Em prorrogação, há que se ter clareza para não permitir-se cura de feridas sociais com analgésicos sem um profundo exame de suas causas; para compreender que o temido vírus da divisão (de classe) pode ser o germe da nova ordem social.
Antonio Claret, para Combate Racismo Ambiental
Uma das expressões mais ouvidas desde o resultado das urnas é ‘o Brasil está dividido’. A causa aparente seria a campanha eleitoral. Ela chega a ser classificada pelo então candidato tucano à Presidência da República de sórdida. Houve alfinetadas recíprocas entre ele e sua concorrente, Dilma Rousseff. Centenas de milhares de mensagens odiosas circulam as redes sociais. Figurões da classe dominante fazem declarações eivadas de arrogância e preconceito contra eleitores supostamente desinformados – o bode expiatório tem sido o Nordeste. Um dos donos de grande veículo de comunicação é flagrado na rua segurando cartaz de baixo calão destilando raiva contra a Venezuela, insatisfeito com o não alinhamento do Brasil aos Estados Unidos. E publicação antecipada de VEJA tenta bala de prata como golpe na reta final da campanha.
Essa divisão real, externada acirradamente nesse processo eletivo, não tem sua origem na campanha eleitoral como acredita o senso comum e como afirmam os dominadores e seus porta-vozes. Ela vem da antiga pendenga entre capital e trabalho, irreconciliáveis. O que aparece como ‘divisão’ e ‘baixaria’ é apenas reflexo dessa questão mais profunda, a qual faz parte da estrutura da sociedade capitalista, camuflada no quotidiano pela ideologia do consenso.
A disputa presidencial no segundo turno é especialmente elucidativa. Há ensaios claros de luta de classe! A cordialidade e polidez envernizadas cedem lugar a palavrões sem rodeios. Pessoas abastadas vão às ruas e fazem enfrentamento, alguns agredindo fisicamente seus opositores, partindo para cima sem nenhum escrúpulo, alucinados com a possibilidade da vitória. Instituições, celebridades vão se posicionando de um lado ou de outro.
Os números das urnas revelariam, depois, a localização exata do epicentro do conflito, a condição econômica. Em termos gerais, os mais enricados se identificam com a candidatura tucana. No mapa, Aécio Neves vence exatamente nas regiões Centro Oeste, Sudeste e Sul, com maior acumulação de riqueza. São Paulo, capital econômica, lhe rende a maior vantagem em números absolutos.
No fritar dos ovos, porém, a classe dominante, presente tanto do lado de Aécio Neves quanto de Dilma Rousseff, sabe dos seus exageros no calor da campanha, desnudando uma verdade proibida, a atualidade da disputa de classe. É uma espécie de tiro no pé! Hoje muito mais gente sabe que esse conceito não é coisa do passado. E que a exploração gera acumulação de riqueza e miséria, duas faces de uma mesma moeda. (mais…)