Desde o início da Copa do Mundo, exploração do trabalho infantil e negligência ganham força na Capital
Vanessa Madeira – Diário do Nordeste
Encobertos pela euforia em torno dos jogos da Copa do Mundo, as situações de violação dos direitos da criança e do adolescente em Fortaleza, que tendem a crescer durante os grandes eventos, vêm se alastrando desde o início do campeonato. No último dia 18, a Agenda de Convergência do Estado, rede formada por 41 instituições de defesa da infância e da juventude no Ceará, revelou que, em dois dias de plantão ao longo do Mundial, foram registrados 79 atendimentos a meninos e meninas da Capital vítimas de exploração, descaso, abuso e outros crimes. Agora, menos de dez dias depois, o número de casos já chega a 199, um aumento drástico de mais de 150%.
Dos 79 relatos recebidos pelos órgãos e entidades de proteção nos dias 12 e 16 de junho, 42 estavam relacionados ao trabalho infantil, nove à negligência/abandono, cinco a crianças desacompanhadas, quatro a suspeitas de abuso sexual, e um ao consumo de álcool e droga. Até esta quarta-feira (25), no entanto, a quantidade de denúncias sobre exploração do trabalho haviam subido para 91. Os casos de negligência ou abandono pelos pais totalizaram 24. Já as ocorrências de crianças desacompanhadas e de suspeitas de violência sexual foram a oito e a sete, respectivamente. O uso de álcool e outras substâncias saltou para três.
Recorrente
Segundo Antônia Lima de Sousa, promotora de Justiça e coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Infância e da Juventude do Ministério Público do Ceará (MP/CE), o trabalho da Agenda de Convergência durante o mundial apenas deu maior visibilidade a situações de violação de direitos já recorrentes entre crianças e adolescentes de Fortaleza, independentemente da Copa do Mundo.
“O uso de drogas e álcool e o trabalho infantil sempre foram de conhecimento geral nos momentos em que a cidade estava voltada para algum evento recreativo. Mas agora está havendo um registro e um esforço maior para resolver essa problemática”, afirma.
Pelas estatísticas, é possível perceber que a quantidade de homens e mulheres utilizando mão-de-obra dos filhos menores de idade disparou nos últimos dias e se destaca como principal forma de omissão. E, muitas vezes, conforme a promotora, o delito acontece sem que os a pais saibam que se trata de uma irregularidade. “As pessoas acham que a criança que está ajudando no serviço dos pais nas ruas ou em casa não está trabalhando, mas isso é, sim, classificado como trabalho infantil”, ressalta Antônia.
Ações de busca
Tânia Gurgel, presidente da Fundação da Criança e da Família Cidadã (Funci), explica que o conjunto de instituições promoveu ações buscativas para identificar os casos de desrespeito a meninos e meninas em alguns pontos estratégicos da cidade, como a orla (Beira-Mar e Praia do Futuro), os seis terminais de ônibus, a Rodoviária Engenheiro João Thomé e o Aeroporto Pinto Martins.
Para ela, não é possível comparar o número de ocorrências registradas na Copa Mundo com aquelas do dia a dia na Capital, devido ao grande porte do evento e às mudanças na dinâmica da cidade causadas por ele. Entretanto, Tânia afirma que o montante de denúncias, até agora, se encontra dentro do esperado e que as atividades realizadas pela Agenda está sendo o diferencial. “O que temos como positivo é esse trabalho articulado. Precisamos manter essa intersetorialidade e integrar essas ações às políticas públicas”, pontua.
286 denúncias em 2013
De acordo com dados da Agenda de Convergência, os 199 casos recebidos entre os dias 12 e 25 de junho, desde o início da Copa do Mundo, já estão quase superando a quantidade total de ocorrências registradas durante a Copa das Confederações do ano passado. Em todo o evento, as instituições que integram a rede também promoveram plantões de atendimento, nos quais somaram 286 relatos de desrespeito às garantias de crianças adolescentes. Faltando ainda duas semanas para o fim do mundial, os números deste ano e de 2013 estão próximos de se igualar.
No ano passado, houve uma média de 48 atendimentos por plantão. As ações ocorreram nos dias 9, 22, 23, 26, 27 e 30 de junho de 2013. A principal violação foi o uso de álcool e drogas (144 casos), seguido pelo trabalho infantil (79), a moradia de rua (12), a negligência (5) e a exploração sexual (3).
Assistência
A Agenda de Convergência para Proteção Integral da Criança e do Adolescente no Contexto de Grandes Eventos é uma iniciativa federal lançada em 2012 com o objetivo de prevenir a violação de direitos humanos de meninos e meninas durante os grandes eventos da Copa das Confederações 2013, da Jornada Mundial da Juventude de 2013 e da Copa do Mundo 2014. No Ceará, a agenda é composta por 41 instituições, dentre elas a Secretaria de Cidadania e Direitos Humanos; a Secretaria Extraordinária da Copa; a Secretaria de Trabalho, Desenvolvimento Social e Combate à Fome; a Fundação da Criança e da Família Cidadã, o Ministério Público do Estado do Ceará; e a Secretaria Municipal de Segurança Cidadã, do Trabalho e Desenvolvimento Social.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Rodrigo de Medeiros Silva.