade, adquiriu do NATURATINS licenças para atividade pecuária, entretanto nos meses de novembro e dezembro de 2014, observamos violentas atividades de tratores com uso de correntes desmatando área reivindicada limítrofe à rodovia BR 230 (transamazônica). O citado desmatamento para plantio de eucaliptos atingiu importantes áreas de nascentes e cabeceiras de águas,do ribeirão Góes, localizado a apenas 500 metros da aldeia São José, a atividade prejudicou também as aldeias Areia Branca, Bacabinha, Cocal Grande e Prata no município de Tocantinópolis.

Diante da possibilidade do agravamento de conflitos violentos entre a comunidade indígena e não-índios e em razão dos fortes indícios de irregularidades, confirmadas pela falta de consulta prévia, livre e informada à comunidade Apinajé e a não participação da Fundação Nacional do Índio-FUNAI no processo de licenciamento conduzido pelo NATURATINS; o Ministério Público Federal no município de Araguaína, MPF/AGA, imediatamente impetrou junto ao Instituto Natureza do Tocantins–NATURATINS, medidas para embargar as atividades. Questionando a não participação da FUNAI nos referidos processos de licenciamentos, o MPF-AGA realizou no dia 06/02/15 na Promotoria de Justiça em Tocantinópolis, concorrida Audiência Pública na qual foram debatidos os licenciamentos de empreendimentos nas terras indígenas e a participação da FUNAI nos Processos de Licenciamentos do NATURATINS nos empreendimento do entorno e dentro da área Apinajé.

• CONSULTA E PARTICIPAÇÃO: UMA QUESTÃO DE DIREITOS HUMANOS

Em 20 de junho de 2002, o Congresso Nacional aprovou por meio do Decreto Legislativo nº 143 a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, e no dia 19 de abril de 2004 o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva promulgou por meio do Decreto nº 5.051 este importante Acordo Internacional. Dessa forma nosso país ratificou e é signatário da Convenção 169 da OIT, que em seu Art. 6º diz que os governos deverão: “estabelecer meios através dos quais os Povos Indígenas possam participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da população em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes”.

Já a Declaração das Nações Unidas Sobre os Direitos dos Povos Indígenas, no Art. 18, recomenda: “Os povos indígenas têm direitos de participar da tomada de decisões sobre questões que afetem seus direitos, por meio de representantes por eles eleitos de acordo com seus próprios procedimentos, assim como de manter e desenvolver suas próprias instituições de tomadas de decisões”. Tanto a Declaração das Nações Unidas, como a Convenção 169 da OIT, também adverte que os governos deverão: “consultar os Povos Indígenas, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente”

• O HISTÓRICO DE PARTICIPAÇÃO DA FUNAI EM “PROGRAMAS” DE COMPENSAÇÃO

Durante o tumultuado “Processo de Licenciamento” da UHE Estreito o Governo brasileiro não só descumpriu, desobedecendo completamente esses Tratados Internacionais e a própria Constituição Federal do Brasil, como também após a conclusão da obra, não possibilitou nossa participação direita nas negociações com o empreendedor. Afirmando que “o Consórcio CESTE não queria conversar com índios” a FUNAI-DF de forma imprudente tomou pra si as prerrogativas de negociar diretamente com o empreendedor. Compreendemos que além da ilegalidade do fato, essa atitude da FUNAI fere nossa autonomia e revoga nosso direito de participação. Isso serve de alerta e exemplo para outras situações como é o caso de Belo Monte e o processo que envolve a Norte Energia e os Povos indígenas atingidos da região de Altamira-PA.

Lembramos que o Convênio CVRD/FUNAI implantado aqui na área Apinajé nos anos 80 foi um verdadeiro fracasso. Da mesma forma, o Programa de Compensação Xerente-PROCAMBIX, proveniente do AHE de Lageado, e implantado nas aldeias do Povo Xerente no município de Tocantínia-TO, também não foi bem sucedido. Em ambos os casos existem fortes indícios de irregularidades cometidas por funcionários da FUNAI envolvidos nesses “programas” planejados e implantados de maneira equivocada, e muitas vezes sem o consentimento e a participação das comunidades. No caso do PBA-Timbira, antes de tudo, precisamos refletir e corrigir os erros já detectados na execução do Programa; resolvidos essas questões passaremos a fiscalizar e exigir mais participações e responsabilidades de cada organização e/ou instituições envolvidas no referido PBA.

Nesses primeiros (3) três anos,detectamos alguns problemas graves na execução do Programa Básico Ambiental, PBA-Timbira.De acordo com a cláusula 2.2 do Termo de Compromisso a FUNAI-DF tem as seguintes obrigações: 2.2.8. Manter, operar e guardar os equipamentos adquiridos com recursos deste Termo de Compromisso Definitivo em nome da FUNAI-DF, na forma de sua Cláusula 3.4 e imprescindíveis à execução do mesmo, com a utilização de boa técnica, pessoal adequado e materiais necessários para seu perfeito funcionamento, entretanto essa importante Clausula do Termo de Compromisso não tem sido observada pelo órgão indigenista.

• O PBA TIMBIRA E A PROTEÇÃO DA TERRA APINAJÉ

Durante a execução do referido PBA a FUNAI-DF não tem cumprido suas obrigações de apoiar as atividades do programa e nem efetivado a Proteção da Terra Apinajé; um dos objetos desse PBA (ver processo nº 08620.001457/2001-35). Nesse sentido esclarecemos que; “para não travar algumas atividades do programa, em 2013/14, a Associação União das Aldeias Apinajé-PEMPXÀ gastou mais de trinta mil reais (R$ 30.000,00) com a compra de combustíveis, manutenção e conserto de veículos, motos e computadores que foram comprados pelo CESTE e que estão sob a responsabilidade da FUNAI”. Sentimos nos prejudicados e pretendemos pedir na Justiça a devolução pela FUNAI-DF dos valores pagos.

Enfatizamos que por causa de conflito violento ocorrido em 15 de dezembro de 2007, as famílias das aldeias Buriti Comprido e Cocalinho foram removidas pela FUNAI para aldeia São José. Com a desativação dessas aldeias e a ausência de Fiscalização e Proteção da Terra Apinajé pela Fundação Nacional do Índio-FUNAI aumentaram as invasões de não-índios, especialmente nas regiões do Veredão, Cocalinho, Pontal e Barra do Dia, para cortar e roubar madeiras, explorar o extrativismo, caçar animais e pescar. A construção da UHE Estreito, (concluída) em 2010, só veio potencializar essas atividades ilícitas.

Com objetivo de: “Buscar medidas para resolver o problema de ocupação territorial, ameaças e constrangimentos pela comunidade indígena Apinajé, a partir de moradores da cidade de Cachoeirinha e em razão de conflito violento ocorrido em 15 de dezembro de 2007, na aldeia Buriti Comprido”, a partir de provocação da própria comunidade indígena na reunião realizada no dia 28/09/2011, na aldeia Patizal; em 28 de outubro de 2011, o Procurador da Republica no Estado do Tocantins, senhor Álvaro Lutufo Manzano, instaurou o Inquérito Civil Público nº 1.36.000.000950/2011-97,com Recomendação:

1) à Fundação Nacional do Índio-FUNAI- Coordenação Regional de Palmas–TO, que instale posto de fiscalização/vigilância no local denominado “Veredão”, no extremo oeste da terra Apinajé.

No documento o MPF-TO estabelece ainda o prazo de quinze (15) dias para que seja informado quanto ao acolhimento ou não da Recomendação, advertindo que a resposta negativa implicará na adoção de medidas judiciais cabíveis.

Entretanto observamos até o momento não foi efetivada nenhuma ação da FUNAI/CRAT de Palmas (TO), no sentido de acatar essa Recomendação que consta no referido Inquérito Civil Público nº 1.36.000.000950/2011-97 da PR/ MPF-TO, e dessa forma a Terra Apinajé, continua sendo alvo de invasores não-índios.

• O PBA TIMBIRA E A AGENCIA IMPLEMENTADORA

A atuação da Agencia Implementadora precisa ser urgentemente avaliada, pois temos notado algumas falhas internas no funcionamento da mesma. As formas de administração e de representatividade da diretoria da Associação Wyty Catë também precisam ser analisadas. Da maneira como está sendo conduzida é bem provável que não estamos sendo representados na diretoria da organização. Outro foco de questionamentos e insatisfação dos Apinajé com a Agência Implementadora é o descumprimento de acordos internos firmados entre os próprios representantes dos povos associados. Em nosso entendimento situações como essa sugerem que somos incapazes dese desenvolver, aprender e participar, e dessa forma somos ainda tutelados,e assim devemos sempre ser representados por terceiros. O que é constrangedor e inaceitável.

De acordo com as clausulas 2.3.8. A Agência Implementadora terá como funções precípuas: (a) apoiar as comunidades indígenas na elaboração, execução e monitoramento técnico e contábil dos projetos aprovados pelo Conselho Gestor, atrelados aos Eixos Temáticos definidos no Termo de Compromisso de 14/10/2010 e no Plano de Trabalho; (b) elaborar relatório contábil semestral com o detalhamento de todos os gastos incorridos e a ser apresentado a cada reunião ordinária do Conselho Gestor; (c) aplicar os recursos desembolsados pelo CESTE no desenvolvimento e execução dos projetos aprovados pelo Conselho Gestor e prestar contas do uso dos recursos ao Conselho Gestor. No entanto temos observado que a Agencia Implementadora está descumprindo as partes (b) e (c) desta Clausula.

Nestes termos cobramos transparência da Agencia Implementadora e a correta aplicação dos recursos do PBA-Timbira, nas finalidades a que se destinam. Que tais recursos financeiros sejam motivação para boas práticas de gestão, organização e participação dos povos Apinajé, Krahô, Krikati e Gavião. Dessa forma recomendamos que seja necessária uma breve avaliação da atuação da Agencia e a correção de possíveis falhas que por acaso possam ter ocorrido nesses (3) três anos de funcionamento da mesma. Entendemos que a Associação WytyCatë, independente de qualquer compensação deverá buscar meios de organizar, articular e mobilizar os Povos Timbira para as lutas por melhorias de qualidade dos serviços públicos deSaúde, Educação, Meio Ambiente, Cultura, Proteção Territorial e Segurança Alimentar e Nutricional das comunidades.

Enfatizamos que as lutas coletivas do povo Apinajé por melhorias na qualidade dos serviços públicos, especialmente as mobilizações voltadas para proteção do território e do meio ambiente, sempre geram altos custos financeiros, desgastes físico, stress psicológico e preocupação para as famílias, especialmente para as lideranças que estão na frente dos embates se expondo e se confrontando diretamente com os inimigos. Informamos que em nosso caso já existem lideranças sendo intimidadas, perseguidas e ameaçadas de morte por invasores.

Terra Indígena Apinajé, 07 de maio de 2015.

Associação União das Aldeias Apinajé-PEMPXÀ

Imagem destacada: Invasões e lixos no povoado Veredão. (foto: Antônio Veríssimo. Abril de 2015)

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