Érica Daiane Costa* – Articulação Popular São Francisco Vivo
Diante do atual modelo de geração e gestão energética vigente no Brasil, com os grandes empreendimentos gerando fortes impactos socioambientais na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco e das demais bacias brasileiras, pensar e elaborar coletivamente uma proposta de política pública popular para a geração e gestão energética, assim como pequenos projetos de desenvolvimento alternativo, é estratégico para o processo de desenvolvimento sustentável e solidário das famílias e comunidades tradicionais que habitam as diversas regiões e territórios de identidade da Bacia.
Com o objetivo de contribuir nesse processo, a Articulação Popular São Francisco Vivo realizou de 02 a 06 de junho o primeiro Mutirão de Energias, atividade prevista no planejamento de 2014. Organizadas que estão famílias e comunidades tradicionais do Submédio São Francisco, articuladas pela jornalista Érica Daiane Costa junto às entidades-membro da Articulação, o Submédio saiu na frente e sediou o encontro, que teve abertura em Cabrobó, município do sertão pernambucano.
A atividade começou na segunda-feira (02) com um dia de estudo e preparação a uma série de visitas em comunidades ameaçadas ou impactadas pelos projetos e empreendimentos de geração de energia corporativa. O estudo contou com a coordenação do professor Heitor Scalambrini, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), integrante do Movimento Ecossocialista de Pernambuco (Mespe), que trouxe diversas informações acerca de três fontes energéticas: hidráulica, eólica e nuclear.
Estudo e preparação
As contribuições do professor Scalambrini ajudaram o grupo a entender o contexto brasileiro no tocante a riqueza e a exploração no setor energético. De acordo com o pesquisador, o setor energético contribui para as mudanças climáticas. “Não existe energia limpa, existem fontes mais ou menos impactantes, pois todas as formas de geração estão sujeitas a degradação dos bens naturais”, alertou.
Além disso, o debate girou em torno do uso que é feito da energia no país, sendo a maior parte para o comércio e a indústria e apenas 25% para o setor residencial. Essa divisão reflete nosso modelo de produção, em que a indústria é considerada o primeiro setor. Para finalizar, o Scalambrini distinguiu dois modelos de geração energética. “Há dois tipos de geração de energia: geração centralizada, transportada para outras regiões e geração descentralizada, ou seja, próxima ao local onde será consumida, com possibilidade de complementaridade de fontes”, disse.
O modelo de geração de energia descentralizada é a que menos ocorre no Brasil, prevalecendo, portanto, o modelo centralizado, de alto impacto socioambiental e ampla desigualdade na distribuição. Muitas vezes as próprias regiões onde a energia é gerada não são contempladas, como é o caso do município de Sobradinho, no sertão da Bahia, que ainda possui comunidades sem energia a poucos quilômetros da hidrelétrica e de parques eólicos.
Falta democracia no setor energético do Brasil
Uma das críticas feitas pelo público participante do estudo é com relação à ausência da participação popular nas decisões voltadas para as políticas energéticas no Brasil, o que se dá no âmbito do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Este conselho é composto por 12 pessoas, dentre estas nove ministros, sem qualquer representação da sociedade civil organizada.
Em decorrência de decisões consideradas desrespeitosas para com os povos ribeirinhos do São Francisco, Maria José de Araújo, do Projeto Cultura de Paz da região de Floresta (PE), lamenta que as cidades pernambucanas que já foram relocadas com a construção da Barragem de Itaparica, na década de 80 do século XX, tornem a passar pelo mesmo transtorno com a implantação das Usinas Nucleares previstas para o município de Itacuruba.
Além de uma Usina Nuclear, em processo de construção no município de Itacuruba, há ainda a possibilidade de ampliar a geração de energia na região a partir da construção de duas hidrelétricas: Pedra Branca e Riacho Seco, o que diretamente atingiria os municípios de Curaçá e Juazeiro, na Bahia, e Santa Maria da Boa Vista e Orocó, em Pernambuco. Com isto, territórios indígenas já regularizados, comunidades Fundo de Pasto, territórios pesqueiros e outras comunidades tradicionais também podem passar pelo processo de inundação e deslocamento forçado.
Mutirão
Visitar as comunidades para saber como estão sendo impactadas pelos empreendimentos energéticos ou mesmo pela possibilidade de receber novos empreendimentos. Com essas visitas coletivas, a Articulação São Francisco Vivo realizou um diagnóstico rápido-participativo das condições de vida atual, bem como ver as possibilidades locais de geração e gestão energética a partir dos núcleos familiares e comunitários de produção.
O grupo se dividiu em três grupos que tiveram três dias para percorrer uma média de 15 comunidades nos municípios de Itacuruba, Belém do São Francisco e Santa Maria da Boa Vista, no lado pernambucano, bem como Rodelas, Curaçá, Sobradindo, Sento Sé e Casa Nova, do lado baiano. No percurso, o coletivo conheceu representações das comunidades e com elas fez reuniões para saber como é a vida das famílias diante desses empreendimentos centralizados.
Após as visitas, os grupos retornaram à Cabrobó para fazer o relato das visitas e reuniões e encaminhar para a Articulação Popular São Francisco Vivo, que fará, junto às assessorias, a sistematização das informações necessárias à elaboração das propostas e projetos.
As informações das famílias e das comunidades visitadas são de suma importância para a elaboração dos pequenos projetos produtivos, a serem desenvolvidos junto às organizações parceiras que cooperaram através de fundos sociais, a exemplo da Cáritas Brasileira, com o Fundo Nacional de Solidariedade. Com o desenvolvimento dos projetos e as articulações políticas, esperamos poder desenvolver, a longo prazo, uma proposta de política pública de geração e gestão energética popular.
A curto e médio prazo, a Articulação vem desenvolvendo um trabalho de monitoramento dos grandes projetos, com o objetivo de diminuir os impactos e garantir os direitos das famílias, comunidades e povos tradicionais, que vem sendo violados com estes e outros grandes projetos produtivos na Bacia. Participaram do mutirão representantes do Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP), Irpaa, Comissão Pastoral da Terra (CPT), Projeto Cultura de Paz, Povos Indígenas Pankarás e Sintagro, todos integrantes da Articulação.
*Jornalista e articuladora regional, com revisão e edição da Assessoria de Comunicação da Articulação São Francisco Vivo.