Estamos tomados por uma acirrada disputa pela Presidência da República. O processo da campanha eleitoral levou à formação de dois grandes blocos em torno a Dilma e Aécio, numa combinação de elementos partidários, ideológicos, programáticos e, sobretudo, sociais e geopolíticos. É uma polarização muito contraditória, de coalizões pouco orgânicas no sentido de ideário mobilizador e projeto de sociedade em disputa. Reflete mais um país desigual, com processos diferenciados de emergência política de suas estruturas sociais, locais e regionais, do que a constituição de forças no seio da sociedade civil com poder de disputar hegemonia no sentido pleno da palavra. A polarização da disputa se deu mais pelas ameaças e possibilidades que sente a cidadania, das conversas no cotidiano e da propagação difusa na sociedade, do que por influência dos debates na televisão e da campanha eleitoral na mídia.
Um primeiro aspecto a destacar nesta situação é o quanto a emergência de tal polarização pode fazer bem à democracia no Brasil. Afinal, é o país real que configurou isto, mais do que os partidos e os políticos. A polarização revela vitalidade, que pode levar a uma nova onda de democratização. Mas, ao mesmo tempo, precisamos considerar o fato que uma importante franja, algo em torno a 20% da cidadania, não se sente espelhada em tal polarização e pode não votar ou anular o seu voto, mas é um conjunto importante politicamente no debate de nosso futuro e dos caminhos a construir. Enfim, está dada uma agenda para a reanimação e revitalização da democracia, começando com uma profunda reforma da política, enquanto espaço comum de disputa de sentidos e projetos, e da institucionalidade política, partidária, participativa e eleitoral, de constituição da representação nos poderes executivo, legislativo e judiciário.
Um segundo elemento decorrente da enorme polarização que vivemos tem a ver com o que significará a vitória eleitoral de uma das coalizões, mesmo difusas como se apresentam. A democracia é um método de luta sem eliminação de adversários. Mais, a democracia é sempre de acordos e ações possíveis num quadro de relações de forças. Trata-se de uma “instabilidade criativa”, de “pactos de incertezas”. O bloco derrotado nas eleições é também parte do poder instituído e sem ele a própria democracia perde sentido. Claro, no Brasil, ainda estamos longe de admitir que uma vitória democrática não dá poder absoluto. Trata-se de um mandato delegado pela cidadania para dirigir responsavelmente o poder político e a gestão do Estado, sempre com responsabilidade compartida e controlada pelas forças adversárias. Ou seja, ganhará a cidadania e a democracia no Brasil se mais negociações entre forças políticas se tornarem necessárias para definir o melhor programa, as melhores políticas, as leis, regulações, taxas e impostos, os projetos e montantes do investimento público. (mais…)