Natasha Pitts – Adital
A abertura de espaço na mídia para a temática da homossexualidade tem deixado muita gente, no mínimo, desconfortável. Prova disso foi que durante a exibição do filme “Praia do Futuro”, em Niterói, Estado do Rio de Janeiro, registrou-se a saída de pessoas das salas de cinema em virtude da exibição de cenas de sexo gay entre os atores Wagner Moura e Clemens Schick. Depois desses casos, em João Pessoa, Estado da Paraíba, os ingressos do cinema foram carimbados com a palavra “avisado”, mostrando que o cliente estaria ciente das cenas que veria no filme. Entretanto, no mesmo Estado, o Movimento do Espírito Lilás (MEL) veiculou recentemente o primeiro comercial com beijo gay da TV brasileira.
“O brasileiro é um povo grotescamente contraditório, ao mesmo tempo em que escolheu Roberta Close [transexual famosa] como modelo de beleza da mulher brasileira, é no Brasil onde mais gays e travestis são assassinados, uma média de 1 homicídio a cada 26 horas. A homofobia inclui tanto o ódio mortal contra os homossexuais, quanto o medo de ter emoções ou desejos homoeróticos. Certamente, as pessoas que saíram da sala do filme ‘Praia do Futuro’ vivenciam um forte desejo homoreprimido e não aguentaram presenciar cenas que, no fundo, desejariam vivê-las secretamente”, defende Luiz Mott, doutor em Antropologia, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e decano do Movimento Homossexual Brasileiro em entrevista à Adital.
Outras situações sustentam a afirmação de Mott. Há poucos meses, foi grande a expectativa pelo beijo e o final feliz do casal homossexual Félix e Niko, da novela ‘Amor à Vida’ (veiculada pela Rede Globo de Televisão). No entanto, o mesmo sentimento não vem acontecendo com o casal de lésbicas Clara e Marina, também personagens de uma telenovela.
“Quanto maior é a visibilidade homoafetiva, maior é a reação dos homofóbicos mais radicais, esta parece ser uma lei sociológica universal. Mentalidades não se mudam por decreto, mas certamente a equiparação da homofobia ao crime de racismo há de inibir os que acham normal humilhar, discriminar e agredir LGBT”, explica Mott.
Karim Aïnouz, diretor de “Praia do Futuro”, afirma em entrevista à Adital não esperar que pudesse acontecer reação semelhante do público, pois não há nada de polêmico no filme. “Acho que foi muito triste. E muito desrespeitoso com o filme. Por que cenas de sexo e afeto entre duas pessoas podem causar tamanha rejeição? Gostaria de ter a resposta a essa pergunta. Talvez me permitisse entender melhor um certo estado de coisas, um estado de coisas marcado pela intolerância, que é a semente do conservadorismo”, questiona.
Aïnouz declara ainda que o filme não teve a intenção de abrir qualquer debate; o filme “Praia do Futuro” são apenas duas histórias de amor. “As relações homossexuais são relações humanas e não carecem de debate. Outras coisas carecem de debate: a religião, o fundamentalismo de várias ordens, a exclusão social, as guerras nas quais o mundo está imerso há mais de 10 anos, a discriminação de minorias, a vitória da direita nas eleições para o Parlamento francês, isso sim carece de debate e de reflexão. Mas quanto às relações homossexuais, é absolutamente anacrônico. Nem as relações homossexuais nem as heterossexuais carecem de debate. Desde quando o amor carece de debate? O amor é pra ser vivido, e não debatido”, defende.
Na maré contrária desses acontecimentos, o Movimento do Espírito Lilás promoveu na Paraíba a veiculação do primeiro comercial com beijo gay da TV brasileira. A propaganda foi lançada no último dia 16 de maio, em alusão ao Dia Internacional de Combate à Homofobia, e faz parte de uma campanha contra a discriminação nas relações homoafetivas, cujo tema é “O amor une, a homofobia não”.
Luiz Mott destaca a pertinência da campanha em um estado tão violento e preconceituoso. “A Paraíba confirma essa contradição de amor e ódio em relação ao ‘amor que não ousa dizer o nome’. Tem sido um dos estados onde mais LGBT [Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais] são assassinados, 60 homicídios entre 2011-2013. A divulgação do primeiro comercial com beijo gay é de grande importância para desconstruir a homofobia dominante nas famílias, igrejas, na sociedade em geral. Os ativistas do MEL estão de parabéns por terem produzido material tão belo e comunicativo”, elogia Mott.
O professor defende que a educação sexual nas escolas é fundamental para se construir uma sociedade mais respeitosa com a diversidade. “Nós, homossexuais, não queremos privilégio: exigimos sim, direitos iguais, nem menos, nem mais”.
O fato que as manifestações de amor entre pessoas do mesmo sexo, apesar de incomodarem alguns, estão ganhando cada vez mais espaço e visibilidade tanto na TV quanto no cinema, provavelmente pelas conquistas políticas dos últimos anos. Aïnouz acredita que está havendo uma conquista de espaço, uma ocupação dentro de um contexto que era proibido ser ocupado e alerta: “quem não gostar, que se retire, principalmente porque o lugar da intolerância deve sempre ser o da margem, e nunca o do centro”.
Propaganda do MEL:
Veja o trailer de Praia do Futuro: