Dilma e Aécio: discutindo aparência e essência, por Dion Monteiro*

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Dion Monteiro, em Combate Racismo Ambiental

Marx é certamente um dos autores mais lembrados quando o tema em questão são os conceitos de aparência e essência. Abordando estes conceitos a partir dos aspectos econômicos, o criador de “O Capital” indica, nesta e em outras obras, que olhar para a aparência, pura matéria transformada, não revela o mistério da exploração humana e da acumulação de capital.

Sendo uma falsa verdade, a aparência conduz o ser para a alienação, outra categoria intensamente trabalhada pela teoria marxiana, deixando assim (homem e mulher) de ser e transformando-se naquilo que outros querem que eles sejam.

Enquanto conceitos, essência e aparência apresentam uma relação dialética, demandando, pois, uma visão do todo. Platão no livro VII de “A República”, apresentando passagem também conhecida como “O Mito da Caverna”, trabalha elementos pertinentes à dialética como caminho para que se possa chegar, através do conhecimento, à essência das coisas e dos seres.

Para Hegel, tanto na “Fenomenologia do Espírito”, quanto na “Ciência da Lógica”, o conceito de totalidade é essencial, sendo então a expressão da verdade. Dessa forma, não se conhece a essência sem conhecer e compreender o todo. A diferença entre Hegel e Marx é que para o primeiro a aparência é um momento da essência, sendo parte do caminho para que se chegue até a verdade. Marx afirmava que a aparência nada mais é que uma falsa consciência, levando o ser para uma permanente alienação.

Poucas vezes verificou-se no Brasil um processo eleitoral onde os conceitos de aparência, essência, dialética, alienação, totalidade, conhecimento, estivessem presentes de forma tão plena. O debate que não se faz, decodificando os candidatos Dilma Rousseff e Aécio Neves, tem limitado definitivamente a compreensão sobre estes e o que de fato cada um deles representa.

A insistência por parte de alguns setores que, de todas as formas, tenta caracteriza-los como representantes de projetos antagônicos, na maioria dos casos carece de aprofundamento e fundamento, de um debate que de fato considere a totalidade dos aspectos sociais, econômicos, ambientais, políticos, entre outros. Preferindo, deliberadamente, a forma da aparência que o conteúdo da essência.

No plano econômico, Lula da Silva e Dilma Rousseff, ambos do PT, mantiveram as bases macroeconômicas implantadas pelo Plano Real no ano de 1994, por Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

A “Carta ao povo brasileiro”, lançada pelo PT durante a campanha de 2002, já naquele momento desvelava a essência que insiste oculta pela aparência forjada e forçada, apresentando praticamente os mesmos elementos que naquele momento caracterizavam o modelo econômico do governo de FHC: aumento das exportações; balança comercial superavitária; controle das contas públicas; respeito aos contratos e obrigações do país; aumento da competitividade econômica; preservação do superávit primário, entre outros. Estes elementos, somados a taxas de juros elevadas e controle de metas de inflação, completam esta caracterização. Aécio Neves (PSDB) já afirmou que, caso vença esta eleição, trabalhará em um tripé constituído de: superávit nas contas públicas, taxa de câmbio flutuante e metas de inflação. Alguma grande diferença?

O grande problema desta base econômica são os resultados verificados. Nos últimos anos a dívida pública brasileira só aumentou, passou de aproximadamente 130 bilhões de reais em 1980, para algo em torno de 04 trilhões em 2012 (Fonte: BC e IBGE). Só para comparar, neste mesmo ano (2012) foram pagos às empresas, a título de juros e amortizações, aproximadamente 750 bilhões, beneficiando no máximo 50 mil pessoas, porém um dos programas mais importantes do atual governo, o programa Bolsa Família, repassou no mesmo período 18 bilhões de reais para atender a 50 milhões de pessoas beneficiadas (Fonte: Portal da Transparência e Auditoria Cidadã da Dívida).

Se o mercado financeiro foi privilegiado pelas políticas neoliberais do PSDB, vide o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Sistema Financeiro Nacional (PROER), o mesmo ocorreu nos governos petistas de Lula e Dilma. Resultado, considerando somente os 08 anos de Lula (2003 a 2010) o lucro dos banqueiros chegou a aproximadamente R$430 bilhões. Durante os 08 anos do governo neoliberal de FHC (1995 a 2002) o lucro foi de R$95 bilhões (Fonte: Banco Central do Brasil). Em 2012 a rentabilidade dos bancos brasileiros foi de 16,8%. Nos EUA esta mesma rentabilidade, no mesmo período, foi de 09,9%.

Aqui cabe uma breve reflexão sobre o processo de privatização realizado por PT e PSDB. Enquanto o PSDB privatiza diretamente as empresas estatais, privatização clássica, o jeito petista de privatizar ampara-se em estratégias que desgastam menos, porém produzem resultados semelhantes, são estas: Terceirizações, Concessões públicas, Parcerias Público-Privadas (PPP), Leilões (gás e petróleo), Transferência de Gestão (OSCIPs), Financiamentos de Instituições Privadas de Ensino Superior (PROUNI e FIES). Mas também podemos encontrar as privatizações clássicas nos governos do PT, como a dos Aeroportos (e também aquela que corre em marcha acelerada, visando transformar os Correios/EBCT em Sociedade Anônima).

No plano social, a grande batalha entre Dilma e Aécio trava-se na arena da paternidade/maternidade dos programas de políticas compensatórias. Quem foi/é mais importante, o programa Bolsa Escola (PSDB) ou Bolsa Família (PT)? As ETECs (PSDB) ou o PRONATEC (PT)? No mundo das aparências o que vale é a cor, o cheiro, o formato. No mundo das partes, da alienação, o que vale é a quantidade de atendidos, independente da falta de qualidade neste atendimento, do descontrole nos números da evasão. Aqui, no mundo das aparências, não cabe discutir quantas pessoas espontaneamente deixaram esta ou aquela política compensatória, transitória por si mesma.

Contribuir na formação de pessoas autônomas, independentes de políticas compensatórias, não é o objetivo destes programas, que passam automaticamente de temporários para permanentes, pois utilizados tanto pelo PT, como pelo PSDB, como instrumento de controle, intimidação, terrorismo e até crime eleitoral, conforme a Lei 4737/65, artigo 299 – Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto […]. Pena – reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa. Esta é a análise dialética que desvela a essência do campo social trilhado por Dilma e Aécio.

No plano político, quem dá suporte a estes dois candidatos/partidos? Junto a Dilma está a coligação formada por PT, PMDB, PSD, PP, PR, PROS, PDT, PC do B e PRB. Apoiam a candidata do PT, entre outros: Jader Barbalho; Renan Calheiros; Paulo Maluf; Collor de Melo; José Sarney; Kátia Abreu; Blairo Maggi, Romero Jucá, etc. Junto a Aécio está a coligação formada por PSDB, PMN, SD, DEM, PEN, PTN, PTB, PTC, PT do B. Apoiam o candidato do PSDB, entre outros: Jair Bolsonaro, Marco Feliciano, José Maria Eymael, Levy Fidelix, ACM Neto, José Agripino Maia, Marina, Eduardo Jorge, Pastor Everaldo, etc. Considerando os partidos observados e políticos citados, qual a essência da base de apoio de cada um dos candidatos no congresso nacional? Revolucionária, reformista, reacionária? Qual a diferença entre elas? Vale aqui o dito “diga-me com quem andas…”?

Nos anos 90, período dos governos do PSDB, o MST fazia grandes mobilizações e ocupações de terras improdutivas, lutando para dar dignidade a milhares de trabalhadores e trabalhadoras sem terra neste Brasil. Qual foi a ação do PSDB? Criminalização deste movimento, assassinato de seus militantes, dirigentes e de base, ver o Massacre de Eldorado de Carajás, em 1996 no Estado do Pará, durante os governos de FHC e Almir Gabriel (Governador do PA). Neste momento, o papel que o MST cumpria nos anos 90, está sendo cumprido especialmente pelos povos indígenas. Qual tem sido a ação do PT? Assassinato e criminalização de indígenas e apoiadores de sua luta. Guarani-Kaiowá e povo Terena no Mato Grosso do Sul; Munduruku no Pará; Tupinambá e Pataxó na Bahia (Fonte: CIMI).

Onze ativistas do Movimento Xingu Vivo, entre eles padre, freira, missionários, jornalista, professora, pescador, estão sendo processados por participar de uma manifestação contra a UHE Belo Monte. No ano passado foi descoberto um espião contratado pela NESA e ABIN, dentro da reunião de Planejamento deste movimento (Fonte: Site do MXVPS). Após se desentender com seu chefe, um dos responsáveis pelo setor de inteligência da VALE denunciou que esta empresa, cujos diretores têm relação direta com a ABIN, está espionando integrantes do MST e do Movimento chamado Justiça nos Trilhos, inclusive com pessoas infiltradas dentro deste movimento para coleta de informações. Foi descoberto que agentes da ABIN estava espionando sindicalistas, adversários do Governo Federal, que atuavam no Porto de Suape, em Pernambuco. Qual a essência de um governo que espiona e criminaliza sindicalistas e movimentos sociais? Qual o sentido da democracia, direito a livre organização e pensamento para estes governos? Qual a diferença na ação concreta entre os governos do PT e PSDB neste quesito?

No plano ambiental, nenhum governo pós-ditadura (1964-1985) implementou políticas tão agressivas para a Amazônia e seus povos como os governos do ex-presidente Lula, intensificado pela presidente Dilma. A retomada do projeto desenvolvimentista, não mais nacional-desenvolvimentista, mas agora liberal-desenvolvimentista, pois mantém a essência econômica neoliberal do governo FHC (PSDB), submete hoje, novamente, as regiões ricas em bens naturais (vegetais, minerais e agora hídricos) a uma pressão incomensurável.

Entre usinas hidrelétricas construídas, em construção e planejadas pelo governo petista, considerando os grandes rios e seus afluentes, observa-se: 06 no Xingu, 07 no Tapajós, 05 no Araguaia, 05 no Tocantins, 03 no Madeira, 05 no Teles Pires, 12 na bacia do rio Juruena (Fonte: ANEEL e EPE). Aqui foram elencados apenas alguns empreendimentos, a grande maioria no Estado do Pará. Não tendo sido incluído grande parte das usinas previstas para os outros estados da Amazônia legal.

Sendo a energia gerada por estas hidrelétricas parte fundamental do processo de exploração mineral, facilmente deduz-se que esta atividade terá suas ações ampliadas de forma exponencial, somando-se aos processos que já existem em Oriximiná, Jurutí e Paragominas (Bauxita), Barcarena (Alumina/alumínio), Ipixuna do Pará e Vitória do Jarí/AP (Caulim), Parauapebas, Canaã dos Carajás, Ourilândia e Marabá (Ferro, Cobre, Ouro, Níquel, Prata, Manganês), Mazagão/AP (Cromo, Ferro), Presidente Figueiredo/AM (Estanho, Tântalo, Nióbio), Santa Bárbara/RO (Estanho), Pedra Branca do Amaparí/AP, São Felix do Xingu e Jacareacanga (Ouro, Ferro, Níquel), Itaituba (Ouro, Prata), Curionópolis (Ouro), Vila Nova/AP (Ferro), Jaú do Tocantins/TO (Zirconita).

Tanto a exploração hídrica, quanto a mineral e o agronegócio, todos irrigados com recursos públicos, em especial do BNDES, apresentam elevadíssima lucratividade, ganhos referendados pelas palavras do ex-presidente Lula: “Estou satisfeito porque a minha relação com o empresariado brasileiro é boa. Da minha parte, não existe preconceito. Tenho consciência de que estão ganhando dinheiro no meu governo como nunca” (Fonte: Folha de São Paulo – 14/10/2007). Estas palavras foram de Lula, mas se não estivessem identificadas poderiam passar tranquilamente como a fala de um representante do PSDB. Ou não?

Não existe busca da essência sem um profundo processo de reflexão, onde a dialética é o método e a totalidade imperativa. Sócrates nos ensinava que o conhecimento da verdade somente pode ser alcançado afastando as ilusões dos sentidos e das próprias palavras. E ninguém fica impune ao conhecimento. Não existe a partir dele a possibilidade de se eximir desta e de outras decisões. Se DILMA e AÉCIO estão do mesmo lado do muro, eu e uma imensa quantidade de companheiros e companheiras estamos do lado oposto. Por isso votamos NULO, não como sectarismo (que não precisa de base para se posicionar), mas como radicalização de nossa posição em defesa dos trabalhadores, dos povos indígenas, dos ribeirinhos, dos quilombolas, dos estudantes, das donas de casa, dos desempregados, dos rios, da floresta, da vida.

Esta conversa não termina aqui.


* Dion Monteiro é pesquisador do Instituto Amazônia Solidária (IAMAS) e ativista do Comitê Xingu Vivo (CXV) e do Fórum Social Pan-Amazônico (FSPA).

Comments (3)

  1. Na “ressaca” de uma eleição em que assistimos a um verdadeiro “circo dos horrores”, esse artigo é um bálsamo para a falta de esperança atual.

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