A Arquidiocese do Rio de Janeiro está pedindo uma indenização que pode chegar a R$ 21 milhões a uma rede de televisão italiana que vestiu a estátua do Cristo Redentor com uma camisa da seleção italiana de futebol em um filmete para divulgar sua programação para a Copa, segundo o jornal O Globo. A razão seria desrespeito religioso e exploração ilícita de imagem.
É tão pitoresca a sandice que estou torcendo para a notícia ser um grande mal entendido. Mas a notícia serve de base para uma discussão de fundo.
Como já disse aqui, achei um tremendo exagero a eleição da estátua de gosto estilístico duvidoso como uma das sete novas maravilhas do mundo – concurso realizado por uma fundação suíça, que também elegeu o Taj Mahal (!), o Coliseu (!!) e Machu Picchu (!!!), entre outros monumentos históricos. Perceberam a desproporcionalidade histórica e a paulada no significado da palavra “maravilha”?
Maravilha é a vista lá de cima, mas enfim.
Em um país de maioria católica (não praticante e que apela para todas as forças do universo em um sincretismo fascinante nos momentos de dificuldade), a estátua, que fica sob os cuidados da Arquidiocese do Rio de Janeiro, tem sua importância. Se aquela referência faz bem à grande maioria das pessoas e não ofende uma minoria, não há problema. Na minha opinião, a estátua não é diferente de uma igreja no alto do Corcovado.
O difícil não é ter que conviver com um símbolo de uma crença que não é a sua na rua – a isso damos o nome de tolerância, que deveria ser melhor cultivada por estas bandas, o que protegeria o direito de culto em igrejas, templos e terreiros.
O ruim é saber que a presença desses símbolos em prédios que pertencem ao poder público mostram que a saudável e necessária separação entre fé e Estado não ocorre por aqui. Mas isso é outra história.
Em janeiro de 2010, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil lançou uma nota em que rejeitou “a criação de ‘mecanismos para impeder a ostentação de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos da União’, pois considera que tal medida intolerante pretende ignorar nossas raízes históricas”.
(Lembrando que o trabalho escravo, o machismo, o assassinato de indígenas e as consequência da Santa Inquisição estão também em nossas raízes históricas.)
Na época, autointitulados representantes de Deus, afirmaram que se o governo quisesse retirar símbolos religiosos, então deveria começar pelo Cristo Redentor.
Por mim, pode demolir a estátua que não dou a mínima (queimem o japa herege!). Mas sei que a sociedade, que tem apreço por ela, não deixaria meia dúzia de “iluminados” sacerdotes tomar tal medida uma vez que o monumento já pertence, na prática, não apenas à cidade do Rio mas ao Brasil e não à Arquidiocese.
Sempre me incomodou a tentativa de cobrar direitos autorais de representações de figuras religiosas, como se uma religião tivesse o monopólio de determinados personagens históricos.
Quando é para vender a fé, uma estátua é um bem da humanidade. Lembrando que uma instituição milenar, como a Igreja Católica, que possui a propaganda de ideias como um de seus alicerces, tem a seu dispor o maior “anúncio” a céu aberto do mundo.
Daí, quando o uso foge ao controle, o uso de sua imagem é proibido. Religião, mas pode chamar de capitalismo.
Bem faria se a Prefeitura do Rio impusesse uma taxa de 100% sobre receitas oriundas da imagem da estátua e as destinasse para a promoção de políticas para o desenvolvimento da laicidade do Estado.
Cristo, se existir, certamente estará de braços abertos à ideia.