Liberem as catracas do metrô, por Leonardo Sakamoto

Leonardo Sakamoto

Faço um apelo aos colegas jornalistas que estão cobrindo a greve dos metroviários. Por favor, produzam um material crítico, mas que ouça e transmita o que os dois lados da história têm a dizer de forma honesta. Tenho visto um material muito bom em veículos tradicionais ou alternativos na internet e consumido algumas coisas tenebrosas, principalmente na TV e no rádio. Prefiro acreditar que a qualidade seja mais por conta da pressa de entregar uma reportagem – coisa que todo jornalista enfrenta cotidianamente – do que por opção pessoal ou em decorrência da “mão peluda”.

Os grevistas chegaram a propor voltar ao trabalho com catracas liberadas, sem cobrança da população, enquanto não se chega a um consenso sobre as demandas. Ou seja, ao contrário do que disseram alguns colegas, o objetivo do movimento não é “causar mais dor e sofrimento ao cidadão paulistano”. O governo é contra a solução, afinal ela transfere o problema imediato do usuário para o gestor público. Fica mais difícil jogar a população contra os grevistas.

E bombas de gás e de efeito moral contra manifestantes na porta de uma estação de metrô, logo em uma segunda de manhã, perdem um pouco o sentido.

O piso salariam dos metroviários é de R$ 1.323,55. Portanto, entendo quando eles reclamam que o reajuste proposto de 8,7%, defendido pelo Tribunal Regional do Trabalho, não é suficiente. O problema não é deste ano, mas um acúmulo de outros anos. Na greve dos garis do Rio, debateu-se que eles estavam pedindo um reajuste muito grande. Mesma coisa: não se deve olhar para o índice, mas para a situação salarial. Os metroviários pedem 12,2%, entre outros direitos.

Quando negociações trabalhistas chegam a um limite e uma greve é deflagrada, começa uma guerra de discursos, o que é esperado. E interessante. Afinal de contas, aprendemos novas formas de moldar a língua portuguesa para servir aos nossos interesses.

Gostaria de ver como profissionais cuja matéria-prima é o discurso se comportariam em greve geral. Como já disse aqui um rosário de vezes, tenho certa inveja das categorias de trabalhadores que se enxergam como tais e se unem para reivindicar e lutar pelos seus direitos. Sim, porque nós, jornalistas, como todos sabem, não somos trabalhadores, estamos acima de toda essa coisa mundana. Salário? Para quê? Uma vez que somos seres iluminados, nada mais lógico do que vivermos de luz.

Espero que a paralisação dure o menos possível e que um acordo seja logo alcançado. Enquanto isso, um pouco de paciência. Muita gente deve estar pensando “vagabundo que faz greve deveria ser demitido”, esquecendo que – dessa forma – joga pela janela uma das mais importantes formas de pressão: negar-se a gerar receita para a empresa enquanto seu contrato de compra e venda da força de trabalho não for rediscutido.

Por isso, seria ótimo uma catraca liberada, sem cobrança da população.

Sindicatos não são perfeitos, longe disso. Assim como ocorrem em outras instituições, eles possuem atores que resolvem voltar-se para os próprios umbigos e tornar a busca pelo poder ou pelo dinheiro mais importante que os objetivos para o qual foram escolhidos. Estamos cheios de exemplos disso. Contudo, graças à organização e pressão dos trabalhadores, importantes conquistas foram obtidas para civilizar minimamente as regras do jogo – não trabalhar até a exaustão, descansar de forma remunerada, ter salários (menos in)justos, garantir proteção contra a exploração infantil. Direitos estes que, mesmo incompletos, são chamados por alguns de “gargalos do crescimento”.

Ainda apoio o direito de trabalhadores de se conscientizarem, reconhecerem-se nos problemas, dizer não à exploração e entrar em greve até que a sociedade pressione e os patrões escutem. Mesmo que a manifestação deles torne minha vida um absurdo.

Termino de escrever este breve post de um ponto cheio, com ônibus que estão passando lotados e atrasado para um exame médico. Então, não venham me jogar o papinho-aranha do “ai, você tem carro, por isso apoia a greve”. Como já disse aqui, claro que as consequência de paralisações em serviços essenciais são uma droga. E pobre da população mais pobre que é a principal prejudicada por elas. Em todos os sentidos.

Mas, sem ela, a chibata no lombo seria corriqueira e a ração na senzala teria menos mistura. Enfim, a responsabilidade pelo tamanho de uma greve com reivindicações justas definitivamente não pode ser jogada na conta dos trabalhadores.

Torço para que você não consuma bovinamente discursos que demonizam greves. Porque, se assim for, no dia em que precisar que a sociedade entenda a sua reivindicação, pode perceber que está sozinho, gritando ao vento.

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