Parte do grupo de indígenas que vivia na Aldeia Maracanã, retirados da área em uma reintegração de posse violenta em 2013, ainda briga na Justiça para conseguir voltar a ocupar o local. Os resistentes não aceitaram a oferta de casas do Programa Minha Casa, Minha Vida, que serão entregues hoje (30), e criticam a proposta feita pelo governo aos indígenas, de transformar o prédio em um centro cultural.
“Apartamento do Minha Casa Minha Vida é pente e espelho do governo. É isso que dão para os indígenas há 514 anos. O que a gente quer é a universidade indígena, não só no prédio, mas no terreno de 14,3 mil metros do antigo museu, com uma administração pensada e gerida por indígenas”, argumentou o líder Urutau Guajajara, que participava da ocupação e chegou a ficar mais de 24 horas em cima de uma árvore para resistir à reintegração de posse. “Em uma universidade, cabem muitos centros culturais, mas, em um centro cultural, não cabe uma universidade”.
A criação de um centro cultural na área foi feita por decreto do então governador do Rio Sérgio Cabral publicado em dezembro de 2013, logo depois de mais uma reintegração de posse feita pela polícia no local. De acordo com o decreto, a área deveria ser destinada à criação de um “Centro de Referência da Cultura dos Povos Indígenas/Universidade Indígena, para o desenvolvimento de atividades culturais”.
O projeto é de responsabilidade da Secretaria de Cultura, que diz estar licitando a contratação do projeto de arquitetura e restauro do prédio. O modelo de gestão e o cronograma de obras também ainda não estão definidos, segundo a secretaria, que espera começar as obras no próximo mês.
Os índios que aceitaram o acordo com o governo dizem que a secretaria estadual prometeu que eles participariam da gestão e que o espaço seria entregue em abril de 2016. Entretanto, Urutau diz que a intenção do governo estadual é transferir a gestão para a Fundação Darcy Ribeiro. A assessoria da instituição nega e a secretaria estadual negam.
Urutau mora com outros índios da etnia Guajajara em Tomaz Coelho, na zona norte do Rio, e é pesquisador do Museu Nacional, ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Depois que nos expulsaram, continuamos na região metropolitana. Somos cerca de 30 ainda e não vamos desistir do projeto”, disse.
O advogado do grupo, Arão da Providência, disse que os índios já haviam conseguido o direito ao manejo do prédio em um processo que tramita na 7ª Vara Federal, mas outra decisão, após um recurso do governo do estado e da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), impôs efeito suspensivo a essa decisão até que o processo tenha o julgamento concluído. O manejo permitiria que os índios retornassem legalmente ao local, para retomar as atividades culturais até a conclusão do processo que questiona a venda do terreno da Conab para o Rio. “O que está acontecendo no Maracanã é o que está acontecendo em todo o Brasil. Quem maneja a terra indígena é a construtora, a hidrelétrica, o agronegócio, a mineradora”, apontou.
Nascido na região do Alto Yavary, entre o Acre e o Amazonas, Ash Ashaninka, 30 anos, morou no antigo Museu do Índio, onde ensinava cosmologia da floresta, em aulas que abordavam hábitos religiosos, sociais e ecológicos dos povos indígenas. Seus alunos eram universitários e pesquisadores interessados na vivência multiétnica da ocupação. “Um centro cultural só vai abrir nas horas convencionais e vamos ter que sair às 17h. O que nós tínhamos antes era uma vivência indígena de fato dos nossos costumes e rituais. É isso que queremos de volta. Ali, a população tinha a oportunidade de encontrar várias etnias vivendo no mesmo lugar. Essa troca de saberes é muito importante”, avaliou.
Morando com amigos no centro, ele agora vive de artesanato, medicina indígena e das aulas que ainda dá. “Não existe instituição voltada para índio que seja administrada por indígenas. Desta vez, somos nós que estamos tomando a iniciativa. Esta é uma herança que eu quero deixar para os meus filhos, uma herança de direitos”.
Segundo a Secretaria Estadual de Cultura, “O novo Centro de Referência permitirá experiências e vivências dentre os indígenas de diversas etnias. Entre seus diversos objetivos estão: atuar como ponto de contato e apoio para atividades culturais indígenas em escolas, faculdades e outras instituições interessadas na temática indígena; ser espaço para realização de atividades artísticas e culturais, educativas e espirituais da tradição indígena; e promover o intercâmbio entre os povos indígenas brasileiros, latino-americanos e do mundo”. Apesar disso, o local não servirá como moradia.
Os vinte e dois indígenas da Aldeia Maracanã que aceitaram sair do museu antes que policiais militares executassem a reintegração de posse receberão hoje os apartamentos do programa federal de habitação em uma cerimônia que contará com a presença da presidenta Dilma Rousseff. Desde a desocupação, há um ano e quatro meses, eles estão morando em contêineres na Colônia Curupaiti, antigo local de isolamento de portadores de hanseníase, na zona oeste do Rio.
Edição: Luana Lourenço.