Documentário “Filho de Odália”: Centro do Aguiar e a memória do latifúndio maranhense (Parte 1 e 2)

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Em abril de1986, o bispo de Bacabal, Dom Pascácio Rettler, excomungou o governador Luiz Rocha, por conta de um conflito fundiário, envolvendo o povoado Centro do Aguiar, no município de Lago do Junco, na Fazenda Nova Olinda.

Os fazendeiros Manuel Bezerra Neto e Adelino Pereira cercaram as terras onde instalaram a fazenda, incluindo a área de roça utilizada pelos moradores de Centro do Aguiar. O trabalhador rural Antônio Fontenele Araújo foi barbaramente assassinado a mando do fazendeiro, crime ladeado por muitas circunstâncias históricas, que merecem ser relembradas.

Como de costume, a Igreja ficou ao lado dos pobres. Os padres da diocese de Bacabal, liderados pelo bispo, exigiram das autoridades estaduais e federais providências relacionadas aos assassinatos de trabalhadores rurais da região, conhecida por sua violência. Os crimes – como sempre, no período –  eram atribuídos à União Democrática Ruralista.

O governador Luiz Rocha, era um simpatizante da União Democrática e Ruralista-UDR, vinculado aos interesses políticos dos grandes proprietários rurais do sul do Maranhão. Apesar da gravidade do problema, em Centro do Aguiar, preferiu se omitir na tomada de providências. Ainda por cima acusou publicamente os padres da diocese de Bacabal de incentivarem a violência e comprarem armas para os trabalhadores.

Indignados, os onze bispos do Maranhão se reuniram em Teresina e emitiram uma Carta ao Povo de Deus, em que comunicaram a excomunhão do governador, Luiz Rocha; do secretário de Justiça e Segurança, Coronel Ribeiro Silva Junior e de toda s diretoria da UDR. O texto, após nominar cada um dos excomungados dizia: “pelas suas atitudes anti-evangélicas estão excluídos da comunhão eclesial, não tendo sentido continuarem recebendo os sacramentos que a Igreja oferece, enquanto não apresentarem sinais públicos de conversão à sabedoria evangélica”.

O governador boquirroto, para piorar a situação, em resposta, citou a Bíblia, ironicamente: “Ai dos que decretam leis injustas e editam escritos de opressão (Isaías, capítulo 10, versículo I). Continuarei amando o Deus de minha fé e comungando a hóstia mesmo que tenha eu próprio de fazê-la. Não quero continuar comungando outras hóstias feitas por mãos assassinas que misturam o trigo com o sangue dos inocentes”.

Na Assembleia Legislativa, ouviu-se apenas as vozes dos oposicionistas Luiz Pedro e Haroldo Saboia, solidários aos padres de Bacabal. Para embotar o silêncio eloquente da bancada governista, pecuaristas de todo o país, organizados pela UDR, numa reunião em Goiânia, homenagearam o governador Luiz Rocha.

A Secretaria de Comunicação Social do Governo do Estado, por determinação do governador,  publicou a seguinte nota: “O senhor Governador do Estado, Dr. Luiz Rocha, tomou conhecimento da decisão de alguns bispos de excluí-lo do sacramento da comunhão. Ele entendeu que isto aconteceu pelo fato de ter demonstrado ao Brasil inteiro que alguns setores da Igreja Católica são os responsáveis pela violência no campo, provando inclusive que munições estrangeiras foram apreendidas em mãos de membros de comunidades dominadas por padres estrangeiros”.

Por muitos e muitos anos, Centro do Aguiar continuou lutando pela terra prometida. Eu participei desta luta, logo após concluir o curso de direito, acompanhando os processos judiciais e administrativos relativos a esse histórico conflito. Desde 1986, o conflito se prolongou por mais quinze anos de luta, até a conclusão do processo de aquisição das terras. O Iterma criou projetos de assentamentos na localidade, mas deixou sem solução uma disputa em torno de 428 hectares, com o fazendeiro.

Em 1998, ao lado de Célia Correia Linhares e Domingos Dutra, atuei no processo criminal onde o líder rural, Zeca Leopoldo (o popular Zeca de Odália) fora preso, como resultado do processo instaurado na década anterior. Nós conseguimos libertar Zeca, e ainda recuperamos seu mandato de vereador, que havia sido cassado, pela mesa diretora da Câmara de Vereadores.

No ano de 2003, novamente ao lado de Domingos Dutra, atuei no júri popular, onde quatro trabalhadores rurais do povoado de Centro do Aguiar, foram levados a julgamento,  no dia 30 de setembro daquele ano, acusados pela morte de Antônio Monteiro, consequência ainda do conflito com o proprietário da fazenda Nova Olinda.

Parte deste história foi contada pelos próprios trabalhadores rurais no documentário “Filho de Odália”. Ali, a memória oral faz remontar o conflito a 23 de novembro de 1985, onde, num despejo forçado, com apoio de cento e quinze policiais militares, foi morto o idoso Manuel Monteiro. No dia seguinte, o também trabalhador rural, Antônio Fontenele,  foi assassinado. Em 89, o conflito atingiu seu ponto culminante e o Estado registrou 21 homicídios no campo.

Tais acontecimentos não estão muito distantes do que ocorre hoje, visto que somos pela quarta vez consecutiva o campeão nacional de conflitos no campo, de acordo com o Relatório de Conflitos no Campo da CPT/2013. Eles apenas atesta a necessidade de manter viva a memória destas lutas para que a conjuntura política não promova a redenção dos nossos algozes, sem nenhuma reflexão crítica.

 

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